Foi a partir dos números que o homem passou a entender melhor o mundo. E é neles, também, que pode estar a chave para resolver a aparente dicotomia entre preservação ambiental e segurança alimentar. Até 2050, a população mundial vai aumentar quase 30% e a demanda por carne deve dobrar, segundo a ONU, o que liga o alerta para os riscos do efeito estufa. A pecuária ainda é vista, muitas vezes, como a vilã do aquecimento global.
Matemático por formação, foi no agronegócio que o pesquisador Rafael de Oliveira Silva conseguiu unir o gosto pelos números às reflexões que o deixavam inquieto. “A matemática se aplica a todas as áreas do conhecimento, mas os problemas ambientais associados à produção de alimentos chamavam muito a minha atenção”, afirma.
Rafael, que tem 34 anos, está há três na Escócia, onde faz o doutorado. Neste período, desenvolveu uma pesquisa inovadora sobre a produção de carne e o efeito estufa. Em entrevista exclusiva ao Agronegócio Gazeta do Povo, ele explicou como a ciência está mudando a cara da pecuária.
Como foi esse trabalho de pesquisa?
Rafael Silva: Usamos a inovadora “Avaliação de Ciclo Vida Consequencial”. Todas as emissões de gases do efeito estufa foram consideradas: dos animais até os combustíveis utilizados pelo transporte na fazenda. Já o termo “consequencial” significa que a nossa metodologia é capaz de estimar os efeitos da demanda nas emissões por quilograma de carne, por meio de um detalhado modelo matemático. O grande diferencial é estimar a variação no sequestro de carbono pelas pastagens em função do manejo. Esse sequestro nada mais é do que o acúmulo de material orgânico (carbono) no solo, não acessível, portanto, aos animais.
É possível produzir mais carne sem desmatar ou aquecer o planeta?
RS: É possível produzir muito mais sem desmatar. O fato é que a produtividade atual está muito abaixo da capacidade. Outros estudos nossos mostram que sistemas mais intensivos são mais lucrativos que os extensivos, em que as pastagens são raramente manejadas. Obviamente, aumentar a produção aumenta também o rebanho e as emissões de metano, que é o grande vilão (ele responde por até 90% da pegada de carbono de carne bovina no Brasil). A chave pra entender o nosso resultado é que este aumento é compensado pelo ganho em sequestro de carbono no solo. E embora exista a má fama da pecuária, dados empíricos (ONU/FAO e IBGE, por exemplo) mostram que as áreas de pastagem no Brasil não aumentam desde 2005, ao mesmo tempo em que a demanda cresce. Isso deve a ganhos em produtividade nos últimos anos.
De que modo a demanda pode atuar no meio ambiente?
RS: É preciso deixar claro que não estamos propondo o aumento da demanda como uma política pública para mitigar o aquecimento global. Influenciar as pessoas a comer mais ou menos carne não é realista em muitos lugares e não existem evidências de que isso tenha funcionado em qualquer lugar do mundo. A demanda só é benéfica em algumas condições, ela não pode impulsionar a abertura de novas áreas e, no caso de sistemas baseados em pastagens (no Brasil, 90% dos animais só comem no pasto até o abate), a maneira de intensificar é recuperando pastos degradados, o que aumenta o sequestro de carbono. Ou seja, a demanda serve como incentivo à recuperação de pastagens.
Quão eficiente a recuperação de pastagens pode ser em relação a outras tecnologias?
RS: No caso do Brasil, é a tecnologia mais promissora e com melhor custo benefício para redução do efeito estufa na pecuária. Existem outras, como a terminação em confinamento e a suplementação, que reduzem o tempo de abate. O cenário ideal é uma combinação entre elas. Num estudo que publicamos em 2014, mostramos que a recuperação de pastagens aliada à suplementação proteica e energética reduzia emissões e aumentava a lucratividade.