Sempre gostei de ir a palestras e bate-papos com grandes pensadores. Por uma questão de formação e ofício, acabo indo mais a ciclos de conversa nos quais estão autores de literatura. Aprendo muito com eles.
Um assunto, no entanto, sempre ronda os bate-papos em torno da leitura e da literatura e me deixa mal convencido: a tendência de supor uma maior riqueza da literatura em relação ao cinema. Pessoas que entendem muito mais do que eu afirmam que a leitura do literário é mais aberta e exige uma postura mais ativa do que a leitura de um filme.
Um dos principais argumentos é o de que a literatura não traz a imagem pronta; outro é o de que no cinema nós já recebemos imagens que foram filtradas por alguém, o que é uma espécie de leitura de segunda mão, uma vez que lemos a leitura de um diretor.
Essa é uma lição que eu não consigo aprender. É inegável que muitos filmes – geralmente os campeões de bilheteria – não nos dão brechas, inserem imagens novas a cada fração de segundo, sem tempo para qualquer reflexão sobre os sentidos simbólicos do que vemos e que deveríamos construir na nossa cabeça atordoada. Ora, mas também existem livros que não nos abrem a cabeça para nada; ao contrário, trancam nosso imaginário em velhos clichês que impedem as fissuras tão salutares em nossa visão consolidada do mundo, da vida.
É verdade que a boa literatura faz com que criemos os nossos protagonistas na cabeça, o nosso cenário, o nosso jeito de entender as movimentações e falas dos personagens. Mas o que considero o cinema de qualidade também faz isso: boa parte do cinema europeu, iraniano, brasileiro, americano (é verdade!), argentino, entre muitos outros, consegue inserir uma dimensão reflexiva e um espaço para que o espectador estabeleça sentidos que são riquíssimos e altamente complexos.
Lembro de um filme em que, depois de uma série de conflitos, a protagonista aparece bem distante, em um plano abertíssimo, no canto direito da tela e com o mar ao fundo. A cena se limita a mostrá-la atravessando de um lado ao outro da tela. Essa travessia, sem trilha sonora, sem nada, leva muito tempo. Nessas imagens supostamente já dadas pelo diretor, já lidas por ele, existem inúmeras possibilidades de sentido esperando para ser completadas pelo público. Em última instância, um livro de literatura também já é uma leitura recortada que o autor faz do mundo caótico e inapreensível em sua totalidade.
Se não quisermos um filtro e nenhuma leitura já dada, peguemos um livro em branco ou uma tela em preto e fiquemos pensando em qualquer coisa.
Por isso, tanto o cinema quanto a literatura devem ser vistos como mídias, pois nos oferecem uma visão mediada do mundo, um recorte ordenado segundo os critérios estéticos do autor e do diretor. Pensando na educação e na escola: bibliotecas e salas de projeção, aulas de leitura e aulas com filmes, oficinas de criação literária e de criação audiovisual, leitura orientada de literatura e de cinema, clubes do livro e cineclubes, tudo tem igual importância. A alfabetização para as imagens e para as palavras se faz igualmente necessária, ainda mais nessa era de simultaneidade de estímulos e de tantos hibridismos. Supor a supremacia de uma linguagem sobre outra parece perda de tempo.
>> Cezar Tridapalli é coordenador de Midiaeducação do Colégio Medianeira, instituição de ensino associada ao Sinepe/PR (Sindicato das Escolas Particulares do Paraná)
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