Aí eu pensei: vai que, dentre os meus muitos (benzadeus!) leitores, há uns 100 que gostam de ler. Vai que, desses cem, 50 gostam de ficção. Desses, vai que 25 consomem literatura brasileira contemporânea. No meio desses 25, vai que tem uma dúzia cansada do identitarismo e da crítica social rasteira que tomou conta da chamada lit pt-br. Por fim, vai que metade dessa dúzia está interessada em ler “Feérico Luar no Copacabana Palace”, de Alexandre Soares Silva? Aí decidi escrever este texto.
(E, para garantir que o livro chegue a mais leitores em potencial, decidi ilustrar o texto com a imagem de outro Alexandre, aquele, lendo o romance. Que tal?).
O Alexandre (falo para me exibir mesmo) eu conheço de longa data. Quase trinta anos já. Mas você talvez não conheça ainda, o que é ao mesmo tempo uma pena e uma bênção. Porque fico imaginando como é para um neófito ter contato com o estilo de Alexandre Soares Silva pela primeira vez. Pois este neófito imaginário parece estar mesmo com sorte. Porque, apesar do título excêntrico, “Feérico Luar no Copacabana Palace” é o melhor trabalho do escritor. O livro é, como descreveu muito bem alguém, uma cosquinha gostosa no cérebro.
“Feérico Luar...” conta a história de Lilico Bensaúde, um trilhardário que se tivesse nascido na década de 1960 talvez fosse assim um Walter Salles, mas que por sorte e imaginação do autor nasceu no começo do século XX (ou finalzinho do XIX?), num tempo em que a palavra “elite” ainda significa alguma coisa menos ridícula do que “rico com consciência social”. Condenado a desfrutar do bom e do melhor (pelo menos até o Crash de 1929), o timidíssimo Bensaúde tem um objetivo: entrar para o Femeeiros Club – um clube de conquistadores de beldades.
Mas por que é que estou fazendo uma sinopse do livro? Talvez seja para reforçar a excepcionalidade de um romance brasileiro que não demoniza os muito ricos, nem os usa como instrumento revolucionário. Um romance onde os ricos são só ricos ocupados com a ostentação discreta dos muito ricos. E em viver aventuras fúteis (mas quem sou eu para dizer que são fúteis, meu Deus?!) na companhia de outros ricos que são docemente ridículos não por serem ricos, e sim por serem humanos.
Um soco na boca do estômago
“Tá, mas e a tal da cosquinha no cérebro, onde é que entra?”, você me pergunta. Está em cada uma das 343 páginas de “Feérico Luar no Copacabana Palace”. E desta vez não estou sendo hiperbólico. Digo, talvez só um pouco, para não perder a prática. Mas insisto: a cosquinha no cérebro está em cada uma das páginas mesmo, em analogias e referências e metáforas que são como piscadelas intelectuais para os leitores inteligentes. Para você. Aqui um exemplo simples, dois pontos.
Imagine um personagem numa situação de medo. Qualquer autor contemporâneo, desses que têm mais troféus do que leitores, aproveitaria a oportunidade para fazer uma referência à fome ou, sei lá, ao ultraconservadorismo fascista. Ou à tortura na ditadura militar. O Alexandre não. O Alexandre o obriga a exercitar a imaginação, esse músculo atrofiado por décadas e décadas de propaganda ideológica que infesta a ficção. E eis que ele escreve: “Entrei com os olhos esgazeados, o rosto paralisado num rito de terror, como um menino de coral na Renascença sendo levado pela mão do pai ganancioso para ser castrado”.
Percebe? É sutil. É simples. É elegante. E de onde eu tirei essa frasezinha tem muito mais. Tem o saudosismo irônico do tempo em que o Brasil abrigava elegantes e sofisticados ladrões de joias. Tem os podres de rico se divertindo na Semana de Arte Moderna de 22. Aliás, tem o “Poema Hidráulico”, que só não reproduzo aqui porque é grande demais, mas dá vontade.
E é assim parágrafo após parágrafo, página após página. Você vai lendo e rindo de si para si. De vez em quando você lê em voz alta ou dobra a pontinha da página para mostrar este ou aquele trecho para a esposa. Aqui e ali você solta mentalmente um “Uau!”, “Caramba!”, “Não é possível!...” e outras expressões de um prazer intelectual genuíno. E por algumas boas horas se esquece de que à sua volta as pessoas estão brigando por ideologias financiadas por herdeiros cafonas, insuportavelmente cafonas nessa ambição adultinha de mudar o mundo. Que preguiça!...
Entende agora o que quero dizer com “cosquinha no cérebro” do leitor? Bom, quem não entende talvez seja um caso incurável de literatice crônica, doença que acomete uns 90% dos leitores que conheço, e cujo sintoma mais comum é a predileção por livros que são “um soco na boca do estômago do leitor” ou “um retrato em preto e branco da miséria brasileira” ou “uma crítica instigante ao racismo, machismo, consumismo – e à transfobia”. Se você é desses, a boa notícia é que a doença tem tratamento: dez páginas de “Feérico Luar no Copacabana Palace” por dia, ao longo de 34 dias. De nada.
Serviço
“Feérico Luar no Copacabana Palace” (Ed. Danúbio) já está disponível nas livrarias e no site da editora. Haverá lançamentos em São Paulo, no dia 6 de junho, na Livraria da Travessa da rua Pinheiros, e em Curitiba, no dia 13 de junho, nas Livrarias Curitiba do Shopping Barigui. Os dois a partir das 19 horas.
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS
Deixe sua opinião