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Índice de Desenvolvimento Humano não mede qualidade real da educação de um país

“Fatores estão medindo estoque e fluxo, mas supondo que um ano de estudo no Brasil é igual, por exemplo, a um ano de estudo nos EUA”, diz especialista. | Elza Fiúza/Agência Brasil
“Fatores estão medindo estoque e fluxo, mas supondo que um ano de estudo no Brasil é igual, por exemplo, a um ano de estudo nos EUA”, diz especialista. (Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil)

Índices educacionais de uma população refletem diferentes níveis de qualidade de vida – uma população mais educada tem, por exemplo, maior possibilidade de mobilidade social.

Mas os aspectos da educação incluídos no cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) são controversos: por um lado, o IDH se prova um indicador limitado do desenvolvimento de um país; por outro, os fatores adotados para mensurar a educação não indicam, de fato, a qualidade do sistema educacional. 

No Brasil, a educação faz parte do cálculo do IDH com dois elementos: taxa de alfabetização e tempo de permanência na escola. Mas a participação destes fatores gera controvérsia: a taxa de alfabetização, por si só, não é um indicador do nível de educação. Além disso, o número de anos que uma pessoa passa na escola não indica necessariamente que esse tempo foi bem aproveitado. 

“Nada disso mede qualidade. Estes fatores, na verdade, estão medindo estoque e fluxo, mas supondo que um ano de estudo no Brasil é igual, por exemplo, a um ano de estudo nos EUA”, diz Kaizô Beltrão, doutor em Estatística pela Universidade Princeton e professor na Fundação Getúlio Vargas (FGV). 

Ryan Davey, economista e diretor da sea3consulting, consultoria de pesquisa e análise econômica voltada para o terceiro setor, corrobora a tese:

Medidas de educação no cálculo do IDH podem nos informar sobre a quantidade de educação de um país, a média de quanto tempo as pessoas recebem educação formal, mas não falam sobre a qualidade da educação de um país: se as pessoas conseguem aprender coisas que lhes dão habilidades que as tornem mais produtivas no mercado de trabalho. 

Discrepâncias 

Mundialmente, as duas variáveis utilizadas são anos médios de escolaridade e anos de escolaridade esperados. O primeiro é puramente o número médio de anos completos de educação de uma população. Já os anos de escolaridade esperados são definidos como o número de anos de escolaridade que uma criança em idade de ingresso na escola pode esperar receber. 

As diferenças entre as medidas utilizadas no Brasil e no mundo são explicadas por especificidades das informações coletadas no Brasil. “O que está sendo feito pelo Pnud [Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento] para atender ao Brasil tem alguma diferença em relação ao que é feito pelo próprio Pnud para o IDH global. São situações de informação diferenciadas”, diz Daniel Nojima, diretor do Centro de Pesquisa do Ipardes (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social). 

Essas distinções trazem problemas de comparação entre os países: sem uniformidade dos fatores analisados e dos dados coletados, o ranking pode ser formado com discrepâncias, o que prejudica o objetivo principal de um levantamento comparativo. 

“O IDH é uma proposição para o país, justamente para você fazer uma comparação internacional. Então começamos a esbarrar no problema da disponibilidade da informação. Por exemplo, o Brasil tem um indicador extremamente eficaz que é o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Mas quais países fazem o Ideb exatamente igual ao Brasil? Existem países que nem mesmo possuem um sistema de avaliação. Outros têm metodologias completamente diferentes”, aponta Nojima. 

Objetivo por si 

Além da improbabilidade de comparações equilibradas, as medidas de educação utilizadas no cálculo do IDH são limitadas para o retrato da própria qualidade do sistema educacional – tanto a taxa de alfabetização quanto o tempo de permanência na escola são medidas quantitativas, e não qualitativas. 

“Eles não dizem nada sobre a qualidade da educação que um aluno recebe. Ele simplesmente nos diz em média quantos anos o aluno médio recebeu educação”, diz Ryan Davey. 

Segundo ele, o modo como é feita a inclusão da educação no índice faz com que os fatores se tornem um objetivo por si só, quando deveriam ser indicadores de caminhos para o objetivo final: a melhoria da educação do país. 

“Isso pode constituir um incentivo para que os países maximizem taxas de matrícula e o total de anos que um aluno passa a ser educado. Estas não são coisas ruins, mas a qualidade da educação e o foco no aumento das habilidades produtivas dos estudantes graduados podem ser ignorados se essa for a postura adotada”, pondera Davey. 

Indicador falho 

A limitação das medidas não é um problema exclusivo da educação; o IDH é considerado uma caracterização incompleta do desenvolvimento devido à simplificação dos fatores que o compõem – o índice criado em 1990 pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq dentro do Pnud atribui aos países nota de 0 a 1 composta por três fatores de desenvolvimento: PIB per capita, expectativa de vida e educação. 

“O IDH tem um escopo limitado. Ele não pode oferecer um retrato completo do desenvolvimento humano em qualquer situação”, aponta Selim Jahan, diretor do Escritório para o Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU. 

Isso o torna um indicador falho do sucesso ou do fracasso das políticas de um país, conforme indica pesquisa de Melih Sever, professor de Finanças e Administração na Universidade Suleyman Demirel, da Turquia. 

“Ele sofre de muitos problemas: poucos indicadores para monitorar por uma questão de simplicidade; indicadores mal escolhidos; problemas metodológicos; falhas de cálculo e problemas de troca entre variáveis”, diz Sever. 

Qualidade de vida 

Mas o caráter limitado do IDH, especialmente nos aspectos que mensuram educação, não afetam seu principal objetivo. Segundo Nojima, o índice não se propõe a mensurar a qualidade da educação, mas apenas indicar fatores básicos de qualidade de vida: 

Eles não têm a intenção de medir qualidades. No caso da educação, captura-se exatamente isso: percentual da população que teve acesso ao ensino formal e em que medida. No Brasil, o que se procura é o número de pessoas com 18 anos que completaram o ensino fundamental. E quanto essas gerações de formação básica atual estão de fato entrando na escola. 

Nojima afirma que não se pode esperar que o IDH refletirá qualidade efetiva de ensino. “Você está capturando uma medida mínima de bem estar, no caso da educação, crianças e jovem que estão frequentando a escola, e adultos e jovens com bom número de anos de estudo”, ressalta. 

Para ele é possível analisar os fatores em busca de sinais de melhorias e dos pontos que precisam ser desenvolvidos na educação. No caso da educação brasileira, o índice inclui apenas o ensino fundamental, e isso reflete as melhorias que precisam ser feitas no ensino médio. 

“Você precisa evoluir o nível médio, principalmente a questão da evasão. Esse é um indicador diferente que refletirá em outro que o próprio IDH trabalha”, conclui.

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