Houvesse um prêmio nacional para reconhecer as ideias mais estúpidas colocadas em prática pelos gestores públicos brasileiros, a cidade de Francisco Beltrão, no interior do Paraná, certamente seria hors concours na edição de 2014.
Em um enredo surreal, que deverá entrar nos anais do folclore político (ou no dos políticos folclóricos?), o município converteu uma ciclofaixa recém-inaugurada no centro da cidade em estacionamento para veículos motorizados.
Assim, os carros poderão estacionar sobre um luxuoso tapete vermelho, custeado com dinheiro público, das 8h30 às 12h e das 13h30 às 17h nos dias úteis e das 8h30 às 12h nos sábados. Enquanto isso, aos ciclistas, caberá a alternativa de circular junto ao tráfego de carros e ônibus, que terá velocidade média aumentada com implantação de um eixo binário na via.
O responsável por levar o “Prêmio Odorico Paraguaçu do Atraso na Gestão Pública” ao Sudoeste paranaense é o vice-prefeito e secretário de Planejamento (heim!?!) Eduardo Scirea (PT), que ao assumir temporariamente o Executivo beltronense assinou um decreto regulamentando o uso da ciclofaixa na Rua Curitiba (!) para servir de estacionamento.
A solução “jenial” foi tomada na tentativa de resolver o “problema” que surgiu com a implantação da via ciclável na área central, que enfrentou a histeria dos comerciantes locais, e encontrou eco na imprensa interiorana. Vale lembrar que, apenas 15 dias antes de assinar o decreto, Scirea havia afirmado à imprensa local que a implantação da ciclofaixa não teria retrocessos. “É definitiva, não se volta atrás”, afirmou durante a inauguração da infraestrutura cicloviária.
A resistência veio dos comerciantes, que não se conformaram em “perder” o estacionamento nas vias públicas em frente aos seus estabelecimentos. Segundo os empresários, com a ciclofaixa, cada quadra perdeu de 10 a 12 vagas “para os veículos de seus clientes”. “Nós pagamos impostos, geramos empregos. O mínimo de conforto que podemos oferecer é o estacionamento e estão nos cortando esse benefício”, argumentou o comerciante Jefferson de Lara.
O benefício citado, entretanto, não encontra amparo legal, uma vez que a área de estacionamento encontra-se em via pública e, por isso, não pode ter destinação ao uso privado. Uma consulta na Lei Orgânica do Município, prova que não há qualquer menção ao direito dos comerciantes usufruírem gratuitamente das vagas em frente aos seus estabelecimentos. Tampouco esse mesmo “benefício” está assegurado em lei estadual ou na Constituição da República Federativa do Brasil. Mas, ao contrário, a implantação de um circuito de ciclofaixas em vias públicas encontra respaldo no Plano Diretor e atende às exigências da Lei da Mobilidade Urbana (Lei n.º 12.587/2012).
Também cabe ressaltar que os impostos pagos pelos comerciantes são calculados exclusivamente sobre área dos imóveis. As vagas de estacionamento, portanto, não compõem a base de cálculo, o que derruba a tese do “direito adquirido” sobre o espaço público.
Visão provinciana
A tese de que a criação de ciclovias “atrapalham” o comércio local já foi derrubada empiricamente, comprovando que ocorre justamente o contrário: as ciclovias tornam as ruas mais convidativas às pessoas, aumentando a circulação e o volume de vendas dos estabelecimentos.
Estudos na cidade de Nova York, por exemplo, mostram que a implantação de infraestrutura cicloviária na 9ª Avenida aumentou o fluxo de comércio entre as Ruas 23 e 31 em 49%, contra uma média de 3% do restante do bairro.
Além disso, a criação de espaços para a circulação de pessoas reduziu em 35% o número de acidentes com vítimas no trânsito, provando que as ciclovias também protegem pedestres e tornam as ruas espaços mais convidativos.
Em Curitiba, empresários e comerciantes já começam a perceber que tratar bem o ciclista é um negócio lucrativo. Lojas, farmácias, restaurantes, academias e diversos outros estabelecimentos passaram a investir na implantação de infraestrutura para quem pedala além da criação de promoções e descontos para atrair esse público.
Todo ciclista é um consumidor como outro qualquer. Mas, diante da carência geral de infraestrutura para quem pedala, um gesto de boas vindas ao ciclista pode ser uma forma de criar uma clientela fiel e disposta a fazer propaganda boca a boca do estabelecimento. No fim, tratar o ciclista de maneira cortês e civilizada acaba sendo uma tática para inovar e se diferenciar da concorrência.
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