Caro leitor,
Você não vai acreditar. Acordei hoje todo feliz, com esta carta já devidamente escrita e pronta para ser publicada. Ela falava dos “heróis improváveis” dessa tragédia que é a cheia no Rio Grande do Sul. De Whindersson Nunes, Nego Di, Luciano Hang e de um tal de Scooby. Enfim, de um monte de “criaturas ridículas que são melhores do que nós”, para usar as palavras sábias e humildes, sábias porque humildes, do meu amigo Alexandre Soares Silva.
Mas aí aconteceram várias coisas que me obrigaram a ligar a impressora, trocar o cartucho de tinta, imprimir a carta, fazer dela uma bola de papel e arremessá-la dramaticamente na cesta de lixo. (Errei!). A primeira delas é que me lembrei de uma coisa importantíssima: este é o fim de semana do Dia das Mães e eu não poderia ficar sem mencionar o nome da minha genitora, a Dona Marlene. Mandem os parabéns para ela. Ela vai gostar.
Outra coisa que aconteceu e me levou a apagar a carta já escrita foi a raiva. Sim, a raiva. Agorinha há pouco mesmo, quase esmurrei o computador ao ver duas imagens da tragédia no sul. Uma delas mostrava os soldados do Exército fazendo soldadices que não vou descrever aqui para não contaminá-lo com a minha raiva. Afinal, daqui a pouco é Dia das Mães e tal. Mas eu garanto: é coisa digna de Os Trapalhões. E não adianta generalzinho vir querer limpar a barra das Forças Armadas, menosprezando o trabalho do cidadão comum, por ele jocosamente chamado de “heróis do WhatsApp”.
A segunda imagem a despertar o Coringa que habita em mim foi a de uma repórter ignorando as queixas de um cidadão que falava de toda a inépcia do poder público para lidar com a situação de calamidade, e concluindo com um paulocoelhismo: “Vamos ter pensamento positivo que tudo isso vai passar”. Vai passar.. Sempre passa. Mas... pensamento positivo? ¨%#@@¨&(*%$!!! Ah, não pode xingar? Desculpe, mãe!
De repente me lembrei do chinelo voando em minha direção sempre que eu falava um palavrão. Mas Dia das Mães também serve para isso, não? Para nos lembrarmos das surras e broncas e de tudo o que a gente dizia que era injusto ou “você não me entende, mãe!”, e de tudo o que, com o tempo, se provou verdadeiro, justo e útil em nossas vidas.
Deixando um pouco a raiva e as ardidas lembranças de lado, outro motivo para eu reescrever esta carta foi o padre Faus. Francisco Faus. Comecei a ler seu “A Conquista das Virtudes” e atesto: é uma das coisas mais difíceis que li nos últimos tempos. Porque, apesar do tom caridoso, é impossível escapar da autocrítica severa ao ler as descrições perfeitas que o padre faz das nossas falsas virtudes. Isto é, do bem que realizamos só porque nos rende aplausos.
Na carta anterior, aquela que apaguei, eu citava os nomes do primeiro parágrafo e dizia que era melhor fazer o bem assim, para se promover, do que ficar de braços cruzados. Hoje já não tenho tanta certeza. Digo. Não sei. Estou confuso. Se bem que, estava lembrando aqui, o padre Francisco Faus é bem taxativo na introdução do livro, ao dizer que o exame de consciência e a análise dos defeitos e limitações valem apenas para as nossas atitudes, e não para os defeitos dos outros. Então que continuem sendo heróis improváveis, mesmo que seja para a autopromoção.
Fico por aqui porque, ah!, não acredito que a Janja apareceu comemorando o resgate de um cavalo. É sério isso? Não pode ser. Não, não acredito que o cavalo está sendo usado como símbolo de resistência. Bom, lá vou eu tentar encontrar alguma graça nisso. Rezem pelos gaúchos, pelas mães que não terão o que comemorar neste domingo. E, se não for pedir muito, me incluam em suas orações. Ando precisando de muita paciência e, a esta altura, só mesmo pela Graça.
Um abraço do
Paulo
[Esta coluna é uma reprodução da carta que chega à caixa postal dos assinantes toda sexta-feira. Se você ainda não se inscreveu, lá em cima, logo depois do primeiro parágrafo, tem um campo para isso].
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