Nos primeiros momentos da entrevista com o compositor, arranjador e poli-instrumentista alagoano Hermeto Pascoal por ocasião dos oitenta anos que completa no próximo dia 22 de junho, somos jocosamente interrompidos pelo hino do botafogo que emana do celular do filho Fábio Pascoal. O bruxo – apelido pelo qual o artista é conhecido – se desculpa e com um sorriso volta a prosear amistosamente sobre a paixão que diz exercer desde os primeiros momentos na Terra com religiosa assiduidade: a música.
Figura amplamente apontada como um gênio (e louco) dos acordes, diz ter mais de oito mil canções de sua autoria, algumas gravadas até mesmo por nomes como o ícone do jazz Miles Davis. Na entrevista que você confere a seguir, Hermeto do sinhô Pascoal fala sobre música, sobre os quase oitenta anos e, principalmente sobre a vida:
Em uma vida dedicada à música, imagino que sua visão sobre o que é a música tenha se transformado muito ao longo do tempo. Como o senhor a define hoje?
A mãe da música se chama “harmonia”, mesmo porque os próprios acordes são as notas juntas. Quando você solta as notas elas se transformam em melodia assim como quando você vai num pé de jaqueira, num pé de caju, pé de manga e vê as frutas uma pertinho da outra esperando para colher. Nas escolas eles se preocupam muito em saber antes de sentir, mas a música tem que estar em você, ela tem que vir de você para depois se pensar em teoria, em técnica.
Se eu disser pra você o estilo que eu vou tocar, você vai assistir ao show e vai me desmentir, porque não sou eu que vou descobrir, é você
O senhor é muito conhecido por buscar novas sonoridades, captando até mesmo o som da aura. Existe alguma coisa no campo da música que o senhor ainda não experimentou?
Claro que sim. Olha, eu vou fazer meus oitenta anos e eu te juro que não sinto. Hoje, falando com você agora, eu sinto como se fosse meu primeiro dia. Eu não posso dizer pra você o que eu vou fazer porque eu vou fazendo “daqui a pouco”. Eu não preparo nada pra fazer, só sei que vem. Se eu disser pra você o estilo que eu vou tocar, você vai assistir ao show e vai me desmentir, porque não sou eu que vou descobrir, é você. É como botar um quadro na parede... Eu não posso ensaiar as pessoas para que elas vejam o quadro como eu quero que elas vejam. Acho que é por isso que tenho um público bom, grandão. Porque as pessoas ouvem no show o estilo de música que gostam e logo depois ouvem outro que não estão acostumadas e acabam sentindo e gostando.
Se fosse possível destacar um momento marcante da sua carreira, qual momento seria?
Conhecer e gravar com o [jazzista americano] Miles Davis foi um dos momentos que me chamou muito a atenção, no sentido de ver uma pessoa carente, uma pessoa talentosa que começou mal, nas drogas. Eu fui assistir ao show do meu amigo Airto Moreira nos Estados Unidos, em 1969, no qual fui convidado para fazer os arranjos, quando ele [Miles] chegou pra mim e pro Airto, botou a mão no meu ombro e falou – eu não sabia que ele tinha aquela voz rouca (imita a voz) –: quem é esse cara? O Airto respondeu que eu era um compositor e arranjador brasileiro que tinha convidado para participar do disco. Miles disse que havia algo que o puxava para conversar comigo e eu disse que era uma espécie de conexão espiritual.
Além de música, nós trocamos também uns sopapos no rinque de boxe dele [Miles Davis]. Quando ele se distraiu com meus olhos, que ficam correndo muito assim, aproveitei para dar uma porrada nele
Já na casa dele, ele me desafiou a identificar de ouvido as notas do trompete dele (que depois ele ia conferir no piano) e, de tão impressionado, ele me apelidou de crazy albino (albino louco). Ele queria gravar todas as doze músicas de um disco que tinha gravado com orquestra no disco dele mas falou que não cabia, aí eu brinquei com ele que eu ia decidir ainda se dava uma ou duas músicas pra ele gravar. Ele chegou a me convidar a participar do grupo dele, mas eu nunca quis ficar muito tempo longe do Brasil. Além de música, nós trocamos também uns sopapos no rinque de boxe dele. Quando ele se distraiu com meus olhos, que ficam correndo muito assim, aproveitei para dar uma porrada nele [risos].
Dentro das comemorações do seu aniversário, Curitiba recebe apresentações com a Orquestra Sinfônica do Paraná no Teatro Guaíra e outro projeto solo no Teatro do Paiol, como é a sua relação com a cidade?
Eu vou para aí porque o João Pedro Teixeira, que vai ser solista de acordeão nessa apresentação do Teatro Guaíra, vai me homenagear. Eu morei em Curitiba por 12 anos e me apresentei apenas umas cinco vezes na cidade. Mas eu não tenho como agradecer a alegria que o público curitibano me traz quando encontro. E pra mim não tem lugar, é o mundo todo eu amo o mundo todo, mas vai ser bacana.
Eu morei em Curitiba por 12 anos e me apresentei apenas umas cinco vezes na cidade. Mas eu não tenho como agradecer a alegria que o público curitibano me traz quando encontro
O senhor tem um projeto muito bonito, o Calendário do Som, que reúne partituras de composições diárias dentro do perído de 1996 e 1997. Seu volume de produção continua o mesmo?
Sim, até maior! Componho todos os dias uma média de três canções. Esse projeto fiz para homenagear todos os seres humanos, que vão ter uma música para si no dia do aniversário, inclusive no ano bissexto. As músicas estão todas livre na internet. Agora estou com uma ideia de compor uma canção para cada um dos países do mundo, até pedi para uma amiga pesquisar na internet quantos são para eu poder compor. Mas o que eu queria mesmo é que as pessoas fizessem uma ação de executar simultaneamente minhas músicas e botassem na internet, por que é pra elas. Muitas pessoas já regravaram canções dos discos, mas seria bacana executar as novas também.
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