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Bárbara Lia: linguagem refinada é fruto de um contínuo trabalho durante décadas | Marcelo Elias/ Gazeta do Povo
Bárbara Lia: linguagem refinada é fruto de um contínuo trabalho durante décadas| Foto: Marcelo Elias/ Gazeta do Povo

"Amostra grátis"

A seguir, trecho de Solidão Calcinada, que pode ser encomendado pelo blog chaparaasborboletas. blogspot.com ou adquirido em livrarias. O livro custa R$ 20.

"Saio ao vento, livre de amar com este calor infinito. Avenida de nuvens. Nos meandros da rede tecida de pérolas de dezembro, fogo vermelho das vestes de agora – o poeta em mim. Sempre ao lado. O passo de tigre cansado."

Bárbara Lia, que vive em Curitiba, pensa, sente e faz poesia. Então, ela é uma poetisa? Sim e não. Há quem denomine homens e mulheres que escrevem poesia unicamente de poetas, alegando que tal "condição" envolve todos os sexos. Mas, independentemente disso, se faz necessário sublinhar: Bárbara é um ser dissonante em meio à vida literária curitibana. Ela não acende velas para o "rei da poesia local", Paulo Leminski. "Prefiro Hilda Hilst." Também não pratica haikais, aqueles versinhos curtos, rimados, repletos de jogos de palavras, como, por exemplo: "Berinjelas/ voam/ pelas janelas" (sic). E, sobretudo, ela não é um "gênio" juvenil ou uma "promessa da província".

Aos 53 anos, difere-se da maioria das pessoas que se dedicam à escrita inventiva no Paraná. Sobretudo, por não buscar avidamente o "sucesso" e a etiqueta que credencia alguém como artista. Não faz "política literária", apenas escreve. E, ao longo da passagem do tempo, amadureceu a escrita e a linguagem que se evidenciam no romance recém-publicado, Solidão Calcinada – viabilizado pela Secretaria de Estado da Cultura do Paraná. A personagem central, em meio a uma rota ziguezagueante, busca rastros de seu pai, um poeta. E esse mote diz respeito à própria autora.

Busca-vida

Bárbara nasceu e ficou apenas 3 anos em Assaí, região norte do estado. O pai Ladércio pegaria o caminho rumo a Peabiru, onde a família permaneceria por uma década. E foi nessa cidade que ela começou a escrever. "Mas meu pai queria que eu fizesse curso de ciências exatas." O mesmo pai que reprimia a poesia, de acordo com a filha, era um poeta. "Ele não escrevia, mas falava liricamente. Ele vivia poesia."

Poesia estava na massa de sangue da família, sobretudo por parte do pai. Tias, tios, avô, avó. Todos poetas. "Minha avó declamava versos de Camões já no café da manhã." A poesia contaminaria, contagiou, Bárbara. Mas tudo o que produziu até os vinte e poucos anos, segundo a própria autora, não tinha qualidade. "Eram poemas para namorados, esses ‘crimes inafiançáveis’". E se a vida é o que acontece enquanto a gente faz outros planos, a roda-viva girou e, aos 26 anos, ela subiria ao altar para dizer sim a um homem chamado Luis César.

Outra volta

Casada, Bárbara deixa o norte e fixa residência em Curitiba, em 1984, de onde nunca mais saiu. Mas o casamento não durou uma década. Em 1991, se separou. A união frutificou três filhos, Paula, Tahiana e Thomas – respectivamente – hoje com 25, 24 e 19 anos. A sobrevivência na capital foi mantida por meio de expediente burocrático em um banco, até 1994. Formada em Estudos Sociais, também lecionou e experimentou outras frentes de trabalho e, desde 2004, está aposentada. E, em meio a essa temporada curitibana, a poesia e a linguagem foram apuradas.

1991, para Bárbara, foi inesquecível e divisor. No início daquele ano, o casamento acabou e, no final, a mãe morreu. "Meu pai morreria em 1993, de saudade da minha mãe." Entre perdas, retoma o incrível hábito de transformar tudo (ou nada) em algo: ou seja, escrever ficção. Um colega lê, outro também, e seria questão de tempo percorrer a via-crúcis que todo escritor conhece bem: enviar inéditos para concursos, primeiros testes, recusas, aceitações etc.

Ponto de virada

1998. Outro ano de mudanças. "Comecei a ler com profundidade autores importantes." De Joaquim Nabuco a Jorge Luís Borges. De Clarice Lispector a Maiakovski. Escreve. Deixa o texto "descansar" na gaveta. Reescreve. Mais gaveta. "Os meninos empinavam pipas; eu, pássaros./ Os meninos folheavam revistas de garotas nuas;/ eu, assistia ao namoro dos sapos." E, de tanto praticar, a linguagem extrapolou os limites de seu quarto, mas isso seria apenas neste século 21.

Em 2004, o contista Paulo Sandrini e o poeta Fernando Koproski entraram em transe diante da linguagem da autora e a editaram pela Kafka Edições Baratas. Assim ela debutou no mercado editorial: com O Sorriso de Leonardo. Dois anos depois, publica outro livro de poemas, Noir – edição independente. Ano passado, saíram outros dois livros de poesia, O Sal das Rosas (Lumme Editor) e A Última Chuva (Mulheres Emergentes). E, a qual editor interessar possa, ela anuncia ter sete livros prontos. De romances, contos, poesia a memória. "O escritor evolui, melhora." Assim foi com ela que – por veredas e até descaminhos – "se fez por si mesma".

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