Estamos vivendo momento de acelerada transformação. Chegamos a um ponto no qual a combinação de fatores históricos, sociológicos, políticos, antropológicos, ecológicos e tecnológicos indicam o curso de profundas e rápidas mudanças. Eventos aparentemente desconectados como o fim da escravidão, a hiperurbanização, as mudanças climáticas e a exponencialidade tecnológica (Lei de Moore) se conjugam para possibilitar a eclosão de nova realidade para a humanidade.
Vamos aos fatos, em rápida progressão histórica.
Poucas pessoas têm em mente que até o final do Século XVIII cerca de três quartos da humanidade vivia sob regime de escravidão ou servidão. O século XIX assistiu ao desmoronamento da lógica segundo a qual seria impossível a existência de mercados sem escravidão.
Como sequência necessária, o século XX viu brotar os mais bem-sucedidos movimentos sociais pela igualdade entre os seres humanos, que resultaram em significativas conquistas pela igualdade racial e de gênero. Além disso, desde os anos 1970, diversos regimes autoritários e centralizadores entraram em colapso e centenas de milhões de pessoas, sobretudo na Europa e América Latina, reconquistaram a liberdade de expressão e a possibilidade da ação cívica.
O campo da educação passou por profundas alterações quantitativas. Entre 1970 e 1985 a alfabetização de adultos no mundo desenvolvido cresceu de 43% para 60% e, além disso, apenas durante os anos 1970 o número de universidades no mundo dobrou. Também no século XX, aperfeiçoamos e adotamos o conceito de Direitos Humanos.
A saúde das populações melhorou muitíssimo durante o século XX. Graças a notáveis avanços científicos (como a simples penicilina) e a amplos programas de saúde pública, a expectativa de vida foi de 25 para 63 anos nos países em desenvolvimento e de 45 para 75 anos nos países desenvolvidos. A tudo isso se seguiu extraordinário câmbio demográfico, uma vez que pela primeira vez na história da humanidade mais pessoas passaram a viver em cidades do que no campo. A urbanização massiva favoreceu o crescimento das classes médias em países em desenvolvimento como Brasil, China, Indonésia, criando contingentes populacionais com mais acesso e maior índice de valorização da educação como ferramenta para melhorar sua condição socioeconômica.
No campo ecológico, em 1987 ocorreu a divulgação do Relatório Bruntdland elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente da ONU e apropriadamente denominado “Nosso Futuro Comum”. Com isso adquirimos a consciência factual das mudanças climáticas em curso e percebemos que o fato de vivermos todos em um único planeta, cujos recursos naturais são finitos, implica aquisição de novo valor de solidariedade universal, até então não compreendido adequadamente.
Pela primeira vez temos a consciência de que nosso destino é solidário com o destino do planeta. Também descobrimos que não mais somos apenas parte da natureza, pois nos convertemos em força da natureza. Somos a única espécie capaz de gerar sua própria extinção.
Em contrapartida, também adquirimos a compreensão de que somos capazes de resolver problemas exponencialmente. Por isso, entramos no século XXI com um quadro de transformações desenhado: centenas de milhões de pessoas foram libertadas de preconceitos e de visões totalitárias, passaram a viver em cidades, tiveram mais acesso a saúde, educação e tecnologia; bilhões de cidadãos experimentaram o acesso à comunicação e à informação.
Por outro lado, problemas complexos e gigantescos em todo o mundo se desvelaram nas telas de nossos smartphones: intolerância, violência religiosa e terrorismo; estados incapazes e falidos; riqueza abundante geradora de miséria extrema. Em 2015, as 8 pessoas mais abastadas do mundo detinham riqueza equivalente aos 3,5 bilhões de pessoas mais pobres do planeta (OXFAM, 2017).
Esses fatos chocantes fazem com que as pessoas não mais estejam dispostas a acreditar que as instituições tradicionais, como estados, corporações, igrejas ou universidades sejam capazes de oferecer a solução. As ideologias também não resolveram os problemas, fazendo com que os movimentos cívicos – sobretudo entre os mais jovens – se façam cada vez mais desideologizados, ou seja, sem a necessidade de adesão a rótulos ideológicos.
As poderosas inovações tecnológicas e sobretudo digitais, como a web, os smartphones, as tecnologias como Wi-fi, 3G e 4G de transmissão de dados, que operam associadas a ferramentas como Google, Wikipédia, Facebook, Whatsapp, Youtube, TED etc. permitiram que centenas de milhões de cidadãos conquistassem conexões e conhecimento a baixo custo. E todas essas ferramentas surgiram subitamente, apenas a partir de 2007.
Hoje, assistimos o nascimento de nova geração de jovens – os nativos digitais – com capacidade inédita para operar, por meio do mundo virtual, alterações concretas na realidade. Jamais na história da humanidade os jovens, chamados geração Y e Z, desfrutaram de tanto poder transformador. Jovens com propósito transformador.
É, portanto, desse conjunto de fatores que surge o empreendedorismo social, como movimento transformador, capaz de impactar positivamente a sociedade em larga escala. O empreendedorismo social requalifica a noção econômica de empreendedor, ressignifica a ideia de empreendedorismo, reintroduz a ética nas relações econômicas – entrega propósito ao agir econômico – e se utiliza precisamente da poderosa intersecção criadora entre forças humanas e tecnológicas que foram subitamente liberadas.
O empreendedorismo social é movimento contemporâneo amplo, cívico, democrático, transversal, descentralizado, inovador e exponencial, ou seja, é um movimento transformador massivo. Seja bem-vindo a esse movimento!
*Artigo escrito por James Marins, presidente do Instituto Legado de Empreendedorismo Social em Curitiba. Doutor em Direito do Estado pela PUC-SP (BR), Pós-Doutor pela Universitat de Barcelona (ES), Professor Titular dos Programas de Mestrado e Doutorado em Direito Econômico e Social da PUC-PR (licenciado) e fundador do Programa de Pós-Graduação em Empreendedorismo e Negócios Sociais da FAE Business School.
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