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Manuel de Falla, suas origens e sua consciência
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bbc.uk
O compositor Manuel de Falla

O assassinato do escritor espanhol Federico Garcia Lorca, fuzilado em 19 de agosto de 1936, foi um dos muitos acontecimentos que mancharam a reputação dos direitistas na Guerra Civil Espanhola. O assassinato de Lorca é, neste sentido, algo comparável ao massacre de Guernica (retratado por Picasso), acontecido no ano seguinte, massacre este que contou com a colaboração dos nazistas, que usaram esse genocídio como uma espécie de ensaio para os ataques que fariam dois anos depois em muitos países europeus. Tendo sido um grande amigo de Garcia Lorca o compositor, também espanhol, Manuel de Falla (1876-1946), não quis permanecer na Espanha. Apesar de católico, de Falla via com horror a brutalidade dos “franquistas”, e por três anos se isolou , recusando cargos oficiais, até que em 1939, com a desculpa de reger concertos em Buenos Aires, deixa a Espanha em direção à América do Sul. O governo espanhol, liderado pelo “Generalissimo Franco”, vencedor da Guerra Civil, ofereceu a de Falla uma pensão vitalícia extremamente generosa, caso ele voltasse à Espanha. Apesar da extrema miséria que cercou sua existência na Argentina, Manuel de Falla, um homem de princípios, nunca aceitou tal pensão, mesmo quando o governo espanhol propôs que ele a recebesse mesmo permanecendo no exterior. Ele nunca mais veria a sua pátria já que iria morrer no norte da Argentina em 1946, pouco antes de fazer 70 anos.

Esta não foi a única vez que este rigor em termos de caráter se manifestou na vida deste homem discreto e cortês. Manuel de Falla , quando jovem, viveu alguns anos em Paris. Sua produção musical será numa primeira fase extremamente influenciada pelo “impressionismo” francês. Suas obras escritas em Paris e pouco depois de sua volta à Espanha, em 1914, são obras que se assemelham com as obras “espanholas” de Debussy (1862-1918) e Ravel (1875-1937). De Falla tinha uma enorme afeição pelos dois, e por seu mestre francês, o compositor Paul Dukas (1865-1935), mas sua guinada estética vai faze-lo se afastar de seus amigos franceses. Quando de sua volta à Espanha, no inicio da Primeira Guerra Mundial, ele aos poucos percebe que a cultura de seu país não necessitava dos “olhos” franceses para existir. Ele nunca deixou de admirar seus colegas franceses, tendo inclusive escrito peças em memória a Debussy (sua única obra para violão) e a Paul Dukas. No entanto sua estética vai mudar quando entra em contato com a autêntica expressão espanhola. Quem vai lhe influenciar muito neste período é Gregorio Martínez Sierra (1881-1947), um homem de teatro que provocou em De Falla uma reviravolta estilística no compositor. É o momento em que o mestre vai escrever duas partituras intimistas, para uma orquestra de câmera: El amor brujo, e El corregidor y la molinera. Estas obras eram tão modernas, e tão idiomáticas, que de Falla se viu obrigado a fazer alguns ajustes para que as mesmas fossem executadas para outros públicos. Hoje em dia escutamos com mais frequência El amor brujo em uma versão posterior, para uma orquestra um pouco maior (a versão original é de 1915 e a revisada é de 1925), e El corregidor y la molinera (1917) em sua versão mais grandiosa , o Ballet El sombrero de três picos(1919),concebido desta forma para o empresário russo Sergei Diaghilev. Sem ferir ninguém de Falla se retraiu mais uma vez, e percebeu que estava se afastando de seus ideais. Por isso as suas próximas obras são todas escritas para pequenos e intimistas conjuntos. Destaco seu Concerto para cravo e cinco instrumentos de 1926, sua obra prima em termos de modernidade e também de originalidade. Na mesma linha temos a sua magnifica ópera para marionetes El retablo de maese Pedro de 1923. É nesta época que a amizade entre o compositor e o escritor Garcia Lorca se inicia.
Mas nesta linha de “retidão”, de Falla começará a se importunar com a vaidade do meio artístico. Suas próprias obras já não satisfazem o seu anseio espiritual, e é na obra de um compositor espanhol renascentista, Tomás Luis de Victoria (1548-1611), que ele vai enxergar a saída para uma solução entre a arte e o espirito. Seu rigor torna-se tão grande que não deseja mais receber os direitos de autor de suas próprias obras. Assim como não aceita a tentadora pensão do “Generalissimo”, na Argentina passa a não aceitar mais os direitos de suas próprias obras. Sua única obra que lhe interessa é um enorme oratório chamado Atlándida, obra escrita na Argentina em catalão , e que revisita a historia da Atlântida grega, junto com a Espanha no tempo de Colombo. Foi completada por um discípulo, e não obteve êxito.

Como conclusão vamos ouvir um trecho de seu El amor brujo com uma “cantaora” ,um tipo de voz diferente de uma cantora lírica, que normalmente costuma interpretar esta obra. Certamente o tipo de voz que de Falla acreditava ser mais pertinente na época em que compôs a obra era esta, mas com certeza nos círculos eruditos de seu país tal coisa seria inadmissível. Se ainda nos choca, imaginemos na época dele. Ginesa Ortega é acompanhada pela Orquestra de Montreal regida por Charles Dutoit. Caso você queira ouvir a obra inteira com esta mesma intérprete existe um excelente cd do selo Harmonia Mundi.

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