É possível conciliar a laicidade do Estado e o Ensino Religioso nas escolas? Para os defensores da disciplina, a resposta é positiva e costuma estar baseada no respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil e na proibição de qualquer forma de proselitismo dentro das salas de aula asseguradas pela legislação federal. Na prática, no entanto, parece difícil que as escolas consigam garantir que essa ampla diversidade religiosa seja contemplada no currículo de forma a não excluir ou constranger os alunos ou que seus professores tenham a objetividade necessária para tratar o tema sem enfatizar suas crenças pessoais.
Fato é que a oferta do Ensino Religioso nas escolas públicas do país é obrigatória e está previsto tanto na Constituição como na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). O que muitas famílias desconhecem, no entanto, é que a matrícula na disciplina é facultativa, ou seja, que o aluno pode optar por não frequentar essas aulas e não pode ser penalizado por isso. Mas aí surge outro problema: o que esse estudante fará na escola enquanto os demais assistem às aulas?
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“A escola não é o espaço para o ensino de doutrinas religiosas, dos valores de alguma religião, que é o que [o Ensino Religioso] promove, na prática”
Essas questões costumam estar no centro do debate que envolve o Ensino Religioso nas escolas, e que parece distante de um consenso. Para se ter ideia, em 2010 a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou uma ação de inconstitucionalidade pedindo o reconhecimento da natureza não confessional da disciplina – a matéria ainda aguarda julgamento pelo Superior Tribunal Federal (STF). De acordo com a ação, o Ensino Religioso só poderia ser ofertado se seu conteúdo programático consistisse na exposição das histórias e práticas das diferentes religiões, e não na doutrinação religiosa.
O argumento, inclusive, está em linha ao que propõe a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que irá nortear a educação básica no país e que trata o Ensino Religioso não como um conteúdo, mas como uma área de conhecimento à parte das Ciências Humanas. A segunda versão do texto apresenta o “caráter notadamente não confessional” da disciplina, “tendo em vista a educação para o diálogo e convívio entre pessoas religiosas, agnósticas e sem religião”.
Até que o tema seja julgado e/ou a BNCC finalizada e aprovada, no entanto, os estados têm autonomia para elaborar as diretrizes da matéria, o que faz com que o estudo da disciplina nas redes públicas de educação não apresente, necessariamente, uma unidade.
Formação dos professores também é desafio para o ensino da disciplina
A formação dos professores é outro aspecto que sustenta a discussão sobre o Ensino Religioso no Brasil. Boa parte dos docentes que ministram as aulas não têm formação específica na área, mas sim em outras licenciaturas.
Leia a matéria completa“Desde a década de 1990, os estados e municípios têm criado suas próprias leis para a oferta do Ensino Religioso a partir de modelos completamente diferentes, confessionais, não confessionais e pluriconfessionais, por exemplo, o que fere o direito das famílias e das crianças. A escola não é o espaço para o ensino de doutrinas religiosas, dos valores de alguma religião, que é o que esta disciplina promove, na prática”, pontua Amanda Mendonça, coordenadora do Observatório de Laicidade na Educação.
Escolas estaduais
Nas escolas públicas do Paraná, o Ensino Religioso é ofertado no sexto e no sétimo anos da educação fundamental. A disciplina tem carga de 40 horas anuais, o que corresponde a 5% das 800 horas/aula do calendário letivo.
“Como instituição mantenedora, temos a obrigatoriedade, de acordo com a LDB, de ofertar a disciplina. A matrícula do aluno nela, porém, é facultativa, e ele não pode ser reprovado na matéria, cujo processo de avaliação se baseia no acompanhamento do entendimento do estudante sobre o tema, e não na nota”, explica Cassiano Ogliari, chefe do departamento de educação básica da Secretaria de Estado de Educação (Seed).
“(...) é preciso conhecer [o sagrado] para se respeitar o outro e não o julgar por meio do seu ponto de vista”
Amanda lembra, no entanto, que pela estrutura da rede pública no país, as escolas não costumam avisar os estudantes sobre a possibilidade de não se cursar a disciplina – que deve ser ofertada no período no qual o aluno está matriculado. “As escolas também não têm como oferecer outra atividade e aquele aluno vai ficar ‘perdido’ na escola [enquanto os demais frequentam a aula de Ensino Religioso]”, acrescenta. Tal fato pode contribuir para que, por já estarem na escola, a grande maioria dos estudantes paranaenses esteja matriculado na disciplina, como conta Ogliari.
Em defesa da matéria, Renata Caroline Zanquetta Cardozo, técnica pedagógica de Ensino Religioso do departamento de educação de básica da Seed, destaca a importância do tema para que os alunos aprendam a respeitar uns aos outros.
“Se for aplicado da forma como as diretrizes apontam, o Ensino Religioso só vem a complementar a formação humana, uma vez que nele você trabalha valores morais e destaca que o sagrado existe para todos os seres humanos e que é preciso conhecê-lo para se respeitar o outro, e não o julgar por meio do seu ponto de vista”, explica.
A coordenadora do Observatório de Laicidade na Educação rebate tal argumento destacando que valores como solidariedade, cidadania e amor ao próximo devem ser trabalhados por todos os profissionais da escola, sem que seja necessário haver uma disciplina específica para isso. Ainda segundo ela, pesquisas têm mostrado que o ensino religioso leva à discriminação e à exclusão de vários grupos dentro da escola, especialmente os ligados às religiões de matriz africana ou a outros segmentos minoritários, como os homossexuais e as mulheres.
No Paraná, Ensino Religioso contempla quatro matrizes religiosas
De caráter não confessional, as diretrizes curriculares para o Ensino Religioso nas escolas públicas do Paraná datam de 2008 e não se baseiam no ensino de uma determinada religião, mas sim no estudo de quatro diferentes matrizes religiosas: oriental, indígena, africana e ocidental, sendo cada uma delas composta por diferentes religiões.
“Procuramos não trabalhar especificamente a religião, mas as matrizes religiosas de forma a entender o contexto de sua produção e a contribuição delas para a formação do povo brasileiro, respeitando o princípio constitucional da laicidade e a pluralidade de religião”, explica o chefe do departamento de educação básica da Secretaria de Estado de Educação (Seed), Cassiano Ogliari.
Isso, por sua vez, promove a interdisciplinaridade do tema, uma vez que ele envolve questões da História, Geografia, Sociologia e Filosofia, por exemplo. Alguns especialistas defendem, inclusive, que os conteúdos abordados no Ensino Religioso deveriam ser absorvidos por estas disciplinas, e não tratados como áreas de conhecimento à parte, como são mantidos na proposição da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
“A religião é parte da vida em sociedade e aparece em outras disciplinas. [Além disso], não é possível abarcar todas as religiões no Ensino Religioso, o que fará com que algumas delas sejam excluídas, assim como aqueles [alunos] que não têm religião”, pontua Amanda Mendonça, coordenadora do Observatório de Laicidade na Educação.
Para Renata Caroline Zanquetta Cardozo, técnica pedagógica de Ensino Religioso do departamento de educação de básica da Seed, tal fusão não é possível, uma vez que, assim como as demais disciplinas, a matéria tem seu objeto de estudo específico: o sagrado.
Ainda segundo ela, a partir deste objeto, o Ensino Religioso é estudado por meio de conteúdos como a paisagem religiosa (templos e locais de adoração), o universo simbólico (os símbolos que as religiões utilizam para professar a sua fé) e os textos sagrados, que podem ser orais ou escritos. “Destes três conteúdos estruturantes nasce a proposta do conteúdo básico que orienta o professor no desenvolvimento de como ele trabalhará o tema”, afirma Renata.
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