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A tecnologia está nos deixando mais quebrados. E a culpa é nossa

Embora a tecnologia não seja a vilã da história, ela colabora para nos fazer gastar sem pensar. | Pixabay
Embora a tecnologia não seja a vilã da história, ela colabora para nos fazer gastar sem pensar. (Foto: Pixabay)

De forma ativa ou passiva, via aplicativos ou algoritmos, somos bombardeados 24 horas por dia pelos nossos desejos nesta era digital em que vivemos — a efemeridade daquela busca no Google sobre um produto é cada vez menor. E temos na ponta dos dedos, na leitura da retina e mesmo nas selfies a facilidade de sucumbir a eles de forma quase indolor. 

Diante desta dinâmica, que só tende a se intensificar e se popularizar num futuro próximo, o professor de psicologia e economia comportamental da Duke University Dan Ariely lançou, nos Estados Unidos, o livro Dollars and Sense: How We Misthink Money and How to Spend Smarter. Ele assina a obra com o comediante Jeff Kreisler, porque só com bom humor mesmo é possível lidar com a questão.

Na publicação, que está à venda no Brasil, mas sem tradução para o português, eles argumentam que as pessoas têm dificuldades para tomar decisões financeiras inteligentes e que a tecnologia reforça essa tendência. 

Em outras palavras, segundo eles, temos dificuldade em abrir mão de algo concreto no presente por algo aparentemente intangível no futuro – como deixar de comprar um carro para ter uma aposentadoria tranquila, por exemplo. E a tecnologia só colabora para tornar o gasto no presente ainda mais fácil e indolor. 

“Diversos estudos mostram que a chamada ‘dor do pagamento’ é menor quando a gente usa o dinheiro eletrônico. Costumamos dar gorjetas maiores e esquecer os gastos com o cartão de crédito, por exemplo. Quando o gasto é debitado em conta e tem um valor pequeno, então, é como se nem existisse para gente”, observa Flávia Ávila, fundadora do InBehaviour Lab e coordenadora do MBA em Economia Comportamental da ESPM. 

“Há um prazer ilusório em consumir ‘sem gastar’. Afinal, o dinheiro continua na carteira. Não à toa, os níveis de endividamento das famílias são muito altos. Para os indisciplinados o risco de desequilíbrio nas contas aumenta significativamente”, complementa a consultora e professora da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) Anapaula Iacovino Davila, acostumada a fazer cursos de educação financeira abertos à comunidade em São Paulo. 

Mas antes de usar uma saída fácil e culpar “as máquinas” por toda essa vulnerabilidade, que tal um exame de consciência? 

Para Anapaula, a tecnologia não é, definitivamente, a vilã da história. “Consumidores melhor informados, precavidos, organizados, têm na tecnologia uma incrível aliada. Já os desorganizados, mal informados – insisto, maioria da população –, (...) se perdem ainda mais nas contas.” 

Já Flávia diz que todos nós, mesmo os que se consideram mais precavidos, precisamos admitir o quão falíveis somos diante do modo de vida contemporâneo ocidental. 

É só a partir desse exercício de honestidade e da leitura de nossas próprias fraquezas financeiras, diz ela, é que é possível traçar uma estratégia que colabore para a tomada de decisões mais conscientes. 

É possível fazer isso criando obstáculos que nos façam pensar mais devagar e, consequentemente, a tomar decisões mais certeiras. 

Seguindo os ensinamentos de Daniel Kanheman, teórico que combina a economia com a ciência cognitiva e é considerado o pai da economia comportamental, em seu livro Rápido e Devagar, Flávia diz que isso é fundamental para acionarmos a parte do nosso cérebro responsável pelas decisões mais consistentes e duradouras. “Isso é necessário para que a gente não aja impulsivamente e realmente reflita sobre os impactos de determinada decisão na nossa vida”, diz ela. 

Uma forma simples de fazer isso para alguém como eu que adora comer fora de casa, por exemplo, é estipular um limite: restaurante apenas uma vez na semana. Esse pequeno obstáculo mental me fará pensar nas consequências de ignorá-lo ou não. 

Ao fazer isso, diz Flávia, eu vou acabar avaliando a situação mais a fundo do que faria normalmente, avaliando o impacto desse gasto nas contas e até mesmo considerando a possibilidade de adiar a ida ao meu restaurante favorito para o mês seguinte só para ficar em paz com a minha própria consciência. 

Como usar a tecnologia para sair do sedentarismo financeiro 

A mesma tecnologia que facilita o gasto, também facilita o controle de gastos, a poupança e os investimentos. Não à toa, as fintechs da área estão conquistando os brasileiros. 

Considerando isso, será que o papel da tecnologia não é mais positivo do que negativo? Afinal, fazer uma aplicação e ver o saldo subindo na tela do celular não traz tanto prazer quanto passar o cartão para comprar aquela roupa que ficou boa em você? 

No geral, a resposta para essa pergunta é sim. Mas Flávia lembra que a grande questão com os investimentos é que nós, seres humanos, temos uma certa vocação para a inércia. Mais do que isso: temos a tendência de ficar paralisados diante do exceso de informações que geralmente a possibilidade de investir traz. 

Planejadores financeiros e economistas sempre dizem que precisamos descobrir nosso perfil de investimento (conservador, moderado ou arrojado) e também pensar primeiro no que queremos fazer com o dinheiro para só então escolher o investimento adequado para tal objetivo. 

Mas diante dessa vocação humana para a inércia, Flávia diz que a tecnologia pode ser uma aliada. 

“Que tal aproveitar a mesma desatenção que temos em relação àquele pagamento recorrente no cartão de crédito e fazermos algo parecido com os investimentos?”. Ela sugere um plano de previdência privada ou outro tipo de investimento mais conservador que necessite de um pequeno débito em conta todos os meses como uma boa forma de sair do sedentarismo financeiro.

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