Caro leitor,
Estou apaixonado por uma publicação simples, ridiculamente simples, de Alan Jacobs. É nela que se baseia esta minha carta dirigida a todos, mas especialmente a você que diariamente entra no Twitter, no Facebook, no Instagram ou no TikTok, fica meia hora rodando por lá e sai meio aturdido e não raro com certo nojo de si mesmo e da Humanidade. Também sou assim. Ou era, como verão aqueles que chegarem ao fim da carta.
Pois bem. Todo mundo sabe que rede social faz mal. Faz mal para o bolso, faz mal para o coração, faz mal para o cérebro e faz mal sobretudo para a alma. Todo mundo sabe que aquilo é uma máquina de moer gente. Todo mundo sabe que as redes sociais são um grande e pernicioso instrumento de engenharia social. Todo mundo sabe elas despertam o que há de pior no ser humano.
Veja o meu caso, por exemplo. Acabei de ver (nas redes sociais, claro!) que um influencer qualquer gravou um vídeo para dizer que Ayrton Senna era medíocre. Acabrunhado que estava por não ter conseguido escrever nada sobre os 30 anos da morte do piloto, na hora me veio a ideia hiperbólica de falar que o Brasil começou a dar errado com a morte do Senna, justamente por causa de espíritos-de-porco como o sujeito que o chamou de medíocre.
Não seria um ataque ao influencer. Você me conhece. Eu aproveitaria o ensejo para dizer que Senna foi um personagem raro na história brasileira: um ídolo com fama de bom. Digo, não só bom no que fazia; bom no geral. Porque, tirando os pecados que nos tornam todos imperfeitos, Senna tinha isso de parecer uma pessoa boa. Novamente, não sei se era de fato. Mas ele exalava uma aura boa, entende? Pelo menos é assim que me lembro e não vou deixar nenhum espírito-de-porco tirar isso de mim.
Mas aqui é que está o catch. Para chamar a atenção ao meu texto francamente laudatório ao Senna, pensei em usar o título “Senna é medíocre”. Assim, entre aspas mesmo. Para pegar os desavisados, porque é da natureza perversa das redes sociais que haja algum tipo de conflito entre a realidade e a impressão rápida da realidade que é um tuíte ou um reels ou um ataque de pelanca em caixa alta no Facebook.
Faria sucesso? Talvez. Imaginei muita gente me xingando e, pior, muito pior! Imaginei meu sorrisinho arrogante de quem pensa: “Te peguei com meu título ixperrto, burrão!”. Entende agora porque as redes sociais são más, são péssimas, são um veneno para alma? Repetindo o que você provavelmente já sabe: a fim de nos fazermos notados (e amados) pela multidão, exibimos o que temos de pior. As redes sociais sabem disso.
De volta à publicação do Alan Jacobs, logo depois de constatar que as redes sociais fazem mal – e tudo mundo sabe disso –, ele pergunta por que simplesmente não abandonamos essas filiais do inferno. Eu, por exemplo, vivo dizendo que é “por causa do trabalho”. Minha mulher justifica dizendo que “precisa espairecer de vez em quando”. Enfim, cada um tem a sua desculpa. Mas aí é que está: todo mundo também sabe que nossas desculpas são esfarrapadas. Permanecemos voluntariamente daquele hospício porque queremos. Porque nos dá prazer.
Todo mundo sabe que as redes sociais fazem mal. Todo mundo sabe que tem um lado perverso a muito custo contido. Todo mundo sabe que as redes sociais fazer mal por exacerbarem esse nosso lado perverso. Então, diz Alan Jacobs, “nosso problema não é de conhecimento ou informação. Nosso problema é uma deficiência da vontade e uma má-formação do desejo. Santo Agostinho explicou isso há 1600 anos: ‘Minhas ações são determinadas pela minha vontade e minha vontade é motivada por aquilo que amo’”. Donde se concluí quase mecanicamente que talvez andemos amando as coisas erradas.
Ainda não consegui sair totalmente das redes sociais. Mesmo sabendo que elas são nocivas. “É por causa do trabalho”, insisto em dizer, mas agora pelo menos sei que é apenas uma desculpa. Mas aos poucos tenho diminuído o consumo e a produção de perversidade virtual. Com sorte, nos próximos meses cultivarei a vontade necessária para me convencer a agir naquilo que eu, você e todo mundo sabemos: as redes sociais fazem mal porque propõem saciar nossa sede de reconhecimento e identidade com o fel da nossa perversidade cotidiana.
Aquele abraço do
Paulo.
[Esta coluna é uma reprodução da carta que chega à caixa postal dos assinantes toda sexta-feira. Se você ainda não se inscreveu, lá em cima, logo depois do primeiro parágrafo, tem um campo para isso].
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