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O presidente Lula e o ministro do STF Cristiano Zanin, que concedeu liminar ao governo derrubando a desoneração da folha.
O presidente Lula e o ministro do STF Cristiano Zanin, que concedeu liminar ao governo derrubando a desoneração da folha.| Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

A liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) que derrubou a desoneração da folha de pagamento de 17 setores, além de parte dos municípios, provocou reações de empresas, tributaristas e congressistas. E novamente escancarou a insegurança jurídica do país.

A nova vitória do governo sobre os contribuintes no STF não é definitiva, mas já tem efeitos. As empresas que eram beneficiadas pela desoneração devem voltar a pagar a contribuição previdenciária "cheia" já em maio.

Na quinta-feira (25), o ministro do STF Cristiano Zanin suspendeu trechos da lei que prorrogava a desoneração até 2027, aprovada pelo Congresso no ano passado. A desoneração – criada em 2011 no governo Dilma Rousseff (PT) e prorrogada sucessivas vezes – prevê a substituição da contribuição previdenciária patronal (CPP), de 20% sobre a folha de salários, por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta.

A decisão de Zanin atendeu a pedido feito um dia antes pela Advocacia-Geral da União (AGU), que moveu Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a desoneração. A liminar foi submetida ao plenário virtual da Corte horas depois e logo recebeu outros quatro votos acompanhando a suspensão. Com o placar de 5 a 0 a favor do governo e faltando apenas um voto para a formação de maioria, o ministro Luiz Fux pediu vista e interrompeu o julgamento, num aparente freio de arrumação.

Fux tem 90 dias para devolver o processo, o que permitirá a retomada do julgamento. Até lá, a decisão de Zanin segue valendo. Assim, a partir do próximo dia 20 de maio, quando é feito o recolhimento mensal, as empresas que eram desoneradas voltam a pagar a CPP sobre a folha de salários.

A Gazeta do Povo, como empresa de comunicação, estava entre as beneficiadas pela desoneração.

"A mudança abrupta afeta uma política pública amplamente debatida e esperada pelo setor produtivo, com implicações profundas para a segurança jurídica, essencial para o planejamento de longo prazo e decisões de investimento. Traz incerteza para as empresas que haviam planejado suas finanças e estratégias de contratação baseadas na continuidade da desoneração", diz o tributarista Leonardo Roesler, do RMS Advogados. "Este tipo de reviravolta legal pode erodir a confiança no ambiente regulatório e legislativo."

Lógica da decisão do STF é arrecadatória, diz tributarista

Mariana Ferreira, do Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados, afirma que, embora tenha respaldo no princípio de responsabilidade fiscal, a fundamentação da AGU é mais "arrecadatória do que legal". O governo estima que deixará de arrecadar R$ 10 bilhões anuais com a desoneração fiscal, dinheiro que poderia colocar “em risco as contas fiscais”.

"O embate todo é arrecadatório", diz a tributarista. "Embora o argumento fiscal seja relevante, o timing da decisão, com os debates no Congresso, afetam a previsibilidade e estabilidade jurídica".

Para Roesler, a decisão, ao focar rigorosamente na legalidade formal, sem considerar as implicações econômicas, ignora a necessidade de "ponderação equilibrada entre os valores constitucionais em jogo e as realidades econômicas atuais".

Além disso, o tributarista acredita que uma intervenção "drástica" do Judiciário em decisões legislativas pode representar uma ameaça ao princípio da separação dos Poderes. "A Constituição confere ao Legislativo a prerrogativa de formular políticas fiscais e econômicas, prerrogativa que deve ser respeitada, exceto em situações de flagrante inconstitucionalidade", afirma.

Judiciário tem sido aliado do Executivo em decisões contra o contribuinte

Não é a primeira vez que o Judiciário sai em socorro do Executivo em questões fiscais. Em 2023, decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) deram ganho de causa à União em pelo menos 16 importantes julgamentos tributários, segundo levantamento do escritório Machado Associados.

No caso da folha de pagamentos, antes da cartada da judicialização, o governo Lula também já tinha tentado atropelar a decisão do Congresso vetando integralmente a lei de desoneração aprovada pelos parlamentares. A lei estendia benefícios tributários a prefeituras, o que reduziria a contribuição previdenciária de municípios com menos de 156,2 mil habitantes.

O veto de Lula foi derrubado pelo Congresso em dezembro. Mas, pouco antes do apagar das luzes do ano, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, editou a Medida Provisória (MP) 1.202, para reonerar a folha de pagamento. A pressão de parlamentares e dos setores econômicos atingidos foi grande pela ameaça de desemprego. Juntos, os setores empregam cerca de 9 milhões de pessoas. O Executivo, na ocasião, alegou que a desoneração não foi positiva para o mercado de trabalho nos últimos anos.

Após pressão e negociação, o governo revogou a parte da MP 1.202 que prejudicava as empresas, mas manteve o trecho que acabava com o benefício para os municípios. Depois, no início de abril, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), decidiu não prorrogar o trecho da MP relativo aos municípios – o que, na prática, restabeleceu o benefício fiscal a eles.

Em meio às negociações com o Congresso, Haddad mandou ao Legislativo o Projeto de Lei 493/24, para tentar reduzir perdas de receita do governo. A proposta é uma espécie de meio-termo, prevendo alíquotas reduzidas de contribuição previdenciária para os 17 setores econômicos, a serem elevadas gradualmente até 2027. O Congresso, porém, não comprou o projeto. Veio, então, a decisão de Haddad de levar o caso ao STF.

O Congresso reagiu mal à iniciativa do governo. A relatora do projeto da desoneração encaminhado pelo Executivo, deputada Any Ortiz (Cidadania-SP), afirmou nesta segunda (29) à CNN que a judicialização foi uma "afronta ao Legislativo" e que o governo foi "omisso" nas discussões sobre a matéria.

"A medida [de recorrer ao STF] é também uma sinalização de que o governo jogou a toalha nas negociações em torno das propostas que tratam do tema e tramitam atualmente na Câmara", avaliou o economista Felipe Salto, da Warren Renna Investimentos, em nota.

Governo ainda pode ser forçado a negociar

Na sexta-feira (26), o Senado acionou o STF contra a decisão liminar, sob o argumento de estar baseada "em pressupostos fáticos equivocados". Nesta segunda, o ministro Zanin deu 15 dias para a AGU se manifestar sobre o recurso.

Entidades como a Federação das Indústrias do Paraná (Fiep) e a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) pediram para ser incluídas no julgamento como amicus curiae, expressão que designa terceiros que fornecem subsídios ao órgão julgador.

Ao recorrer, Pacheco deixou claro que sua posição não era contra o Judiciário, e sim contra o governo. Isso abriu uma crise que levou a troca de farpas pela imprensa entre Haddad e Pacheco.

O ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, Alexandre Padilha, tentou amenizar o embate. Nesta segunda, ele disse que é "natural" que o chefe da equipe econômica defenda a "sustentabilidade das contas públicas" e que Pacheco defenda a decisão tomada pelos parlamentares.

Na noite desta segunda-feira, Haddad afirmou a jornalistas estar aberto a retomar negociações junto ao Congresso e que tem conversado com os setores afetados e com os representantes dos prefeitos.

A percepção de analistas é de que o governo pode ceder, temendo o risco de derrotas em futuras votações de interesse do Executivo. As negociações podem avançar após uma conversa entre Haddad e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que deve acontecer nesta terça-feira (30).

Setores reagem com indignação à decisão do STF

Em nota, 21 entidades representativas dos segmentos manifestaram sua contrariedade com a decisão do ministro Zanin, destacando os resultados da política de desoneração. "Essa política pública da tributação substitutiva da folha por percentuais da receita bruta promoveu, no período de janeiro de 2011 a fevereiro de 2024, um crescimento de 9,7% no número de empregos gerados pelos 17 setores abrangidos por essa sistemática tributária, voltada à promoção do emprego formal", diz o texto.

"Em uma análise mais recente, entre janeiro de 2019 e fevereiro de 2024, esse crescimento nos empregos formais nos mesmos setores foi ainda mais expressivo, atingindo 19,6%, superando em 5,3 pontos percentuais o desempenho dos demais setores econômicos. Estes 17 setores atualmente empregam 9,3 milhões de profissionais, e apenas nos dois primeiros meses de 2024 foram criados 151 mil novos empregos. Além disso, o salário médio nestes setores é 12,7% superior aos setores que não contam com essa desoneração tributária", afirma o documento.

A Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo (Fetpesp) declarou "profunda indignação em relação à decisão do ministro Cristiano Zanin".

"Essa decisão, claramente contrária à preservação dos empregos no país, impactará negativamente as empresas de transporte que ainda lutam para se recuperar das perdas causadas pela pandemia. Além disso, aumentará o custo das tarifas de ônibus, sobrecarregando a população que depende desse meio de transporte", diz a nota.

Segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), a reoneração culminará num acréscimo médio de R$ 0,31 nas tarifas de transporte.

O Sindicato das Indústrias Avícolas do Estado do Paraná (Sindiavipar) destacou que a desoneração foi "duplamente referendada pelo Congresso Nacional por esmagadora maioria de votos dentro do mais transparente processo democrático".

"Além de ferir o princípio constitucional da equidade dos três poderes, a lamentável medida, que atende inoportuno pedido do governo federal, expõe mais uma intromissão indevida do STF em atribuições que são exclusivas do Legislativo, com potencial para levar à demissão milhões de trabalhadores, restringir novas contratações, elevar os custos de produção com forte impacto inflacionário e aumentar a insegurança jurídica do Brasil, fator que já vem desestimulando novos investimentos na economia e travando o crescimento nacional", afirmou o Sindiavipar.


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