Tudo ia bem, mas às vezes em um ritmo lento demais. O pequeno Victor, 10 anos, era dono de boas notas, não tinha dificuldades de aprendizagem e nem problemas de comportamento. Até que seus pais foram chamados à escola, o Colégio do Bosque Mananciais, uma grande surpresa.
O pai de Victor, o administrador de empresas Fabio Augusto Rodrigues, conta que ficou apreensivo ao receber o chamado do professor. “Eu pensava que eram chamados na escola apenas os pais de crianças que tinham algum problema, como a indisciplina. Mas no caso do Victor o professor queria fazer um alerta para o perfeccionismo dele”, conta.
Depois de um período de trabalho na escola e em casa, Fabio conta que o filho conseguiu lidar melhor com o medo da frustração, se soltar e ser menos metódico e perfeccionista. “Ele demorava demais para desenvolver uma atividade, fazia voltas e voltas procurando soluções perfeitas. Com as tarefas que a escola propôs, ele se mostrou um menino mais seguro e autêntico”, conta.
Assim como Victor acabava por ter seu desempenho prejudicado pelo medo de errar, muitas crianças passam por essa situação sem receber esse apoio da família e da escola. O resultado são birras, desistências e problemas de relacionamento no futuro, seja em relações de trabalho ou amorosas. Para descobrir maneiras de transformar os ataques de raiva das crianças em atitudes de perseverança e resiliência, a Gazeta do Povo ouviu especialistas da área da Psicologia e Educação. Confira como mostrar para as crianças que fazer bico ou emburrar a qualquer dificuldade não é eficaz como aprender a aceitar erros, dominar a frustração e perseguir seus sonhos.
Levantar rápido da queda
Logo no início da vida, a criança enfrenta situações em que nem sempre os seus desejos são atendidos, o que leva à frustração – desde a hora de mamar no seio da mãe até o momento de querer um enfeite da mesa da sala que não é brinquedo. Faz parte do desenvolvimento aprender estratégias para lidar com essa decepção, e esse é um momento em que a criatividade pode ser estimulada. Para a psicóloga Elaine Henning, em todas as situações da infância a criança pode ser direcionada para o “cai-levanta” que leva à resiliência. “Para encarar a frustração nada melhor do que treino. Desde pequeno, se o filho caiu, tudo bem, ele vai cair mesmo. Basta dizer para limpar o joelho e continuar a brincadeira. Aprender isso depois é mais difícil, na vida adulta as quedas são maiores.”
Do limão a limonada
Pais e professores devem aproveitar as experiências de frustração das crianças para falar de superação e persistência. Quando algo não sai como esperado, é o momento de ensinar as crianças a entenderem o porquê, segundo a autora do livro “Professores e Estilos de Liderança”, Ana Priscila Batista, doutora em Educação e professora do curso de Psicologia da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro). Os pais devem ajudar os filhos a encontrarem alternativas diante de um problema. Assim, a criança aprende que quando não conseguir algo, pode tentar fazer de um jeito diferente. “Além disso, os adultos também podem organizar o ambiente de tal modo que a criança consiga realizar algumas atividades e, assim, aprenderem que conseguem fazer, o que propicia o aprendizado da autoconfiança, uma habilidade também bastante desejada”, diz.
Autoestima em ordem
Pais não devem salientar e comparar os erros dos filhos e os acertos dos outros, isso traz a percepção de que a criança não pode se equivocar, do contrário não será aceita. Ao mesmo tempo, é importante avaliar bem as circunstâncias: se dizemos que algo é fácil e a criança sente dificuldade, ela vai achar que tem algo de errado em si mesma e desanima. Por outro lado, se dizemos que é difícil e ela consegue, a sensação é de superação e valorização, o que diminui a frustração dos erros. Como em qualquer aprendizado, o treino é essencial. Não se aprende a tolerar o erro acertando. É importante não privar a criança do erro totalmente e mostrar compreensão quando ela estiver chateada. “Enquanto a tolerância está se desenvolvendo, não ajuda dizer que não há motivos para se irritar, afinal é o que a criança está sentindo e precisa ser acolhida”, diz a psicóloga e psicopedagoga Verônica Tatsch Dias.
Nada de superproteção
Saber esperar para ser atendido, querer algo e não ganhar, esperar a mãe terminar de assistir seu programa antes de colocar no canal de desenhos, por exemplo, são bons exercícios para as crianças, segundo a psicóloga Yanne Gonçalves, mestre em Psicologia. O problema surge quando os pais tentam evitar qualquer tipo de frustração dos filhos e, assim, não permitem que os pequenos desenvolvam habilidades essenciais para a vida adulta. Outra questão importante é que as crianças aprendem observando as pessoas que amam. “Pais que apresentam dificuldades de lidar com as frustrações, que perdem a paciência fácil, acabam passando isso para os filhos”, alerta. Mas o medo da superproteção não deve levar ao extremo oposto, tudo tem o seu equilíbrio e é preciso que pai e mãe entrem em um consenso de como atuar em cada situação.
Definir uma meta e ter bom humor
Estabelecer objetivos e critérios de sucesso evita a dispersão, a sensação de insatisfação e a falta de sentido. Depois de ajudar os filhos a terem esse horizonte claro nas atividades, é bom ensiná-los a planejar etapas, prazos e recursos.
Um ambiente otimista em todo o processo, por outro lado, é essencial, mesmo que os resultados deixem a desejar. Na realidade, pouco acontece como planejado, mas se há trabalho duro e persistência, as atividades são bem-sucedidas.
Festejar as tentativas, e não só quando a criança consegue fazer algo, também é importante. Pesquisas apontaram que diante de uma demanda específica, crianças que eram elogiadas pelo seu esforço tinham um desempenho melhor do que aquelas que eram elogiadas pela sua inteligência, porque persistiam mais.
Na escola também se aprende a perseverar
Professores contribuem quando colocam nas atividades escolares estímulos para desenvolver a inteligência emocional, o autoconhecimento, o autocontrole, a empatia e o relacionamento. O diálogo para que os alunos interiorizem essas experiências e tirem conclusões é fundamental. “Professores podem usar dinâmicas e projetos que estimulem habilidades como proatividade, o pensamento crítico, a perseverança, a curiosidade, a colaboração e a comunicação”, afirma o consultor em Educação Marcio Cohen, mestre em Matemática e em Administração e gestor da plataforma de ensino Eleva. Mesmo que os adultos possam recuperar essas qualidades no futuro, segundo a pesquisadora Carol Dweck, psicóloga de Stanford que estuda plasticidade neural, é mais fácil e causa menos sofrimento adquirir essas competências na infância.