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Entrevista – Jotabê Medeiros: “Não tomaria uma cerveja com o Chris Martin. É um cara muito chato.”

Bob Dylan fez careta. (Foto: )

Jotabê Medeiros acaba de se tornar pai. Bento tem pouco mais de 50 dias, e ainda não faz ideia da quantidade de artistas que seu velho já entrevistou. Dos inúmeros artigos que escreveu em seus 25 anos de profissão, para Veja, Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo. E nem da coleção de LPs e CDs que irá herdar.

O repórter e crítico musical lança neste fevereiro O Bisbilhoteiro das Galáxias, livro em que relembra seus encontros com 50 grandes nomes da música, de Bob Dylan a Roberto Carlos, de MGMT a The National. A matéria sobre a coletânea está aqui.

Durante a entrevista que concedeu, o jornalista também falou sobre a necessidade de pensarmos a arte na era pós-internet; a expectativa do artista por um texto profundo e dedicado; seu início de carreira – Jotabê se formou na Universidade de Londrina, em 1986 –; e sobre a cena curitibana. “Karol Conka é doidaça, né?”:

Bob Dylan fez careta.

Bob Dylan fez careta.

 O livro é resultado de sorte ou persistência? Ou um misto dos dois?

Pra ser bem sincero, foi sorte, confluência dos astros. Mas eu já fiz vigilha na porta de hotéis. A primeira vez dos Stones no Brasil, por exemplo: aquela coisa de jornal, tinha que ficar na cola dos caras. Era um verdadeiro paparazzo. Andei alopradamente no trânsito do Rio de Janeiro atrás do Mick Jagger. E às vezes não dá em nada. Só me canso. Mas, sabe, acho que é necessário. Porque essas figuras têm uma dimensão pública muito grande.

 Você diz que não tem ídolos, mas alguns encontros ou entrevistas foram mais difíceis que outros, pela sua admiração pelo artista?

Ah, sim. Com o Neil Young, por exemplo. No Rock in Rio de 2001, ele resolveu que não daria entrevista. Não falou com ninguém. Aí, no dia do show, ele resolveu dar uma entrevista no Copacabana Palace. Mudei meu trajeto, e cheguei lá. Eu e mais quatro repórteres calçando chinelos de dedo. Conheço toda a carreira do cara, mas tremi. Não consegui pensar em uma só pergunta. Aí a coisa mudou, tive que improvisar. Mas geralmente há um contexto que envolve o artista, seja político, econômico ou cultural. É bom que o jornalista o conheça.

Qual o critério que usou para escolher o que iria entrar no livro e o que  iria ficar de fora?

Os critérios foram se afunilando conforme o material foi tomando forma. Eu não sou muito organizado. Tinha um computador cheio de fotos com artistas do mundo todo e deu pau, perdi muita coisa. Mas sempre guardo entrevistas e relatos de bastidores. Lembro do meu primeiro contato com os Arctic Monkeys, em um show na Dinamarca, por exemplo. Para o livro, o que consegui levantar de mais urgente, entrou.

Alguma foto especial não entrou?

Há uma foto que não está no livro não sei por que. Talvez porque tenha esquecido de mandar o texto… É a do Joe Strummer, do Clash, em um festival na Inglaterra. Eu estava andando, ia entrevistar uma dupla de música eletrônica. Isso faz tempo. Era quando os produtores do antigo Free Jazz levavam jornalistas pra Londres. Estávamos perto dos trailers dos artistas, aguardando a entrevista com a Leftfield. Tinha que entrar um de cada vez, fiquei no sol torrando. Aí vi um cara sair do trailer. Foi até uma sacola, que estava no chão, tirou um cigarro: era um baseado gigante. Pensei: “É o Joe Strummer! E esse cara é uma das figuras chave da música do século 20. Foda-se o Leftfield.” Comecei a fotografar o Joel fumando. Ele me olhou fixamente, e aí começou a conversar, numa boa. É o tipo de história que se perde muito fácil.

Gosto muito da sua visão de jornalismo cultural, que envolve Arte, com A maiúsculo, como você escreve no livro. E que também requer um conhecimento de mundo, que só se adquire com o tempo. Você acha que a internet está dificultando a formação desse tipo de jornalista?

Há duas facetas aí. A tecnologia, a internet, possibilitou – e é muito clichê o que vou falar — acesso ilimitado a discografias, a todos os movimentos culturais. Tudo está lá. É um fato. Isso é absurdamente revolucionário. Não há o que se questionar. Temos que pensar, sim, sobre a reflexão da produção humana dentro dessa circunstância. É isso que será avaliado no futuro. Sei lá, Marcel Duchamp. Ele mudou a forma como as pessoas viam a arte. Basquiat. Beatles. Miles Davis. Todos fizeram isso dentro do seu gênero, e antes da internet. Mas não posso ser determinista e dizer que tudo que se faz agora é uma bosta. Eu estou nas redes sociais, mas não sei tudo o que está sendo produzindo. Pra mim, o último grande artista desses que mobilizam a mente humana de maneira inovadora foi o Banksy. Nos anos 2000, foram os DJs. Especialmente alguns, que popularizaram um tipo de fazer música dentro dessa circunstância tecnológica. Eles deram à música um novo apelo.

Wayne Coyne, do Flaming Lips: o tipo

Wayne Coyne, do Flaming Lips: o tipo “sussão”.

Há cada vez mais blogs que trabalham com resenhas curtas, mesmo antes de o disco sair. Mas, por outro lado, textos mais longos e profundos têm bastante repercussão. O jogo está virando, de alguma forma?

Bons textos sempre tiveram relevância. Vamos pensar no artista: o cara fez um trabalho e quer ter um feedback, uma resposta. Ninguém cria alguma obra para ser encerrada num baú que será lançado no fundo do mar. O artista cria buscando compreensão, ressonância social e estética. O melhor diálogo, então, é com alguém que esteja preparado. Um monte de fãs puxando o saco não levam a nada. Um jornalista critica uma banda e um fã discorda. Quer a cabeça do sujeito porque ele é fã, só por isso. Não há discussão, há um analfabetismo funcional e cultural. O artista não vive de idolatria. Todas as pessoas que produzem algo importante querem saber o alcance daquilo. Quando você produz obra de arte, produz linguagem, algo que se comunica. É por isso que o artista pede por reflexões mais profundas.

Como você lida com críticas de fãs?

Antigamente chegavam mais cartas e e-mails. Agora as pessoas reagem diretamente no computador, na internet. A reação é muito rápida e protegida pelo anonimato. Nem sempre foi assim. Lembro de um caso com o Nasi, do Ira, que foi até a porta da Folha de S. Paulo para dar uma surra no Pepe Escobar…

Quantas vezes você ouve um disco antes de escrever sobre ele? Ou depende?

É difícil. Os deadlines são cruéis. Principalmente em relação a shows. A agenda de São Paulo é a maior da América Latina. Tem um show à noite e precisa fechar o texto na mesma noite. Isso implica em um tipo de apreciação muito veloz. É preciso certa sagacidade para se sair bem nesse negócio. Uma vez, Caetano e Roberto fizeram show em homenagem a Tom Jobim. Eu escrevi que a apresentação foi “naftalínica”, porque, pra mim, pareceu meio rançosa e feita “nas coxas”. O Caetano passou uma semana descendo o cacete. Me chamou de burro, e fez até uma análise sintática do texto. Eu respondi no meu blog e aí virou um fla-flu, uma briga monumental.

O que você escreveu?

Disse que o problema dele com a crítica é o fato de ele ter um bom trânsito nas redações. Caetano acha que controla a opinião que todos têm em relação à sua obra. Eu não tenho esse tipo de relação com ninguém. Vivo do meu trabalho e tenho meu fusca na garagem. Não vou me deixar intimidar porque Caetano Veloso é uma vaca sagrada da MPB. No final de tudo, ele escreveu que eu escrevia muito “bééééémmmm”. Mas ele agiu como um coronelzinho da MPB. Já o Roberto Carlos é um cavalheiro, mesmo quando apanha. Essa história dos direitos autorais, por exemplo… o Rei tem mais traquejo.

Com qual artista tomaria uma cerveja? E com qual não tomaria?

Tomaria com o Manu Chao. Na verdade tomamos uma cachacinha quando ele vem a São Paulo. É uma tradição. O cara é o último artista de esquerda, não dependente da indústria. Adoraria tomar uma com o Zé Ramalho. Até para um chá de cogumelo iria com o Zé se ele me convidasse. O Zé Ramalho é meu ídolo, assim como Belchior. Penso até em fazer alguma coisa mais profunda sobre a obra deles, uma biografia, talvez. E não tomaria uma cerveja com o Chris Martin. É um cara cheio de clichês, e muito chato. Iria pedir uma cerveja e ele iria ficar analisando a quantidade de lúpulo ou cevada…

Você se começou na Folha de Londrina?

Sim, me formei na UEL em 1986. Comecei na Folha de Londrina, no mesmo ano.

Matt Berninger, vocalista do The National.

Matt Berninger, vocalista do The National.

Já na área de cultura?

Sim. Quem me contratou foi o Nilson Monteiro, jornalista de primeiríssima. Eles estavam precisando de alguém. Meu amigo fez um teste melhor que eu, mas ficaram com dó de me mandar embora. Eu estava morrendo de fome. Por sorte, pintou uma matéria lá: “Dez anos da morte do [diretor de cinema] Pier Paolo Pasolini.” Fiz a matéria, foi capa de domingo. Aí o Nilson disse: “Vamos contratar.” E contrataram os dois. Um ano depois, o Caderno 2, do Estadão, estava sendo lançado. O Luiz Fernando Emediato, editor do suplemento na época, andou pelo país à procura de talentos — veja como um dia o jornalismo já foi interessante… Ele saiu comprando jornais. Estado de Minas, Folha de Londrina, Zero Hora. Trouxe Mauricio Stycer, que na época trabalhava no Jornal do Brasil. O Ricardo Soares, que estava em Minas. E ele esteve em Londrina, comprou a Folha e a capa era minha, a matéria do Pasolini. Foi uma ligação que recebi. “Você quer vir trabalhar com a gente?” Em Londrina, ganhava o piso. Quando ele falou o salário, meu olho arregalou. Era umas oito vezes mais… Isso foi na quarta-feira. Na segunda, peguei o busão para São Paulo. E estou aqui até hoje.

E sua infância na Paraíba?

Só passei três anos na Paraíba. Nasci lá, mas minha família logo foi para Cianorte. Fui de pau de arara. Sou o 11º filho em uma família de 15 irmãos. Morei em Curitiba, fiz o colegial no Positivo. Na mesma época, trabalhava numa construtora, no departamento pessoal. Era responsável pelo pagamento da peãozada. Isso era por volta de 1980. Depois fui para Londrina, prestar vestibular para jornalismo. Jogava sinuca o dia inteiro, não fazia porra nenhuma. Aí a música se intensificou na minha vida, porque todos os amigos eram ligados nisso. Pintou Bowie, Pink Floyd, e aí foi…

Como foi seu primeiro contato com a música?

Com Luiz Gonzaga. Minha formação é culpa do Gonzagão. Meu pai ouvia os LPs no toca-discos. Botava Jackson do Pandeiro e outras coisas boas.

De sua estada em Curitiba, lembra de algo? Alguma banda te chama atenção hoje?

Curitiba está com umas coisas bem moderninhas, né? Acho que as bandas daí tem bastante habilidade nisso. Pô, lembro de Beijo AA Força, Blindagem. Conheço bem a história musical da cidade. Curitiba já teve seu momento de Seattle, nos anos 90. Era uma cidade bem frenética. Depois deu uma parada. Mas a Karol Conka é doidaça, né?, uma grande revelação.

 

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