Ainda que muitas coisas boas tenham acontecido, 2014 foi um ano pesado. Traumático de certa forma. Ainda assim, ele teria valido a pena porque foi o ano em que conheci o trabalho de sir Terry Pratchett. Ter topado com o nome dele seguidamente em muitos verbetes do site TV Tropes foi uma das melhores coisas que me aconteceram naquele ano.
Não tinha dado muita bola para o escritor britânico, morto nesta quinta-feira (12), na primeira vez em que abri A Cor da Magia, no início do ano passado. As expectativas que eu tinha eram as piores possíveis: a última fantasia que tinha de fato me cativado foi lida quando eu ainda era criança e os fãs do gênero não são as melhores referências do mundo. Mas eu precisava de algo para ocupar a cabeça e não havia nenhum livro naquele momento de estresse que me chamasse a atenção. Quando terminei de ler, pouco tempo depois, Pratchett se tornou um dos meus autores favoritos.
Lançado em 1983, o primeiro volume da série Discworld chegou a ser publicado no Brasil em 2001 pela editora Conrad juntamente com algumas de suas sequências, em traduções até que bem feitas. Ao longo de mais de 40 livros, somos apresentados ao Disco, um mundo achatado repousado nas costas de quatro elefantes equilibrados na carapaça da Grande A’Tuin, a tartaruga estelar que nada através do cosmos. E, neste mundo, Pratchett é deus absoluto.
De início satirizando obras de alta fantasia, a série que tornou Pratchett famoso expande o gênero — como o fez Douglas Adams em relação à ficção científica, mas em uma dimensão quantitativamente maior. Pratchett chega até mesmo a retratar em uma nota de rodapé de O Senhor da Foice a tentativa de construir um colisor de partículas no campus de uma universidade de magos ao mesmo tempo em que faz o mais improvável dos trocadilhos. Outro livro, Eric, é uma paródia de Fausto que inclui até uma versão bem humorada da Guerra de Troia e do império Asteca.
Pratchett começou sua carreira como assessor de imprensa e publicou alguns livros que não tiveram muito impacto entre 1971 e 1981, mas foi a partir do lançamento de A Cor da Magia que ele alcançou notoriedade, chegando a ser o segundo autor mais lido do Reino Unido, atrás somente de J. K. Rowling, a autora de Harry Potter. Mas o prolífico autor que escrevia em média dois livros por ano não se resume a seu mundo achatado: com inúmeros interesses, Pratchett escrevia contos, livros infantis, fez parceria com Neil Gaiman e, mais recentemente, lançou com Stephen Baxter uma série de ficção científica.
Em fins de 2007, Pratchett recebeu uma notícia preocupante: descobriu que tinha uma forma rara de Alzheimer, ainda em estágio inicial. Desde então, ele começou a financiar pesquisas para o combate da doença e a pressionar o governo britânico para que desse mais atenção às pesquisas e às pessoas que sofriam com doenças semelhantes. Mas não parou de produzir. Ainda que necessitasse de auxílio de pessoas próximas e tenha cogitado a possibilidade de a filha — a bem sucedida roteirista de videogames Rhianna Pratchett — assumir a série Discworld, ele continuou trabalhando até o fim. O 41.º livro da série Discworld está programado para ser lançado em setembro deste ano.
Neste 12 de março, Terry Pratchett chega ao fim da vida por complicações do Alzheimer e deixa para trás a família e uma legião de fãs e admiradores, seguindo Morte — um dos seus personagens mais queridos — até o outro lado.
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