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Risco de suicídio entre alunos de medicina exige cuidados 

Estudos rindicam alta prevalência de depressão entre estudantes de medicina. | Cecília BastosUSP Imagens
Estudos rindicam alta prevalência de depressão entre estudantes de medicina. (Foto: Cecília BastosUSP Imagens)

Entre março e abril de 2017, pelo menos seis tentativas de suicídio ocorreram entre alunos do quarto ano de medicina da USP (Universidade de São Paulo). Os casos geraram mobilização nas redes sociais e na universidade, que instituiu um grupo de apoio psicológico para atendimento individualizado dos alunos e uma linha telefônica que funciona 24 horas por dia. Mais do que isso: os episódios chamaram atenção para um problema que parece se repetir nos cursos de medicina e exige uma resposta imediata por parte das universidades e das famílias.

As causas para o alto nível de problemas de saúde mental entre alunos de medicina é apontada em pesquisa publicada pela revista científica britânica Student BMJ. “Estudantes muitas vezes têm um calendário implacável de exames, além de ter que controlar a tensão emocional de ver pacientes doentes e ainda manter altos padrões profissionais”, escreve o editor da Student BMJ, Matthew Billingley. 

No Brasil o Centro de Valorização da Vida (CVV) está disponível 24 horas por dia. Precisou de auxílio? Basta discar 141.

Estudos realizados em 43 países corroboram esta conclusão: há uma alta prevalência de depressão entre estudantes de medicina. De acordo com os dados coletados, cerca de 11% dos estudantes deles apresentam tendências suicidas e 27% tiveram quadros de depressão ou sintomas depressivos – o número é até cinco vezes maior do que a média da população geral para essa faixa etária. Desse grupo, apenas 16% procuram tratamento psicológico ou psiquiátrico

Desempenho x risco 

Paradoxalmente, o desempenho acadêmico é apontado como uma das principais causas para depressão e suicídio entre estudantes do curso: quanto melhor o desempenho do aluno, maior o risco de suicídio, aponta estudo realizado pela pesquisadora Alexandrina Meleiro, que integra a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). 

“Pessoas com um traço de personalidade mais perfeccionista ou obsessivo têm uma tendência a serem alunos extremamente dedicados e intolerantes ao erro. Na maior parte das vezes essas pessoas gastam muito tempo e energia com os estudos, abdicando de outras áreas importantes da vida. A frustração frequente, a ansiedade, a falta de atividades de lazer são gatilhos para o surgimento de algum quadro de doença psiquiátrica”, explica Sarah Rückl, psiquiatra e doutora em Medicina pela Universidade de Heidelberg. 

“São jovens ensinados e cobrados para não errarem, não terem dúvidas, não se mostrarem frágeis. Se eles não podem errar, não podem se mostrar frágeis, então também não buscarão auxílio. É um ambiente onde não há autorização para sofrer”, completa Josiane Knaut, mestre em Psicologia e professora dos cursos de Psicologia e Medicina da Universidade Positivo (UP). 

Além do glamour

Os estudantes, ao perceberem que sua concepção de profissional perfeito, com erro zero, é impossível, podem ter um pensamento dicotômico. “Se eu não for perfeito, quer dizer que serei um péssimo médico. Essa visão negativa em relação ao seu futuro profissional também contribui para esse risco maior”, diz Sarah. 

Para ela, quando sintomas como ansiedade e depressão estão presentes, existe um grande prejuízo funcional e pessoal – e no meio médico ainda há muito preconceito contra diagnósticos psiquiátricos. Além disso, muitas vezes médicos têm uma tendência de se automedicar e evitar procurar ajuda. 

Para Marcelo Daudt von der Heyde, professor do curso de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e vice-presidente da Associação Paranaense de Psiquiatria (APPSIQ), é inegável que a graduação exige um aprendizado intenso em um curto período de tempo; dessa forma, as consequências afetam de modo importante a qualidade de vida desses estudantes. 

Heyde aponta outro fator importante: a hierarquia presente na escola de medicina. No ambiente acadêmico, ao invés de haver cooperação, estudantes são constantemente humilhados por aqueles em posição superior: “Na hierarquia, o estudante de medicina está na posição mais inferior. A mistura de todos esses fatores faz com que ele adoeça e tente o suicídio”. 

Um estudo realizado pelo médico e pesquisador Douglas Mata, clínico geral no Brigham and Women’s Hospital, nos EUA, reuniu dados sobre o índice de depressão entre estudantes de medicina no mundo desde o começo da década de 1970 e revela que os números se mantêm altos, sem sinais de declínio. 

Mata afirma ainda que os alunos dos cursos de medicina entram na universidade com saúde mental melhor do que os colegas de outras licenciaturas. Mas ao longo da vida acadêmica a incidência de depressão aumenta, muito devido ao contato com situações clínicas traumáticas. 

“O currículo foca no aprendizado voltado para a doença e para o doente. Aprende-se sobre o processo da doença e da morte do ponto de vista biológico, mas o processo subjetivo pelo qual passam doente, familiares e o próprio médico não é abordado”, diz Heyde. 

“Ao se deparar com o sofrimento e a vulnerabilidade, posso me dar conta da minha fragilidade. Esse processo precisa ser trabalhado, até mesmo para termos médicos mais humanizados, uma vez que as defesas psíquicas utilizadas por muitos estudantes podem incluir desde um relacionamento distante e pouco empático com o doente até mesmo abuso de substâncias e consequente adoecimento mental”, completa. 

Estudantes vs. Universidade 

Alunos também apontam a exigência do currículo e a atmosfera de alta pressão como maiores fatores de desgaste para a saúde mental; para eles, as maiores dificuldades se concentram a partir da metade curso, fase onde os problemas são agravados. 

“Estamos mais próximos da formatura e já não há mais aquela idealização da profissão que existia quando entramos na faculdade”, diz um estudante, que pediu para não ser identificado. “Não temos tempo para nada, além de disputas tolas para ver quem se sai melhor dentro de nosso próprio ambiente”. 

Para Iain Cameron, presidente do Conselho de Escolas Médicas (MSC) do Reino Unido, as escolas de medicina precisam levar a saúde mental de seus alunos a sério: “É crucial que estudantes que têm preocupações sobre sua saúde tornem isso público, de forma que as universidades possam fornecer o apoio necessário”. 

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