Entrevistar De Sordi não estava no roteiro quando Albari Rosa e eu partimos para o Norte Pioneiro, em janeiro. Bandeirantes, sim. A missão era falar com Serafim Meneghel. E foi no caminho entre o estádio Comendador Meneghel e a fazenda de Serafim que resolvemos arriscar uma ida até a Fazenda Paraguai, onde morava Nilton De Sordi. A única informação disponível era de que De Sordi estava doente e com dificuldade de falar.
Logo na chegada, fomos recebidos por Nilton De Sordi Neto. Enquanto o avô fazia fisioterapia, Neto nos contou histórias do campeão mundial, falou das atividades da fazenda e manteve um longo papo sobre agronegócio com o Albari, acostumado a cobrir pautas e mais pautas sobre os negócios do campo.
Após uma hora de boa conversa, De Sordi chegou lentamente com o apoio de seu andador e da fisioterapeuta, Fernanda. Respondeu pacientemente a todas as perguntas, posou para foto, brilhou os olhos ao lembrar da seleção de 58 e ao falar de Lucas. Rendeu uma boa matéria para a série Norte Pioneiro: o futebol em agonia. Provavelmente a última entrevista de De Sordi, 14 de janeiro de 2013. As fotos do Albari certamente são as últimas feitas dele, morto no sábado à noite, por algum veículo de imprensa. Detalhes minúsculos perto daquele homem que, como bem definiu Serafim Meneghel, subia mais que Leônidas da Silva e Baltazar, o Cabecinha de Ouro. Obrigado, De Sordi!
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Abaixo, a matéria que eu escrevi sobre De Sordi.
A conversa na varanda fica mais animada quando um dos netos solta a provocação:
– Vô, aquele time era tão bom assim mesmo?
A resposta vem com a paciência de um papo familiar e a firmeza que o assunto exige:
– Sim.
A plateia não se satisfaz:
– Mas todo mundo? Não tinha ninguém que jogasse um pouco menos?
A negativa é imediata, o que leva à última tentativa:
– Nem o Zagallo, vô?
– O Zagallo era um pouco inferior, admite o vô, para o deleite dos netos.
O vô é Nilton De Sordi e “aquele time”, a seleção brasileira de 1958. De Sordi era o lateral-direito na primeira Copa do Mundo vencida pelo país. Não adianta, contudo, procurá-lo na histórica foto do time perfilado para a decisão com a Suécia. De Sordi jogou todas as partidas, exceto a final. Uma contusão muscular na semifinal contra a França o tirou do duelo do título e permitiu a Djalma Santos entrar para a eternidade.
A menos de um mês de completar 82 anos, De Sordi ainda traz no corpo marcas da campanha na Suécia. A musculatura anterior da coxa esquerda, aquela que o tirou da final, contrai de maneira diferente; a virilha dói no momento de alongar as pernas; um caroço na clavícula lembra o local exato da cotovelada que levou em uma disputa com o goleiro francês Claude Abbes. Nenhuma, porém, supera a doce lembrança do título.
“Como foi campeão, a lembrança sempre é boa”, conta, antes de comparar os mais ilustres companheiros de 58. “O Garrincha era mais espetáculo, gingava pra lá e pra cá, não dava para saber o que ele ia fazer. O Pelé era mais sério, preciso”, diz De Sordi, sentado na varanda da casa onde mora, em uma fazenda na zona rural de Bandeirantes.
A propriedade pertence a seu filho, Nilton de Sordi Júnior, prefeito de Bandeirantes entre 2001 e 2004. São 98 alqueires de terra, 72 dedicados ao cultivo de soja. Também há cinco tanques para criação de peixe, vazios há quase dez anos, quando o governo estadual mudou o programa de repovoamento de rios. A grande aposta é na produção em estufa de tomate dominador, que a fazenda fornece a duas redes de fast-food em Curitiba.
O campeão mundial mora com o filho há dois anos, quando deixou a paraibana João Pessoa a pedido da família. Há 20 anos De Sordi sofre de mal de Parkinson e a combinação longa distância-idade avançada dificultava o tratamento. Em Bandeirantes, ele é submetido a três sessões semanais de fisioterapia, para combater a rigidez muscular característica da doença.
A cidade é uma espécie de segunda casa. Em meados dos anos 60, após 16 anos de São Paulo, convenceu o clube paulista a liberá-lo para o União Bandeirante. Era a chance de morar na cidade da mulher, Cecília, e trabalhar no clube dirigido pelo concunhado Serafim Meneghel. Jogou um ano no União. “Na estreia dele, tomamos 4 a 0 do Arapongas”, diverte-se Serafim.
O concunhado ilustre ainda voltou ao São Paulo para encerrar a carreira, antes de fixar-se em Bandeirantes. Treinou o União por 15 anos. Inclusive o União mais forte da história, o vice-campeão estadual de 1971, time de Pescuma, Geraldo Roncatto, Tião Macalé, Nondas e a dupla caipira Paquito-Tião Abatiá.
“O time pegava firme. O Pescuma derrubava e o Geraldo pisava no cara. O Geraldo derrubava e o Pescuma pisava”, relembra o radialista Mauro Briganti, da Rádio Cabiúna, de Bandeirantes. “Era difícil ganhar da gente aqui e fora também”, confirma De Sordi, sorriso orgulhoso em contraste com a voz quase inaudível.
“Esse mundo é ingrato. Saber que aquele hominho subia mais que o Diamante [Negro, Leônidas da Silva], que o Cabecinha de Ouro [Baltazar], um tanto assim, hoje está numa cadeira de rodas”, lamenta Serafim.
De Sordi se encontra com o futebol do passado e o do presente cada vez que entra na sala de televisão da fazenda. Nas paredes, fotos dos tempos de seleção, São Paulo, União, XV de Piracicaba e Laranja Mecânica, time amador de Bandeirantes do início dos anos 70. Pela tela, acompanha com afinco o futebol de hoje em dia, especialmente do seu São Paulo.
“O Lucas é muito bom. É rápido e forte, toma pancada e não cai. Pena que foi embora”, diz sobre seu jogador preferido, com o encanto de quem faz questão de guardar só as boas lembranças do futebol.
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O André Pugliesi garimpou a foto abaixo nos arquivos de O Estado do Paraná. Um registro de janeiro de 1970, no então Estádio Belfort Duarte: Filpo Nuñez, técnico do Coritiba na época, Serafim Meneghel e Nilton De Sordi, que treinava o União Bandeirante.
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