Rio de Janeiro - Você pode ouvi-lo nas cordas (e nos acordes) iniciais que sublinham a apresentação de Psicose, com os títulos geniais de Saul Bass (que também "desenhou" o leiaute da aterrorizante sequência do chuveiro. Bernard Herrmann, o grande compositor das trilhas de Alfred Hitchcock, usa e abusa de Villa-Lobos em outras trilhas marcantes, como Vertigo/Um Corpo Que Cai e Marnie/Confissões de uma ladra, por sua vez transplantada para a trilha de Último tango em Paris, de Gato Barbieri.
Você pode ouvi-lo nos arranjos neossinfônicos de George Martin para os Beatles no álbum Sargeant Peppers Lonely Hearts Club Bande, mais explicitamente, em "Eleanor Rigby" e "Im a Walrus" na primeira, a introdução com violoncelos e contrabaixos galopantes e nervosos; na segunda, os graves letárgicos dos contrabaixos.
Oboísta com formação clássica e estudos de arranjo e composição, Martin sempre foi atraído pela obra do erudito brasileiro. Erudito até certo ponto, porque Villa-Lobos sempre sentiu um fascínio especial pelos idiomas populares. Aos 12 anos, estuda violoncelo erudito e passa a tocar em teatros, cafés e bailes, interessando-se pela música dos "chorões", que o leva a tocar também o violão. Martin admitiu que o tema que as cordas tocam em "Im the Walrus" antes de "Sitting in an English Garden/Waiting for the Sun" foram tiradas dos "Choros para Orquestra" do velho Heitor.
Bernard Herrmann recorria com frequência aos ostinati de cordas violinos, violoncelos e contrabaixos, e às vezes todos juntos tão característicos das obras de Villa-Lobos. O próprio Villa invadiu a seara de Herrmann ao aceitar um convite para compor a música do filme Green Mansions/A Flor Que Não Morreu. E se deu mal, por desconhecer a técnica da trilha sonora e a politicagem interna dos estúdios de Hollywood. O filme, passado na Amazônia, foi dirigido por Mel Ferrer, marido da estrela, Audrey Hepburn; o astro é Anthony Perkins (logo ele, Norman Bates, o assassino da cena do chuveiro!). A trilha foi encampada pelo veterano Bronislaw Kaper, que só preservou alguns fiapos da partitura original de Villa-Lobos.
Já os músicos de jazz, cada vez mais sofisticados depois da revolução modernista do bebop, investiram em peso sobre o velho Villa. Incontáveis gravações foram feitas da "Bachianas N.º 5", introduzida ao Modern Jazz Quartet pelo violonista Laurindo de Almeida, quando se apresentava como artista convidado do grupo no início dos anos 1960. Branford Marsalis a gravou em 1986 no álbum Romances for the Saxophone, ao lado de Debussy, Ravel, Fauré e Rachmaninoff. O saxofonista Wayne Shorter fez uma releitura das "Bachianas" no álbum de 2004, Alegria. Em 1962, no álbum Speak, Brother, Speak!, Max Roach ocupou uma faixa inteira com um tema que leva a sua assinatura, Variation, mas que nada mais era do que o "Prelúdio N.° 3", de Villa-Lobos. O saxofonista Eric Dolphy, que tocava ainda flauta e clarone, também estudou a fundo a obra do brasileiro.
Se nos EUA a favorita dos jazzistas é "Bachianas N.º 5", aqui quem sai ganhando é "O Trenzinho do Caipira", gravado e tocado exaustivamente. Ouvi uma versão interessante há pouco tempo por Mauro Senise (sax, flauta), Gilson Peranzzetta (piano) e Sílvia Braga (harpa). O trio, batizado com o nome do compositor, está lançando o álbum Melodia Sentimental, que, além dessa peça do Villa, inclui a Lenda do Caboclo e uma homenagem de Peranzzetta e Ivan Lins a Villa e a Jobim intitulada "Villa Jobim".
Antes, no CD Tempo Caboclo, com Jota Moraes, Senise gravou o "Choros N.º 1 (Chora Violão)". O saxofonista Ivo Perelman, radicado há mais de 20 anos nos EUA, lançou em 1996 o álbum Man of the Forest, baseado inteiramente em peças de Villa-Lobos.
Vale também não esquecer a presença de Villa-Lobos no cinema nacional, com sua música presente em trilhas sonoras de filmes como O Descobrimento do Brasil, de Humberto Mauro; Deus e o Diabo na Terra do Sol e Terra em Transe, de Glauber Rocha; Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade; Arraial do Cabo, de Paulo César Sarraceni, e Menino de Engenho, de Walter Lima Jr. A desfeita de Hollywood para com o bom Villa foi mais do que desagravada pelo cinema brasileiro.
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