Um dia após as revelações da Operação Trapaça, que detectou fraudes em frigoríficos e laboratórios da BRF, a planta frigorífica de Carambeí estava em ‘clima de luto’. A unidade teve as exportações suspensas pelo Ministério da Agricultura, o que, aparentemente, atingiu em cheio a linha de produção com capacidade para abater 640 mil frangos. Praticamente toda a produção é voltada ao Oriente Médio.
Informações coletadas pessoalmente pelo Agronegócio Gazeta do Povo na cidade mostram que na manhã desta terça-feira (6) os abates de frango caíram para menos da metade. O discurso na empresa não estava muito afinado sobre as causas, apontando para alguma falha na infraestrutura.
“Foi um problema elétrico”, disse um funcionário. “Falaram que foi algo de empilhadeira. A tarde melhorou um pouco, mas está ficando tudo estocado”, contou outro. “Para mim é ‘migué’, foi por causa do que aconteceu ontem (segunda-feira) mesmo”, disse um colega.
A situação relatada vai ao encontro do que disseram alguns caminhoneiros. Um deles, disse que 30 viagens foram canceladas. “Geralmente ficam dez caminhões parados na espera. Hoje eles estão ‘para fora’ na garagem”, afirmou uma fonte. “Disseram também que [agentes do governo] viriam fiscalizar o trabalho, mas não veio ninguém”, contou outro funcionário. Em nota, nesta sexta-feira (9), a BRF afirmou à Gazeta do Povo que: “Na terça-feira (6/3), por um problema técnico, foram abatidos 67% da quantidade de frango que estava prevista. O problema foi resolvido, e a fábrica voltou a funcionar normalmente já no dia seguinte.”
Município depende da BRF
A crise que se formou na BRF pode, facilmente, tomar conta de Carambeí. A cidade emprega 1.700 pessoas. O município tem 22 mil habitantes. Claro, existem funcionários de cidades vizinhas. Estas também podem sofrer as consequências: são cerca de 570 produtores no sistema de integração.
Segundo levantamento da Secretaria de Finanças de Carambeí, a BRF é a maior contribuinte local, sendo responsável por R$ 6,5 milhões do ICMS de R$ 37 milhões destinado ao município. “Ainda estamos nos inteirando sobre a situação. A gente lamenta que empregados e integrados sofram. Como município, queremos que continue gerando renda e que fique aqui”, afirma o prefeito de Carambeí, Osmar Blum. “Se com a BRF a renda já está ruim, imagina sem ela”, destaca um produtor local.
A importância da BRF na cidade é histórica. Antes, quando ainda não havia acontecido a fusão entre Sadia e Perdigão (que gerou a BRF), a Cooperativa Central detinha a marca Batavo, que produzia laticínios e carne. Nos anos 90, a cooperativa passou a se chamar Batávia e vendeu a marca Batavo à Parmalat, em 1998. Dois anos depois, o Frigorífico da Batávia foi incorporado à Perdigão, que passou a ter controle total sobre a empresa em 2008. Em 2015, a divisão láctea passou às mãos do grupo Lactalis.
“O grande processo transformador da cidade parte da Cooperativa Central. Os funcionários diziam que ela era uma mãe”, afirma o historiador do Parque Histórico de Carambeí, Felipe Pedroso.
Salmonela é realidade entre produtores
Em entrevista coletiva concedida à imprensa na segunda-feira, o coordenador da operação, delegado Maurício Moscardi Grillo afirmou que laudos sobre a presença de salmonela spp. foram fraudados com ajuda de cinco laboratórios, todos particulares – sendo que três eram independentes e cadastrados junto ao Ministério da Agricultura (Mapa) e outros dois pertenciam à própria BRF. A empresa afirma seguir as normas exigidas, mas o fato é que diversos produtores da região vem enfrentado esse problema - eles próprios não sabem qual destino é dado à produção quando a bactéria é identificada: é uma incógnita se o frango vira ração ou carne.
Em linhas gerais, a produção funciona assim: a BRF cede os pintinhos e a ração e os produtores criam os animais até 30 dias em seus aviários. Durante a engorda, um técnico coleta amostras para identificar a presença da doença antes de os animais serem encaminhados ao frigorífico.
No aviário do casal Eliseu e Leoni Lara, as últimas três produções estavam com o problema. “Pode ser que os pintinhos estavam contaminados, mas fazemos tudo que a BRF indica”, suspeita o produtor, que admite desconhecer o porquê da contaminação. Ele afirma que o aviário passou dos 30 dias de vazio sanitário necessários para receber um novo carregamento para a engorda. O atraso está em uma semana, aproximadamente. Como a produção não tem sido capaz de sustentar a família, o produtor conta que foi obrigado a destinar um espaço para plantar hortaliças.
Em outra propriedade do município, um produtor que prefere não se identificar reclama da falta de transparência. “Fazem uma amostra de laboratório [para identificar salmonela] que a gente nunca vê, e também não sei o destino das aves contaminadas”, conta. Segundo ele, quando não estão contaminadas, a remuneração é de R$ 0,30 por cabeça, sem contar custos com luz, mão de obra e manutenção. “Se alguém fizer dívida está lascado”, conta.