Toda faculdade de jornalismo deveria estudar a “arte da entrevista segundo Coutinho”. Era impressionante a maneira como mergulhava em seus personagens, às vezes sem pedir licença. Sua grande meta era buscar o sublime pessoal – reveja a entrevista com o Sr. Henrique, em Edifício Master (2002) – e a estrada para isso era feita de perguntas sempre diretas e demasiadamente humanas. Eduardo Coutinho sabia ouvir, e aproveitar o silêncio, que pode dizer muito se for compreendido.
Suas obras têm um rigor único. Coutinho fazia pré-entrevistas – tática utilizada tanto para quebrar o gelo quanto para saber o que realmente perguntar quando a câmera estivesse ligada. Filtrava muito. Tinha uma paciência hercúlea.
Também era apaixonante sua capacidade de recriar as ditas “jornadas do herói” — trajetórias edificantes de vida. Mas, ao invés de buscar grandiloquência e um final com fogos de artifício, Coutinho fazia dos paradigmas de Joseph Campbell algo intenso e, sobretudo, humano. O semidocumental Cabra Marcado Para Morrer (1985), sua obra-prima, dá cor à história do camponês João e desvenda o mito do herói no sujeito anônimo. O cinema de Eduardo Coutinho é humilde, enfim.
Sua morte, hoje, é daquelas peças tristes e inexplicáveis da vida. E com um sutil toque de ironia: especialista em burlar as regras que regem ficção e realidade, Coutinho foi vítima, ao que tudo indica, de seu filho esquizofrênico, que decidiu fugir da vida real — cheia de tormentos insuportáveis – para avançar em direção a uma ficção momentânea e solitária. Descanse em paz, Coutinho. E obrigado por ajudar a fazer com que nossos olhos sejam menos domesticados.
Cena emocionante de Edifício Master, quando o Sr. Henrique, fã de Frank Sinatra, canta My Way com a alma: