“Vídeo mostra moradores de Candelária (RS) improvisando passarela de madeira na ponte que dá acesso à cidade”. É por meio dessa manchete que fico sabendo da iniciativa popular. E não sei se ando muito na defensiva e tal, mas... não lhe soa como uma denúncia a notícia? O “improvisando” parece gritar que a passarela é um perigo. O “de madeira” denota precariedade. O “vídeo mostra” parece que criminosos foram pegos em flagrante.
Aí assisto ao vídeo e o que vejo é bem simples de descrever: pessoas unidas em torno de um objetivo comum, o de instalar uma passarela onde antes havia uma ponte destruída pela enchente. É bonito perceber o esforço e a boa vontade de uma população que está resolvendo por si esse tipo de problema. E o mais importante: sem o auxílio do Estado.
Aliás, sobre o “auxílio” do Estado até brinquei dizendo que em breve surgiriam autoridades para perguntar se a passarela tinha alvará, se aquelas pessoas ali envolvidas no esforço de guerra (sim, de guerra!) tinham carteira assinada, se a madeira era certificada, se os impostos estavam sendo devidamente recolhidos, se estavam todos usando o EPI e, por fim, se estavam atentos à diversidade sexual e de raça entre os trabalhadores.
Porque, aqui de fora, a impressão que dá é mesmo essa: a de que o Estado, o governo, o poder público (chame como quiser), com suas exigências estapafúrdias em tempos normais, e mais estapafúrdias ainda em meio a uma catástrofe, com sua burocracia inútil, com sua tendência inata a criar dificuldades para vender facilidades, mais atrapalha do que ajuda.
O povo está confuso
O que estamos testemunhando em meio ao sofrimento dos gaúchos é uma revoluçãozinha discreta, a revolução da subsidiariedade. Palavrinha difícil de falar, mas fácil de entender, a subsidiariedade é a ideia de que os indivíduos e os pequenos grupos, de que a sociedade civil espontaneamente organizada é mais eficiente do que o Estado na hora de solucionar os problemas que os afligem. Como no caso da passarela.
Mais do que isso, a subsidiariedade substitui a ideia velha e carcomida de que o cidadão é um ser passivo, deitado em berço esplêndido e tal, que deve viver à espera das benesses do Estado. O ideal é que a subsidiariedade fosse fomentada aos poucos na sociedade, mas são estranhos os caminhos de Deus e o fato é que a enchente e o sofrimento por ela causado parecem ter funcionado como catalizadores do processo.
O que explica a reação virulenta do Estado, que saiu por aí gritando histericamente “fake news! fake news!” e acusando o homem comum de “abalar a credibilidade das instituições” por meio do, veja só!, trabalho voluntário de resgate e, em alguns casos, da reconstrução da infraestrutura perdida para a enchente. O Estado te quer escravo dele. E nem se dá ao trabalho de esconder.
Enquanto isso, o povo que atua na linha de frente do enfrentamento (sic) da tragédia está confuso. Afinal, o Papai Estado passou décadas e décadas prometendo que seria o provedor de todas as coisas boas. Quer dizer que agora o povo tem que ser “protagonista da própria história”? E mesmo pagando zilhões em impostos? Sim, tem que ser – e lutar contra a fome de imposto do Estado. O povo tem que assumir algumas responsabilidades que, por preguiça, por conveniência ou simplesmente por causa da doutrinação, ele terceirizou para o Estado. Só assim o Leviatã há de um dia voltar para a toca. Espero.
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