Populares por serem até 70% mais baratos do que os seguros oficiais, os serviços de proteção de veículos oferecidos por associações e cooperativas estão oficialmente sob cerco fechado. Acusadas de vender um seguro sem autorização, e muitas vezes deixarem o cliente na mão, 15 entidades foram multadas no fim de janeiro pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), autarquia de fiscalização ligada ao Ministério da Fazenda.
Somadas, as multas chegam a R$ 331 milhões uma amostra das punições pesadas que o órgão tem tentado impor. Fora isso, as entidades são alvo de investigação pelo Ministério Público (MP) em todo o Brasil. Há pelo menos seis inquéritos em andamento no Paraná. Os mais antigos começaram em 2011.
A fiscalização do MP e da Susep não tem sido suficiente para impedir a atuação do ramo. Com a facilidade de se criar uma associação bastam diretoria e estatuto formalizados , as entidades mudam de razão social ou usam o nome de "laranjas" para evitar intimações. Isso explica por que, mesmo com 350 processos administrativos, que geraram 120 representações ao MP pela Susep e liminares já concedidas pela Justiça, poucas empresas foram fechadas nos últimos anos.
Uma das entidades investigadas desde 2011 pelo MP-PR é a Associação de Pastores e Ministros do Brasil (Aspem). Por telefone, a associação informou à Gazeta do Povo que outra entidade a Brasil Protege comprou a antiga empresa. O plano para donos de veículos da Brasil Protege promete todo tipo de cobertura e ainda reboque. Segundo uma atendente, são cerca de 2 mil membros apenas na capital.
Riscos
Os serviços das associações são arriscados por dois motivos. O principal deles é que a entidade pode argumentar que o cliente perde a condição de consumidor ao assumir a de associado. Portanto, em tese, seria mais difícil apelar ao Código de Defesa do Consumidor em caso de problemas.
As entidades também não estão obrigadas a oferecer qualquer garantia da saúde financeira necessária para arcar com as obrigações previstas nos contratos. Daí as principais reclamações feitas a Procons e à própria Susep: serviços não entregues ou feitos pela metade, mesmo quando o associado tem todos os boletos em dia. Em 2013, a superintendência registrou 290 reclamações, das quais 34 serviram de base para processos administrativos.
Segundo o advogado Flávio Caetano de Paula, o cliente que se sentir lesado tem condições de juntar provas para buscar a Justiça, mesmo que o contrato firmado com a instituição o classifique como associado. "O importante não é o nome jurídico que é dado às entidades, mas a natureza delas", diz ele, que é membro do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon). Para o advogado, está claro que a relação é de consumo, já que existe uma parte mais vulnerável do que a outra e o serviço é alvo de regulação.
Seguradoras agem para tentar proteger reserva de mercado
A Susep estima que o ramo de seguros não autorizados abrange hoje cerca de 500 associações no Brasil, que movimentam dezenas de milhares de contratos de proteção veicular, raramente tributados. Em 2012, eram cerca de 280 entidades.
Boa parte das associações nascem em Minas Gerais e no Espírito Santo e estendem serviços para outros estados por meio da internet e de pequenos escritórios. Esse universo paralelo crescente é uma ameaça real às seguradoras, que têm se esforçado para reunir provas e iniciar investigações.
No Paraná, o Sindicato dos Corretores e Empresas Corretoras de Seguros do PR (Sincor-PR) já enviou ao Ministério Público 22 denúncias referentes a 18 associações. "Estamos esperando uma medida, mas entendemos que é difícil", afirma o presidente do Sincor-PR, José Antonio de Castro.
Castro avalia que o principal apelo dos seguros ilegais são as condições de pagamento facilitadas. As mensalidades baixas contrastam com a promessa irreal da cobertura total contra roubo, incêndio, acidentes e problemas mecânicos. O Sincor tem recebido denúncias de consumidores que tiveram serviços negados ou que penam para conseguir o atendimento.
Vítima
Um deles é o empresário Vilmar José Rosa, dono de transportadora em São José dos Pinhais. Há dois anos, orientado por um corretor de seguros, Rosa adotou um plano de assistência para a sua frota de caminhões, na época financiados. Em 2013, um veículo foi furtado e depois recuperado em um desmanche de São Paulo. A Associação de Proteção aos Transportadores de Cargas (Assotrans) bancou o conserto, mas Rosa não conseguiu a documentação porque as peças não têm procedência.
"Tentei conversar, disse que o caso era de perda total. Eles me mandaram procurar os meus direitos", diz. O empresário obteve liminar judicial favorável na 1.ª Vara Cível da comarca, mas a decisão foi anulada pela 6.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça sob o argumento de que a associação não exerceu seu direito à defesa. O processo está parado desde novembro.