O ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo, preso nesta quinta-feira (23) na deflagração da Operação Custo Brasil, sabia que a Consist seria contratada mediante pagamento de propina, segundo um dos investigadores do caso. Em entrevista exclusiva ao blog, o procurador do Ministério Público Federal (MPF) Andrey Borges de Mendonça falou sobre as investigações e o envolvimento do ex-ministro. “O ministro Paulo Bernardo não só estava a par desse acordo de cooperação técnica, ele também pôs pessoas em cargos estratégicos e ele tinha consciência de que a Consist seria a empresa escolhida mediante pagamento de propina”, disse Mendonça.
A Polícia Federal cumpriu nessa quinta-feira (23) 65 mandados de busca e apreensão em cinco estados. A sede nacional do PT foi alvo de buscas, assim como endereços em Londrina – base eleitoral do ex-ministro. A casa onde o ex-ministro mora com a senadora Gleisi Hoffmann (PT), em Curitiba, também foi alvo de buscas pela manhã.
Segundo os investigadores, o Ministério do Planejamento direcionou a contratação da Consist, empresa de prestação de serviços de tecnologia e informática, para a gestão do crédito consignado na folha de pagamento de funcionários públicos federais com bancos privados. Também foi verificado que 70% dos valores recebidos por essa empresa eram repassados a pessoas ligadas a funcionários públicos ou agentes públicos com influência no ministério por meio de outros contratos – fictícios ou simulados.
Confira a entrevista:
As investigações que deram origem a Operação Custo Brasil apontam cerca de R$ 100 milhões desviados no esquema da Consist. Quem recebeu esse dinheiro?
São vários parceiros. Os próprios envolvidos se mencionavam uns aos outros como parceiros. Esses parceiros são pessoas que supostamente prestavam serviços para a Consist, mas era na verdade uma forma de receber os valores e repassar aos agentes públicos e políticos envolvidos. Há vários parceiros e esses parceiros vão se alterando ao longo do tempo. O próprio Partido dos Trabalhadores é um dos destinatários deste valor, o próprio ministro Paulo Bernardo, há diversos agentes públicos que são destinatários desse valor, de primeiro e de segundo escalão no Ministério do Planejamento. Há um grande número de parceiros, é difícil individualizar todos. Há um grande número de parceiros que atuavam na distribuição de valores e havia agentes públicos que recebiam esse valor na ponta.
Há indícios de que o ex-ministro Paulo Bernardo teria beneficiado a Consist na obtenção do contrato?
Ele era o ministro do Planejamento na época. Houve um acordo de cooperação técnica entre o Ministério do Planejamento e as entidades financeiras. Esse acordo permitiu que a Consist fosse contratada. O ministro Paulo Bernardo não só estava a par desse acordo de cooperação técnica, ele também pôs pessoas em cargos estratégicos e ele tinha consciência de que a Consist seria a empresa escolhida mediante pagamento de propina. Essas são as evidências que nós temos até o momento, de que depois ele efetivamente se beneficiou de valores desse esquema, seja mediante pagamento de contas, seja pagamento de despesas pessoais, multas eleitorais, honorários advocatícios, entre outros.
De acordo com as informações repassadas na coletiva de imprensa, o escritório do advogado Guilherme Gonçalves teria recebido R$ 7 milhões entre 2009 e 2015. Como esse dinheiro foi dividido?
Segundo as evidências que nós temos era 20% para o Guilherme Gonçalves, que ele cobrava para operacionalizar esses pagamentos e o restante seria passado para o senhor Paulo Bernardo. O que a gente tem de elementos que podemos afirmar com maior convicção é a questão do pagamento de contas, mas a gente ainda está apurando outras formas de pagamentos.
Há indícios de que o PT tenha recebido parte do dinheiro? Quanto?
De valores ainda não saberia informar com maior precisão, mas temos que havia recebimentos inclusive por meio de indicação de empresas que recebiam da Consist a pedido do partido.
A deflagração é consequência da delação do empresário Alexandre Romano. Além do esquema da Consist, há outras frentes de investigação abertas a partir dos depoimentos?
Na verdade, a colaboração foi o primeiro passo – é importante deixar claro isso – para essas outras provas que comprovam e vão além da colaboração. A operação é o primeiro passo, não dá para dizer claramente quais serão os próximos passos, mas esse foi o primeiro passo de uma investigação.
O senhor mandou um recado na coletiva de imprensa de hoje, dizendo que as investigações continuarão onde quer que estejam. Mas a força-tarefa de Curitiba chegou a reclamar no final do ano passado da demora nas investigações. Por que a deflagração demorou tanto tempo?
Há um lapso normal para quando se começa uma investigação do zero, de tomar conhecimento das investigações. Havia mais de 80 mil documentos para serem analisados, e-mails, um farto material que não havia sido ainda analisado, há necessidade de aproximação das instituições. Na verdade tiveram várias diligências que foram feitas, mas foram feitas de uma maneira não pública. Houve várias diligências, afastamento de sigilos, e essas medidas foram tomadas nesse período. Embora exteriormente pareça que não tenha sido tomado diligências, esse prazo foi um prazo em que foi se levantando evidências para confirmar o que já existia.
Na verdade não ficou parado, mas mostra que há uma dificuldade sempre que você muda um juízo. Quando esse juízo não conhece os fatos é natural que ele, até conhecer todos os fatos, tenha uma dificuldade para dar o primeiro passo e iniciar. Essa é a dificuldade quando há o desdobramento. O que se conseguiu chegar ao resultado hoje, o material que se conseguiu foi bastante forte, as evidências bastante fortes. Então ele [processo] não ficou parado, houve várias diligências nesse meio tempo. Até para a execução de uma operação como essa demora bastante tempo, pela quantidade de pessoas que foram envolvidas pela investigações.
Em Curitiba há uma força-tarefa da Lava Jato, que já está estruturada há dois anos. Como está essa organização em São Paulo entre Polícia Federal, Ministério Público e Receita Federal?
Aqui há um grupo de trabalho de procuradores responsáveis pelo caso, eu sou um deles, mas tem outros três procuradores, a polícia tem uma equipe, embora muito menor se comparada a operação Lava Jato, tem uma equipe que está com dedicação exclusiva para esse caso. A Receita tem uma aproximação bastante grande. O que está se tentando é seguir esse modelo da Operação Lava Jato de designação de colegas com exclusividade para poder se dedicar mais ao trabalho. O mais importante dessa operação foi essa sincronia, essa sintonia entre as instituições, que foi fundamental.
Parte das investigações sobre a Consist está no STF, envolvendo a senadora Gleisi Hoffmann (PT). Como foi possível separar essas investigações, sendo que ela é esposa do ex-ministro Paulo Bernardo, investigado em São Paulo?
Isso é uma decisão do Supremo. O Supremo decidiu que somente ia investigar a senadora. Todos os demais investigados que não têm foro são aqui em São Paulo. Nós estamos investigando todos aqueles que não têm foro.
Se ficar comprovado algum pagamento à senadora, as provas serão compartilhadas com o STF?
Aqui não podemos investiga-la, então o máximo que podemos fazer é enviar as provas para o Supremo que eventualmente sejam encontradas, nos chamados encontros fortuitos, que você encontra casualmente. Mas é importante deixar claro que ela não é objeto da nossa investigação.
Por que a operação foi batizada de Custo Brasil?
O que se apurou é que 70% do valor que a Consist recebia pelos serviços dela era desviado para essa engrenagem política. Significa que o preço da prestação de serviços da Consist que ao final quem pagava eram os funcionários públicos que faziam créditos consignados, ele era 70% acima do preço que poderia ser. Na verdade isso mostra um custo de corrupção muito alto em nossos serviços. A ideia foi essa, mostrar que há um custo, a corrupção traz um custo muito alto para a sociedade.