Texto publicado na Gazeta do Povo em 16/09/2012
Há exatos 35 anos, no dia 16 de setembro de 1977, uma sexta feira, morria, em seu luxuoso apartamento na Avenida Georges Mandel, perto do Arco do Triunfo, em Paris, Maria Callas, um dos maiores mitos da cena operística do século XX.
Callas continua fascinando, mesmo tendo se despedido da cena lírica há mais de 45 anos. Muito deste fascínio vem de, além de um canto de rara beleza e de uma emoção incomparável, por sua trágica historia pessoal e de seu indomável temperamento. Nascida em Nova Iorque em 1923, filha de pais gregos, com pouca idade revelava seus dotes musicais. Seu nome completo era Maria Cecilia Sofia Anna Kalogeropoulou. Em 1937 parte para a Grécia com sua mãe, com quem sempre teve uma relação extremamente difícil. Curiosamente sua mãe e sua irmã, que falaram sempre coisas horríveis da cantora, ficaram milionárias ao herdar a maior parte de sua herança.
Foi na Grécia que Callas começou a estudar musica de forma séria. Cantou algumas vezes em seu país, mas sua glória internacional começou na Itália. Em 1948 despontava, em Florença, uma cantora excepcional, sobretudo como interprete de papéis altamente dramáticos, como a Norma de Bellini.
Sua base musical extremamente solida permitiu que ela aprendesse diversos papéis em pouquíssimo tempo. Sua versatilidade vocal a fazia ter facilidade para cantar papeis dramáticos, como a personagem título de A Valquíria de Wagner (que ela cantava em italiano), e um papel extremamente leve e ágil como o de Elvira, da ópera I Puritani de Bellini, na mesma semana. Logo se tornaria a grande estrela do teatro de ópera mais importante da Itália, o La Scala de Milão. O que mais fascinava o publico italiano, e posteriormente outras plateias na Europa e nos Estados Unidos, era o fato de que Maria Callas não era apenas uma grande cantora. Era também uma grande atriz. Seu comprometimento dramático era tal, que ao final de cada espetáculo estava completamente esgotada.
Callas era muito exigente consigo mesma. Estudava muitas horas, e me foi contado por testemunhas, que em São Paulo, onde atuou em 1951, corria como uma atleta pelo palco, e quando estava ofegante começava a vocalizar. Seus anos dourados vão de 1950 até 1958. Daí em diante sua carreira entra em declínio, quando abandona sua ferrenha disciplina ao conhecer e se apaixonar pelo milionário grego Aristóteles Onassis. Sua paixão a fez reduzir consideravelmente suas apresentações, e praticamente não acrescentou nenhum papel novo em seu repertório. Sua voz no inicio dos anos 60 era extremamente irregular, apesar de que seu empenho dramático continuou intacto. Depois de morar anos na Itália, muda-se para a França na década de 60, e fixa-se em Paris até sua morte. Em 1964 Callas teve seu último êxito num palco operístico, quando no Covent Garden , em Londres, atuou num de seus papéis favoritos: Tosca de Puccini. Suas ultimas apresentações na Ópera de Paris, com a Norma de Bellini , em 1965, foram calamitosas, e nunca mais se apresentou em uma encenação operística.
Sua tristeza pessoal arruinou a sua vida artística, e podemos resumir esta tristeza com dois fatos marcantes: o fato de Onassis ter casado com Jaqueline Kennedy, e o fato de ela ter perdido um filho de Onassis. Seus últimos anos a viram, de forma esporádica, como professora na Julliard School, em Nova Iorque, e como atriz na Medeia de Pasolini, e em 1974 voltou aos palcos em recitais por diversas partes do mundo, junto ao tenor Giuseppe di Stefano, recitais estes que foram infelizmente gravados, gravações estas que mostram o estado deplorável de sua voz. Isolada, deprimida acabou falecendo aos 54 anos, de um enfarto fulminante. Morreu só.
Legado
Maria Callas gravou muito. Inúmeras gravações de estúdio e gravações piratas inundam as discotecas em todo o mundo. Coloco aqui o que realmente julgo o máximo de seu legado discográfico. Suas duas gravações de estúdio da ópera Tosca de Puccini, uma da década de 50 ( regida por Victor de Sabata)e outra da década de 60 ( regida por Georges Prêtre) são um excelente testemunho de sua arte dramática. Callas foi uma grande interprete do assim chamado “Bel Canto”, estilo italiano do inicio do século XIX.Grande intérprete de Bellini e Donizetti, destacaria duas gravações antológicas: uma, realizada ao vivo, da Lucia di Lammermoor , de Donizetti, regida por Herbert von Karajan, em 1955, e um CD (originalmente LP) chamado “Cenas de loucura” onde canta a cena final de Il Pirata de Bellini junto à excepcional Philharmonia Orchestra de Londres regida por Nicola Rescigno. Testemunho da sua grande versatilidade existe um recital que ela gravou , com a mesma orquestra, desta vez regida por Tulio Serafin, onde ao lado de árias trágicas como “La Mama Morta” de Andrea Chenier de Giordano (gravação utilizada de forma soberba no filme Philadelphia) Callas canta árias de “colaratura” como a “Ária das Campainhas “ da Lakmé de Delibes. Existem pouquíssimos registros em vídeo de Maria Callas. Por duas vezes ela gravou em vídeo o segundo ato da Tosca de Puccini, uma em Paris em 1958 e uma em Londres em 1964. Ambas as versões são indispensáveis. Mas o documento em vídeo que eu mais recomendo são seus recitais em Hamburgo regidos por Nicola Rescigno, um de 1959 e um de 1962. E o que mais me comove nestes vídeos não é somente quando ela canta. Na introdução orquestral da grande cena do ultimo ato de Don Carlo de Verdi, esquecemos que estamos em um concerto. Durante os minutos da introdução orquestral Maria Callas é capaz de passar para nós uma enorme quantidade de sentimentos, mesmo antes de começar a cantar. Em resumo, além de uma grande cantora, ela foi uma grande artista.
Neste vídeo de “Tu che le vanitá” do Don Carlo de Verdi, notem a força deexpressão , mesmo antes de cantar, na longa introdução orquestral. Nunca ficamos tão felizes por termos uma câmera parada por alguns minutos.
O mesmo se passa nesta cena final de “Il pirata” de Bellini
Parte 1
Parte 2