Alberto Navarro Muñoz estava na fazenda há apenas duas semanas quando foi vítima de um dos desastres mais horríveis que podem acontecer a um trabalhador de granja leiteira. O trator tombou numa lagoa de estabilização de dejetos, fazendo Alberto afundar e desaparecer “numa substância pastosa semelhante a um líquido” – como descreveu o laudo policial sobre a morte, no sul do estado de Idaho.
Outro trabalhador migrante pulou na lagoa para tentar salvar Muñoz, mas disse às autoridades que “não havia nada que pudesse fazer”. O mexicano, cujo corpo foi resgatado mais tarde por bombeiros, morreu de asfixia traumática.
A morte de Alberto Muñoz na área rural do município de Shelley, em setembro de 2016, foi o segundo acidente fatal daquele ano por afogamento em tanques de fezes e urina bovina em propriedade leiteira. Um terceiro trabalhador mexicano morreu no mês passado, esmagado por uma pá carregadeira durante o trabalho de remoção de esterco.
As mortes repercutiram no setor leiteiro de Idaho assim como entre os imigrantes que fazem o grosso do trabalho para produzir 7 bilhões de litros de leite por ano nas megafazendas das pradarias do sul do estado.
A transformação de empreendimentos familiares em grandes negócios corporativos, envolvendo milhares de vacas e vasto maquinário, fez surgir novas preocupações com segurança.
Os índices de acidente de trabalho com trabalhadores rurais são bem mais altos do que com policiais e mais do que o dobro dos índices da construção civil, segundo estatísticas de 2015 (as mais recentes disponíveis).
Imigrantes inexperientes
As propriedades dependem cada vez mais do trabalho de imigrantes, que geralmente têm mínimo treino ou experiência para lidar com equipamentos perigosos e animais de grande porte. A situação deixa o trabalhador rural especialmente vulnerável ao risco de morrer esmagado pelo maquinário, por eletrocussão, coice de vaca ou ataque de touro.
Apesar de os índices de acidentes superarem em muito os de outros setores, a agroindústria leiteira recebe pouca atenção federal quanto aos requisitos de segurança. A legislação foi feita numa época em que as propriedades eram bem menores e familiares, e não foi atualizada para a realidade das grandes empresas.
Historicamente, o Departamento de Segurança e Saúde Ocupacional (OSHA) adota um comportamento burocrático, fazendo fiscalizações somente quando há relatos de acidentes graves ou mortes.
O departamento aplicou multas de US$ 5 mil às propriedades em que os trabalhadores morreram nas lagoas de estabilização. Granjas leiteiras com menos de 11 funcionários não são obrigadas a notificar esses acidentes.
Nas megafazendas leiteiras os trabalhadores têm de cuidar de animais de 700 kg que, em conjunto, produzem mais dejetos que toda uma cidade de tamanho médio. Isso cria uma subclasse de trabalhadores que passam horas e horas removendo excrementos, sem padrões mínimos de segurança.
Mais de 40 mortes
Em 2015 foram registrados 6.700 acidentes em granjas leiteiras com mais de 11 empregados – um índice que é mais que o dobro da média de outras indústrias. Naquelas propriedades, 43 trabalhadores morreram.
“Os trabalhadores estão extremamente preocupados e há um consenso de que o governo e os empregadores não estão fazendo o bastante para garantir a segurança preventiva”, diz Benjamin Reed, que comanda um programa de rádio em espanhol dirigido aos trabalhadores de Idaho. “Algumas dessas propriedades são imundas, nojentas e cheias de moscas atraídas por essas lagoas de fezes e urina”, diz Reed.
Em Idaho, dirigentes do setor lácteo correm para implantar novos protocolos estaduais de treinamento voltados, em grande parte, a trabalhadores que falam espanhol. Cerca de 90% dos 8100 empregados do setor leiteiro no estado nasceram fora dos Estados Unidos. Em todo o país, mais de metade dos 150 mil trabalhadores são imigrantes, segundo a Federação Nacional dos Produtores de Leite.
“Não vamos negar o fato de que essas fatalidades nos alertam de que precisamos ser mais firmes nos treinamentos de segurança”, afirma Rick Naerebout, diretor da Associação dos Produtores de Leite de Idaho. “Muitos dos atuais empregados não cresceram perto de nossa indústria, seja nos Estados Unidos ou no México, e não têm a mesma experiência de trabalhadores antigos para lidar com animais e maquinários”.
A Associação dos Produtores de Leite de Idaho destinou US$ 250 mil para treinar a força de trabalho. O primeiro treinamento foi no início deste mês, quando a empresa Westpoint Farms usou iPads para ensinar aos empregados, em espanhol, as melhores práticas para lidar com os animais e os riscos à segurança.
O produtor Tony Vander Hulst conta, em média, com 65 trabalhadores para garantir que seu rebanho de 5500 vagas holandesas seja alimentado e ordenhado duas vezes por dia, de forma a atingir a produção diária de 230 mil litros de leite – o suficiente para encher seis caminhões-tanque.
Lagoas verdes
Mas uma grande parte do trabalho na propriedade envolve lidar com os dejetos dos animais. Inúmeras vezes ao dia, caminhões dotados de equipamentos de sucção fazem a coleta dos resíduos. Os sólidos são empilhados para secar e virar fertilizante. A parte líquida remanescente vai para uma lagoa mau cheirosa, com 6 hectares de área e 3 metros de profundidade.
Os produtores chamam esses depósitos de “lagoas verdes” e, na propriedade de Tony Vander Hulst, gaivotas e grous estão sempre por perto, se fartando com as proteínas.
As lagoas são um perigo constante para os trabalhadores, que precisam realizar várias tarefas ao seu redor.
Em outra propriedade, em fevereiro de 2016, Ruperto Vazquez-Carrera, de 37 anos, morreu após cair com um trator numa dessas lagoas no condado de Twin Falls, segundo inquérito policial do município de Jerônimo. A neve derretida inundou a lagoa, fazendo sumir os limites entre a estrada e o tanque de dejetos.
Apesar de ainda serem relativamente raros, acidentes semelhantes têm sido registrados de um lado ao outro do país. Em alguns casos, várias pessoas acabam morrendo ao tentar salvar outros.
Cinco pessoas, quatro da mesma família, morreram em um tanque de dejetos em 2007 no condado de Rockingham, na Virginia. Todos perderam consciência pela inalação do gás metano.
“O afogamento não acontece por que as pessoas não sabem nadar”, diz Jessica Culpepper, advogada do escritório Public Justice, que atua na defesa de trabalhadores e consumidores. “Na verdade, chega um ponto em que o gás é tão nocivo que faz as pessoas desmaiarem”.
Para Indira Trejo, representante da União dos Trabalhadores Rurais, o perigo das lagoas de dejetos é apenas uma das ameaças enfrentadas pelos trabalhadores de granjas leiteiras de Idaho. Segundo Indira, são inúmeras as reclamações de funcionários por jornadas extenuantes, sem acesso a banheiros e treinamento adequado.
“Tudo o que eles querem é nossa mão de obra, ninguém está nem aí se somos treinados ou não”, disse um trabalhador, que pediu para não ser identificado por medo de represálias do patrão.
“Sabemos que no momento que você cai na lagoa, é o fim”, concluiu.
Falta de fiscalização
Em 2012, a OSHA lançou fiscalizações de surpresa e fez uma rígida revisão das licenças para granjas leiteiras em Wisconsin. Dois anos depois, um esforço semelhante foi feito em Nova York.
Mas os donos das granjas dizem que pouca coisa mudou.
“Essas fiscalizações nem aparecem em nosso radar”, relata John Holevoet, diretor de assuntos governamentais na Associação da Indústria do Leite de Wisconsin. “As visitas nunca foram muito frequentes, e agora praticamente sumiram. Não acho que houve qualquer fiscalização nos últimos seis ou nove meses”.
Quando questionada sobre como pretende monitorar as condições de trabalho nas propriedades, a OSHA respondeu por escrito: “Dedicamo-nos a garantir o cumprimento das leis de segurança e saúde que se aplicam às operações agrícolas. Quando uma fatalidade ou acidente acontecem, ou quando a OSHA recebe denúncia ou reclamação, conduzimos inspeções rigorosas e adotamos as medidas necessárias”.
William Field, professor de engenharia agrícola na Purdue University, diz que os produtores têm motivos para ficar ressabiados quando se fala em fiscalização do governo. Nos últimos anos, muitos foram pressionados pelos órgãos reguladores e pelos próprios consumidores, por causa de polêmicas relacionadas a transgênicos, aplicação de agroquímicos e lixiviação dos nutrientes.
“A OSHA é quase uma inimiga dos negócios, então, obviamente ela não é bem-vinda”, diz Field, que se dedica ao estudo dos desafios representados pelas lagoas de dejetos e armazéns graneleiros. “O clima é tão hostil entre a OSHA e os empresários, que sobra pouco espaço para qualquer colaboração”, conclui.
A advogada Jessica Culpepper, do escritório Public Justice, diz que a OSHA e outros órgãos reguladores federais deveriam tratar as megafazendas de lácteos como qualquer outra indústria poluente. Ela observa que um estudo de 2004 da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos estima que 2500 vacas produzem o mesmo esgoto de uma cidade de 411 mil habitantes.
“É só lembrar como uma fábrica de carvão ou de tinta tem de lidar com seus efluentes”, afirma Jessica. “Quanto antes começarmos a tratar as granjas leiteiras quase como uma indústria poluidora, mais segurança poderemos proporcionar às pessoas”.
Se houver mesmo aumento da regulação governamental, os produtores de leite de Idaho e seus lobistas dizem que vão trabalhar de perto com os legisladores, para limitar o impacto financeiro em uma indústria que já sofre com a flutuação de preços do leite e com maquinários caros.
“A OSHA surgirá como algo completamente novo para eles”, diz Bob Naerebout, pai de Rick e diretor executivo da Associação dos Produtores de Leite de Idaho. “É o medo do desconhecido, e é por isso que queremos deixar todos preparados”.
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