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Lula atacou Bolsonaro e seu governo em 90% das lives; estratégia continua mesmo após fim do programa
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Nas 22 lives que fez ao longo do segundo semestre de 2023, acompanhado pelo jornalista Marcos Uchôa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) adotou o ataque e a desqualificação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como uma de suas principais estratégias. A comparação de seu governo com o anterior, classificado por ele como um "período de ódio, autoritarismo, mentira e destruição da máquina pública brasileira", foi utilizada em 91% dos programas "Conversa com o Presidente".

O dado foi compilado pela Gazeta do Povo com auxílio da ferramenta Pinpoint, do Google, e levou em consideração uma série de termos para identificar a comparação com o governo anterior, já que o presidente e seus convidados valeram-se das mais diversas expressões para mencioná-lo, como "governo do ódio", "fascistas", "período de mentiras", "aloprados", entre outras referências pejorativas (as transcrições estão disponíveis neste link para o Pinpoint).

Somente em duas lives oficiais, em 22 de agosto e 14 de novembro, o presidente, o apresentador e seus convidados não se valeram de comparações com o governo Bolsonaro. Ainda assim, não faltaram mensagens veladas, tais como afirmar que chegou a hora de fazer o brasileiro "voltar a sorrir", uma alusão ao suposto "sofrimento" do povo na gestão anterior.

O programa "Conversa com o Presidente" teve vida curta e baixa audiência. Foi realizado semanalmente entre 13 de junho e 19 de dezembro de 2023, com uma média de 85 mil visualizações no canal do presidente Lula no Youtube, sendo que a primeira live obteve o maior volume de visualizações, com 192 mil, e a de 14 de novembro o menor, com 46 mil. A média da audiência ao vivo dos 22 programas foi de 5,8 mil espectadores por live, segundo levantamento do jornal O Globo. O apresentador Marcos Uchôa foi exonerado da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), responsável pela realização do programa, em fevereiro.

Com a popularidade em queda, o governo tem buscado outras formas de melhorar sua comunicação com o eleitor. Uma das medidas adotadas foi contratar quatro empresas de comunicação para atender demandas da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom). Com foco no "combate às fake news", os contratos somam R$ 197.753.736 e têm validade de um ano.

A estratégia de apostar no antagonismo com Bolsonaro, porém, continua em 2024. Para citar um exemplo recente, no início de abril, durante evento em Niterói, Lula disse que pegou o governo "desmontado" e que a "mentira deslavada" tinha tomado conta das políticas pública na gestão anterior. Nesta semana, ele disse a jornalistas que a manifestação convocada por Jair Bolsonaro e que levou milhares de pessoas para a praia Copacabana, no Rio de Janeiro, no domingo (21), não o preocupava porque se tratavam de "atos fascistas".

Ódio x amor

Um dos argumentos comumente utilizados por Lula ao longo dos programas é de que sua atual gestão não só "abandonou o ódio", atribuído a Bolsonaro e seus seguidores, mas também precisou "reconstruir o Brasil", em consonância com o slogan de seu governo "União e Reconstrução". No entanto, não raro, Lula oscila em relação ao discurso de reconciliação que prega em suas lives.

Na live oficial do dia 31 de agosto, por exemplo, Lula afirmou que "o país do ódio, o país do horror, o país da mentira acabou, e acabou de verdade por que o povo brasileiro quer que acabe. Apenas alguns querem continuar, que continuem, mas vão quebrar a cara". Já no programa do dia 8 de agosto, o mandatário afirmou que "o ódio nós já derrotamos, o fascismo nós já derrotamos, agora é preciso derrotar as sequelas do fascismo que foi derrotado no golpe do dia 8 de janeiro".

O mesmo tom foi observado em discursos diversos do presidente, por vezes até mais agressivo. Em fevereiro de 2023, durante o evento para celebrar o 43º aniversário do PT, Lula afirmou que "nós vamos precisar de um tempo para fazer um processo de limpeza, e fazer com que aquelas pessoas que pregam o ódio, aquelas que vivem xingando as pessoas na rua, ofendendo, que essas pessoas sejam isoladas da sociedade brasileira". Lula comumente se refere a Bolsonaro e seus seguidores como "espalhadores de ódio".

Menções indiretas, mentiras e fake news

Nem sempre as comparações feitas por Lula e seus convidados ao longo de suas lives oficiais mencionam de forma direta o governo Bolsonaro, valendo-se de uma ampla gama de termos. As delimitações temporais, tais como "governo anterior", "governo passado", "ano passado", e que citam de forma direta o nome de Bolsonaro e termos como ex-presidente, foram utilizadas em 14 das 22 lives, ou seja, 63%.

Lula também faz uso de uma ampla variedade de palavras como "adversário", "cidadão", "o coisa" e "pessoa negacionista" para se referir ao ex-presidente, cuja equipe de governo e aliados também já foram chamados de um "bando de aloprado" e de "fascistas" em 12 programas, ou 54% do total.

A gestão Bolsonaro também é cunhada como um período de "mentira", "fake news" em 7 lives oficiais, 31%. No dia 31 de outubro, por exemplo, ao celebrar um ano de sua eleição, Lula afirmou que no ano de 2022, o Brasil teve a maior quantidade de mentiras contadas, desde a época do Descobrimento.

"Acho que nunca se mentiu tanto, porque o nosso adversário, ele contava mentira por segundo, ele fazia questão de acordar mentindo e deitar mentindo, ele fazia questão de inventar coisas para contar para o povo, ele fazia questão de inventar remédio para quem tava doente com o Covid, ele fazia questão de inventar mentira sobre economia. Ou seja, fazia parte do DNA dele a quantidade de mentiras que era contada por dia na sociedade, com a máquina de fazer mentira que até então a gente não tinha conhecimento", afirmou Lula naquela ocasião.

Em contrapartida, verbos como "reconstruir", "retomar", "recuperar", "remontar" e "recriar" são utilizados para designar o que Lula caracteriza como uma ação "reparadora" da gestão petista, frente ao "desmonte" supostamente promovido na gestão anterior em 12 das 22 lives oficiais, 54%.

Em duas lives, o presidente usa de bandeiras sabidamente defendidas por Bolsonaro para fazer suas comparações, seja quando ataca a liberação da compra de armas, seja quando critica a "extinção" do Ministério da Cultura - que durante a gestão anterior foi transformado em Secretaria Especial da Cultura. O atual mandatário também fez menção "à grosseria de um governo que desrespeitava o desmatamento", em alusão ao governo do ex-presidente.

Manutenção da estratégia de desqualificação

O consultor independente e sociólogo Antônio Flávio Testa, afirma que a tática de desqualificar o opositor não é novidade, tendo sido utilizada por marqueteiros do PT, como Duda Mendonça e João Santana, para construir a imagem do presidente em períodos eleitorais e durante seus mandatos anteriores. Atualmente, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência de República (Secom), sob o comando do ministro Paulo Pimenta (PT), é a responsável pela estruturação dessa estratégia.

A ideia é que, ao longo do tempo, a reiteração da mensagem negativa sobre o opositor convença o público dos pontos expostos, mesmo que não sejam corroborados por dados e outras informações. Um ponto negativo é que esse tipo de discurso acaba não conseguindo mostrar as realizações do próprio governo.

Mesmo diante de tais fragilidades, de acordo com especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a estratégia tende a ser mantida, com a aproximação das eleições municipais deste ano. Os alvos são os usuários das redes sociais, onde esse tipo de mensagem de ataque a opositores encontra seu maior eco.

Engajamento nas redes sociais

O jornalista e coordenador do Master em Jornalismo de Dados, Automação e Data Storytelling do Insper, Pedro Burgos, afirma que diversos estudos já comprovaram que a dinâmica das redes privilegia a polarização dos discursos. Em geral, as publicações mais comentadas, curtidas e replicadas são aquelas que atacam um grupo visto como opositor. Ou seja, ataques e críticas têm mais repercussão do que falar bem de si ou mostrar os próprios feitos e realizações positivas.

Um exemplo é o estudo "Out-group animosity drives engagement on social media" (Animosidade contra grupo opositor impulsiona engajamento nas redes sociais, em tradução livre), organizado pelos pesquisadores Steve Rathje e Sander van der Linden, do Instituto de Psicologia da Universidade de Cambridge, e Jay J. Van Bavel, do Centro de Ciências Neurais da Universidade de Nova York. Publicado pela revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS, publicação célebre ligada à Academia Nacional de Ciências dos EUA), a pesquisa demonstra que "publicações sobre adversários políticos têm uma probabilidade substancialmente maior de serem partilhadas nas redes sociais" e que este efeito é muito mais forte do que o de outras estratégias utilizadas nas redes sociais, como a linguagem emocional.

Burgos explica que as lives foram criadas para que, além de serem transmitidas ao vivo e distribuídas na íntegra nas redes sociais, cortes e trechos mais curtos, muitas vezes enfatizando esses ataques, sejam facilmente disseminados e possam viralizar, gerando grande número de visualizações e curtidas.

No caso das lives oficiais de Lula, o especialista avalia que, muito provavelmente, a função maior tenha sido a de produzir esses cortes e clips para circular e gerar altos índices de engajamento em redes como TikTok e Instagram.

Dentro dessa lógica, desqualificar Bolsonaro e seu governo é uma estratégia que provocaria maior repercussão para o presidente Lula. No entanto, nem sempre a estratégia é efetiva, conforme avalia o cientista político Antônio Testa. A falta de dados e de fatos práticos demonstrariam que as teses do governo são vazias, o que tenderia a reforçar e fortalecer a popularidade de Bolsonaro. A hipótese talvez explique os índices baixos de engajamento das lives oficiais de Lula – fato aventado como uma das possíveis razões para a suspensão do programa.

De olho nas eleições

O analista político e consultor da Malta Advogados, Luiz Filipe Freitas, afirma que esse tipo de ataque não é novo na política, principalmente se tratando do PT, mas que estamos no momento mais polarizado da história, pelo menos desde a redemocratização. Ele também responsabiliza as redes sociais e seus algoritmos, que tendem a entregar publicações que reforçam determinados pontos de vista, em vez de trazer visões diversificadas.

Freitas afirma que houve um acirramento a partir das eleições de 2014, quando Dilma Rousseff (PT) foi reeleita por pequena margem. Por um lado, há o discurso de seguir um caminho de maior tolerância, mas na prática o que se vê é um constante movimento para minar os adversários políticos, incluindo ataques a apoiadores de Bolsonaro, com vistas a conseguir espaços nas eleições municipais deste ano.

Mas não é somente o PT que faz uso desta estratégia. Freitas afirma que Bolsonaro também se utilizou desse tipo de discurso. Ele cita, porém, que há diferenças entre os dois nesse quesito. Segundo o analista, Lula estaria disposto a baixar a guarda e aceitar uma trégua de apoiadores do ex-presidente. No início de fevereiro, os encontros entre o presidente e os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freias (Republicanos), Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), e do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), todos ligados ao ex-presidente, seria um indicativo dessa estratégia.

O objetivo seria dialogar nos bastidores, enquanto mantém um discurso forte para o público – comum em períodos eleitorais. Como a maior parte da população não vê ou não entende esse tipo de arranjo, justamente em virtude da polarização, os eventos com Tarcísio, Zema e Caiado, podem causar um efeito estranheza ao eleitor médio. “Para Lula podemos caracterizar que eleição é eleição, amigos a parte".

Dessa forma, ele avalia que o atual presidente não terá “pudores” em seguir com sua linha de discursos inflamados, ao mesmo tempo em que negocia com opositores.

No outro lado, ele não vê em Bolsonaro a mesma disposição para esses arranjos de bastidor.

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