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Quando o voto deixou de ser obrigatório, em 2033, os partidos passaram a procurar e recrutar novos filiados, não só para garantir um eleitorado cativo, mas também para ter com quem ocupar tantos cargos de confiança no Estado, então já maior que o resto da sociedade.

Aí você está tomando uma cerva, chega o carinha com bom-dia e sorriso treinado, posso perguntar uma coisa ao senhor? É filiado a algum partido?

— Não ia perguntar uma coisa? Política virou coisa?

— Coisa pública, senhor – ele fala sério – República vem do Latim "res publica", coisa pública.

Você engole a cerveja e a vontade de mandar o sujeito lá pra onde Judas vendeu as moedas, e ele:

— Parabéns se o senhor já tem partido. O Brasil só vai melhorar mesmo quando o povo participar!

— Mas ainda existe povo?

Cada vez menos, ele murmura baixando os olhos, mas logo levanta um olhar confiante:

— Com mais gente decente nos partidos, mais poderemos influir nas mudanças.

Você diz que desde criança ouve falar em reformas e mudanças, mas na prática a coisa anda a tranco quando anda, o Estado virou imenso monstro engraxado pela lentidão da Justiça e sustentado pela minoria que ainda trabalha fora do Estado.

Ele fica te olhando nos olhos, pisca, lágrimas escorrem pelas faces como no cinema, o salvador do mundo levou um choque de realidade e te olha ferido mas perdoante. Você se condói, pergunta por perguntar:

— Bem, e qual partido é o seu?

Ele enxuga as lágrimas nos dedos, sorri de novo com olhos de mel.

— O senhor pode escolher. Vários partidos formam a Frente Nova República, e é só botar o dedo aqui na bio-inscrição e já entra no nosso sistema.

— E custa... quanto?

Ele pisca mal acreditando, escandalizado:

— Di-nhei-ro?! Meu senhor, eu sou da Nova República!!!

Arrependido você passa o dedo na maquininha, ele levanta para te apertar a mão já se despedindo:

— O senhor receberá em casa carteirinha, cartão, impressos, senha para acesso ao portal partidário e ficha cívico-funcional se quiser exercer função administrativa nos serviços públicos.

E sussura confidente:

— Pode até ser candidato a cargo público...

Você pensa em dizer que a Constituição já garante isso, mas oferece cerveja, ele recusa, precisa continuar seu turno, vai abordar outra mesa, você fica a falar com o copo e a ouvir a garrafa.

Quando vai ao sanitário, num dos boxes com porta fechada ouve ele falar com outro:

— Já peguei dois até agora, você três, né?

— Mas tem pouco povo pra vasculhar, a maioria já trabalha pra governo!

— É, nossa comissão tem de aumentar.

E no dia seguinte você começa a receber e-mails e impressos do seu partido da Nova República, e até a visita de uma treinadora eleitoral:

— À sua disposição se quiser ser candidato a vereador em 2034!

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