Queda nas receitas, aumento de demanda dos serviços prestados à população e alta da folha de pagamentos deixam muitas cidades do país em situação de colapso. Prefeitos pedem R$ 4 bilhões a Temer, mas ganham apenas metade
A crise que assola o governo federal e os estados há três anos é mais antiga na maioria dos municípios brasileiros. Mesmo antes da derrocada das contas da União e dos governos estaduais, muitas prefeituras já conviviam com dificuldades para atender as demandas sociais e cobrir a folha de pagamento do funcionalismo. A queda na arrecadação de tributos municipais e das transferências constitucionais agravou ainda mais a situação e, hoje, uma parte expressiva das cidades chegou ao limite. Sem recursos até mesmo para pagar o décimo terceiro salário dos seus servidores, há prefeito que alardeia para breve um colapso nos serviços públicos
Para tentar uma solução de emergência, gestores municipais de todas as regiões do país se uniram em torno da campanha “Não deixem os municípios afundarem”. Na última terça-feira (21), prefeitos de todas as regiões do país começaram uma maratona em Brasília em busca de socorro.
A primeira porta procurada foi a do Congresso Nacional. Na Câmara dos Deputados, líderes de diversas entidades representativas das prefeituras, como a Confederação Nacional de Municípios (CNM) e a Associação Brasileira de Municípios (ABM), cobraram medidas para “corrigir falhas em relação à distribuição de responsabilidades e direitos” atribuídos aos municípios. Depois foram ao Senado, onde repetiram as reivindicações.
“A questão mais séria de todas é a atualização dos programas federais. Têm 390 programas criados no Brasil, esse é o problema. É neles que estão a situação caótica das prefeituras. Na época que foi criado, há 15 anos, o governo não pagava nem 30% dos gastos e esse valor nunca foi atualizado. O que está quebrando os municípios são estes programas, temos que atualizar esses valores”, discursou na Câmara o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski.
“A questão mais séria de todas é a atualização dos programas federais. Têm 390 programas criados no Brasil, esse é o problema. É neles que estão a situação caótica das prefeituras.”
Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
Na quarta-feira (22) aconteceu o encontro mais esperado, no Palácio do Planalto. Ao presidente Michel Temer apresentaram o pedido considerado decisivo para evitar a tragédia: a liberação imediata de uma ajuda de R$ 4 bilhões.
Depois de ouvir os prefeitos, Temer determinou que seja repassado Auxílio Financeiro ao Municípios (AFM) de R$ 2 bilhões aos municípios brasileiros, até dezembro, por meio do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
“É metade do que queríamos, mas temos a projeção de receber no mínimo mais R$ 2 bilhões na próxima Marcha dos Municípios, em maio. O dinheiro que será repassado agora vai ajudar a suportar a carga pesada financeira que estamos carregando”, disse o presidente da Associação dos Municípios do Paraná (AMP) e 2º vice-presidente da CNM, Marcel Micheletto, prefeito de Assis Chateubriand.
Principais problemas
No documento levado a Brasília, os prefeitos apontam algumas das principais causas da crise. Os problemas vão desde a queda nas previsões de repasses do Fundo de Participação dos Municípios, passando pelo crescimento da folha de pagamento do funcionalismo até cortes de investimentos da União, paralisação de obras federais, e principalmente, a diferença entre o que é repassado para cobrir serviços de educação e saúde e o que realmente é gasto pelos municípios.
No documento, as prefeituras dizem que os Restos a Pagar (RAP) destinados aos municípios somavam no Orçamento da União de 2017 um total de R$ 31,5 bilhões, mas que até agora foram pagos apenas R$ 4,3 bilhões. O restante chega a R$ 27,1 bilhões.
O atraso nos pagamentos, segundo os prefeitos, provocou uma paralisação generalizada nas obras. Levantamento da CNM mostra que 8.239 obras iniciadas estão totalmente paralisadas e 11.252 que deveriam estar em andamento nem sequer foram começadas. São construção de moradias, de praças, quadras de esporte, espaços esportivos, recuperação e pavimentação de vias e unidades de atenção especializada em saúde, entre outras.
Mas o centro da crise, de acordo com os prefeitos, são os programas federais com atribuições para os municípios sem repasse do montante do valor necessário para executá-los. Atualmente são 392 programas dessa natureza, grande parte criada para atender demandas sociais da população.
Como exemplo, a CNM cita o Núcleo de Apoio à Saúde da Família, programa que recebe incentivo federal de R$ 6 mil a 20 mil mensais. As prefeituras afirmam que esse programa tem custo mensal superior a R$ 40 mil mensais e a diferença tem de ser bancada pelos cofres municipais. O exemplo se repete com outros programas, como Merenda Escolar e Transporte Escolar.
Outro ponto nevrálgico são os precatórios (valores que o poder público deve a cidadãos). Por determinação do STF em 2015, todos os municípios estão sendo chamados aos tribunais de justiça para parcelarem estes débitos em quatro anos com o sequestro nas contas do município dos valores correspondentes. Segundo a CNM, prefeituras não previram em seus orçamentos recursos para o pagamento destes precatórios. Até 2016, os municípios deviam mais de R$ 38,8 bilhões em precatórios.
“A solução só virá com crescimento da economia do país. Os municípios de grande porte ainda têm arrecadação própria, mas cidades pequenas não têm como aumentar arrecadação.”
François Bremaeker, do Observatório de Informações Municipais.
Desemprego pressiona serviços prestados pelas prefeituras
A combinação de queda nas receitas e aumento da demanda por serviços públicos é o que levou muitas prefeituras à situação de afogamento. Para gestores e especialistas, esse quadro se agravou com o desemprego, que faz com que as pessoas sejam obrigadas a buscar serviços como saúde e educação.
“Muitas pessoas que tinham plano de saúde e estavam com os filhos em escola privada, ao perder o emprego tiveram que recorrer ao SUS e ao ensino público. Isso provocou aumento da demanda dos serviços prestados pelos municípios, sem que as receitas repassadas pelo governo federal fossem aumentadas”, diz o presidente da Associação Brasileira de Municípios (ABM), Eduardo Tadeu Pereira.
“Muitas pessoas que tinham plano de saúde e estavam com os filhos em escola privada, ao perder o emprego tiveram que recorrer ao SUS e ao ensino público. Isso provocou aumento da demanda dos serviços prestados pelos municípios.”
Eduardo Tadeu Pereira, presidente da Associação Brasileira dos Municípios (ABM)
O consultor François Bremaeker, do Observatório de Informações Municipais, concorda com essa avaliação. “Na área de saúde, mais de um milhão de pessoas deixaram de ter plano privado nos últimos dois anos. Essas pessoas recorrem à área pública, e são os municípios que sustentam isso tudo através do SUS”, diz.
Para Eduardo Pereira, além desse aumento de demanda por serviços, há o crescimento vegetativo da folha de pagamento dos funcionários. “Com a crise, as prefeituras não contrataram mais, muitas até enxugaram seus quadros, mas a folha de pagamento cresce por que há progressão nas carreiras do funcionalismo. Os servidores têm direito à correção salarial e aumento de remuneração conforme o plano de cargos e salários”, explica.
Um levantamento feito pelos municípios mostra que durante o período de bonança as prefeituras aumentaram seus quadros de funcionários, que saltaram de cerca de 4,5 milhões de servidores em 2005 para mais de 6 milhões em 2013, mas desde 2014 – ano do início da crise – não houve mais contratações.
“A área de saúde é a que mais sofre”, diz, ao acrescentar que esse dinheiro é apenas uma solução paliativa. “A solução só virá com crescimento da economia do país. Os municípios de grande porte ainda têm arrecadação própria, mas cidades pequenas não têm como aumentar arrecadação”, observa. (CM)
Prefeitos comemoram derrubada de veto de Temer
Se, por um lado, só conseguiram R$ 2 bilhões dos R$ 4 bilhões que pediram ao governo federal, por outro, os prefeitos comemoraram o que consideraram uma vitória importante no Congresso Nacional. Após uma luta mais de 15 anos, os municípios conseguiram garantir a aprovação do Encontro de Contas, que permitirá às prefeituras saberem o valor total de suas dívidas previdenciárias.
Isso só foi possível graças à derrubada de um veto do presidente Michel Temer. A Medida Provisória (MP) 778/2017, que estabeleceu o parcelamento da dívida previdenciária, foi aprovada primeiramente na Câmara. Lá, por meio de uma emenda proposta pelo deputado Herculano Passos (PSD-SP), em forma de destaque, foi incluído no texto o chamado Encontro de Contas. Em seguida, o Senado aprovou o texto da forma que o recebeu da Câmara. No entanto, quando chegou para sanção do Palácio do Planalto, os artigos 11 e 12, relativos à medida, foram vetados por Temer.
Com a derrubada do veto de Temer pelo Congresso, o valor devido dependerá do resultado final entre créditos e débitos que os municípios possuem com a União. Com isso, as parcelas a serem pagas sujeitam-se ao saldo final do encontro entre os débitos dos municípios e a Previdência Social.