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Vegetarianismo avança na terra da salsicha

Salsichas vegetais têm invadido cardápios da Alemanha | ARQUIVO GAZETA DO POVO
Salsichas vegetais têm invadido cardápios da Alemanha (Foto: ARQUIVO GAZETA DO POVO)

A nação que inventou o salsichão e o cachorro-quente vem diminuindo o espaço da carne no prato para dar lugar a ingredientes vegetarianos. Os alemães consumiram no ano passado a menor quantidade de carne suína desde 2005, e o declínio continuará em 2017, segundo levantamento da consultoria Agrarmarkt Informations-Gesellschaft (AIG), da cidade de Bonn.

No país europeu que mais produz e consome suínos, a demanda por presunto e salsicha tem caído por três anos consecutivos. Os derivados da carne de porco ainda representam mais de metade de toda carne consumida pela principal economia do continente, mas estão perdendo mercado para o frango e o bife, além de enfrentar, nos restaurantes, a competição de um maior número de opções vegetarianas.

A mudança reflete uma inclinação dos alemães em favor de dietas mais saudáveis e da produção de alimentos sustentáveis, com menor impacto sobre o clima. Também há um grande número de refugiados que não come carne de porco.

“Apesar de ainda existir um enorme apetite por nossos pratos à base de carne suína, fizemos algumas adaptações no cardápio”, revela Christoph Wagemann, encarregado de compras do centenário espaço de cervejas Zum Schluessel, na região histórica de Dusseldorf, que agora serve o prato vegano “pimentão com soja”, além do tradicional menu de salsichões.

“Grupos maiores de turistas sempre têm alguns vegetarianos ou veganos”, aponta Wagemann. A carne suína conta com uma longa história na Alemanha, que se orgulha de possuir um museu dedicado apenas à “Currywurst” – salsichão do tempo da Guerra Fria, à base de carne e de ketchup. As salsichas são consumidas em mais de 1500 variedades regionais, a maioria delas feita de carne suína, segundo a associação que representa os frigoríficos do país. Dados do Euromonitor International apontam que o consumo total de carne de porco na Alemanha despencou 10% desde 2011, ficando hoje na faixa de 2 milhões de toneladas.

Durante o mesmo período, a demanda aumentou nos vizinhos Polônia, França e Áustria. Em média, cada alemão comeu 36,2 kg de carne suína no ano passado, bem abaixo dos 40,1 kg em 2011, sendo o menor volume desde que a AIG começou a levantar as informações.

Concorrência acirrada

O declínio foi tão acentuado que, em termos absolutos, é maior do que o aumento do consumo de frango e carne bovina. Ou seja, o consumo de carne na Alemanha, de maneira geral, diminuiu para 60 kg por habitante, por ano, o menor índice desde 2006.

Com os consumidores menos apaixonados pela carne suína, até tradicionais produtores de salsichas vêm oferecendo opções vegetarianas. A empresa Ruegenwalder Muehle, há 183 anos no mercado, produz atualmente empanados, presuntos e salsichas vegetais, e desenvolveu até uma receita de Leberwurst (salsicha de fígado) à base de proteína de ervilha.

Segundo a empresa familiar, que tem sede em Bad Zwischenahn, na Baixa Saxônia, considerada o coração da indústria de suínos na Alemanha, houve uma queda de 5% na venda de derivados de carne, no ano passado. Mas as vendas de produtos vegetais e veganos triplicaram, alcançando 26% das receitas totais. Até o final da década, os produtos não-cárneos devem responder por 40% do faturamento, segundo um porta-voz da empresa.

A indústria de alimentos também tem produzido mais refeições pré-preparadas à base de frango ou carne bovina, e às custas da carne suína, segundo Justin Sherrard, estrategista na área de proteína animal do Rabobank na cidade de Utrecht. De acordo com a União de Vegetarianos da Alemanha, atualmente um em cada dez alemães não come carne, contra a proporção de um para cem, há apenas uma década.

Ainda segundo a União de Vegetarianos, com sede em Berlim, mais de 200 livros de receitas veggies foram publicados na Alemanha no ano passado, quase o dobro do ano anterior. Pelos números do Euromonitor, o mercado germânico de substitutos da carne cresceu 25% em cinco anos. O status da carne suína foi abalado recentemente por escândalos relacionados ao bem-estar animal e à informação de que os produtores criam os animais em espaços confinados, de menos de um metro quadrado.

Segundo estatísticas do governo alemão, quase 60 milhões de suínos são abatidos anualmente no país, principalmente nas regiões da Baixa Saxônia e da Renânia do Norte-Vestfália. Aumentaram as preocupações com a carne processada depois que a Organização Mundial de Saúde classificou presunto, salsichas e outros embutidos como cancerígenos. “A carne suína tem má reputação na Alemanha”, afirmou, por telefone, Matthias Kohlmueller, gerente da área de carnes da consultoria AIG. “O consumo não aumenta”.

Neste cenário, questões ambientais também exercem um papel relevante. Os rebanhos respondem por 14% das emissões de gases de efeito estufa provocadas pela mão do homem, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Nina Wettern, porta-voz do Ministério do Meio Ambiente da Alemanha, disse que o órgão governamental não serve carne nem peixe em suas instalações, para “dar o bom exemplo de que a comida vegetariana é mais amiga do clima”. Outro fator importante sobre a demanda está na mudança demográfica e de hábitos alimentares decorrente da chegada de cerca de um milhão de refugiados. Muitos dos que ganharam asilo vêm de países islâmicos, como a Síria e o Afeganistão, onde já não comiam carne de porco por questões religiosas. Isso impulsionou as vendas de carne de ovinos e caprinos, que, em 2016 atingiram o auge dos últimos oito anos (dados do Euromonitor).

Um número maior de cantinas e escolas também removeu a carne suína do cardápio. Por outro lado, há esforços para responder às preocupações dos consumidores. O ministro da Agricultura da Alemanha, Christian Schmidt, propõe o estabelecimento de um selo de bem-estar animal, com categorias “gold” ou “premium”. Ele fez um apelo para que a carne suína retorne ao cardápio estudantil e nomeou uma comissão que proporá medidas que resultem em “uma alimentação balanceada nas creches e escolas”.

Enquanto isso, em Dusseldorf, Peter Zodrow comanda um restaurante vegetariano que vem bombando nos últimos anos. Quando abriu o negócio, há uma década, Zodrow servia cinquenta pessoas por dia e mal conseguia pagar as contas com suas sopas e curries de legumes. Hoje, o ativista de bem-estar animal serve 1000 pessoas por dia em quatro unidades espalhadas pela Renânia do Norte-Vestfália. Um dos clientes, Daniel Klager, de 32 anos, diz que frequenta o restaurante de Zodrow por razões ecológicas e de bem-estar animal. “Quero aliviar um pouco a pressão sobre as mudanças climáticas através de minhas escolhas de consumo”, afirmou, ao ser entrevistado no restaurante Sattgruen que, em português, significa “verde saturado”.

Tradução: Marcos Tosi

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