As regras que norteiam o sistema educacional indígena no Brasil são determinadas pelo Ministério da Educação (MEC) com base em seis metas principais que simplificam, mas não refletem de forma realista, a educação indígena no país.
A partir da Constituição de 1988, as escolas indígenas, inseridas no sistema educacional brasileiro, possuem características de serem comunitárias, interculturais, bilíngües, específicas e diferenciadas.
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Isso se dá por meio de diversos aspectos, como o uso da língua indígena; sistematização de professores índios; adoção de um calendário que se adapte ao ritmo de vida e das atividades cotidianas; elaboração de currículos diferenciados, além da participação efetiva da comunidade na definição dos objetivos e rumos da escola.
Seria um sistema educacional moldado na preservação da cultura indígena, sobretudo no que tange à língua materna – oral e escrita –, e a língua portuguesa também seria ensinada para facilitar a comunicação com o mundo não indígena, inclusive sobre os seus direitos Constitucionais.
Números
Os últimos dados oficiais divulgados em 2015 pelo Instituto Nacional de Estudo e Pesquisas Educacionais (INEP) indicavam a existência de 3.085 escolas em terras indígenas, das quais 2.877 de ensino fundamental nos anos iniciais, e esse número cai para 1.384 nos anos finais.
O censo escolar indígena mostra também um total aproximado de 270 mil estudantes – 43,5% entram na primeira série do ensino fundamental e praticamente metade (25,2%) o conclui. Já no ensino médio esses números são mais desastrosos, com 366 escolas (11,9%) e apenas 27.451 alunos (10,4%).
Segundo André Ramos, indigenista e historiador há 20 anos, há uma concentração de estudantes no ensino fundamental. “As aldeias não têm estrutura de ensino do 5º ao 9º ano. O próprio censo mostra que há uma exclusão”, diz.
A responsabilidade pelas escolas indígenas cabe diretamente às Secretarias Estaduais ou Municipais dos estados.
“Essa vinculação já é um problema basilar, predominando a visão colonial do sistema educacional. Para o Ministério da Educação, os 200 dias letivos devem ser necessariamente em sala de aula, mas como pode uma criança indígena não participar da tinguejada (tipo de pescaria coletiva nas tribos)? É uma forma de conhecimento também, de aprender com os pais algo que irá ensinar aos seus filhos. A escola acaba intervindo nas práticas tradicionais, pois alguns pais não levam os filhos para que não percam aula”, complementa o historiador.
Para Ramos, que também está à frente da COPE (Coordenação de Processos Educativos da FUNAI), a elaboração de currículos diferenciados é a abordagem do conhecimento – seja em ciências, em matemática, sobre as águas, sobre a natureza – a partir da visão e das necessidades dos próprios índios.
“Falta uma compreensão e aceitação de que existem povos e culturas diferentes. É preciso respeitar as pedagogias dos povos”, completa.
Como deveria funcionar
Apesar de o artigo 78 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 estabelecer que “desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilíngüe e intercultural aos povos indígenas, com os objetivos de: I. Proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas, a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências; e II. Garantir aos índios, suas comunidades e povos o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não indígenas”, o que acontece de fato está longe do determinado há mais de 20 anos.
Para aqueles estudantes que superam as etapas dos ensinos fundamental e médio e ainda almejam ingressar no ensino superior, os percalços continuam, mesmo com o sistema de cotas para o ingresso de estudantes indígenas em algumas universidades do país.
Para isso, o interessado, mesmo vindo de uma situação escolar desigual, deverá participar do ENEM (Lei 12.711, regulamentada pelo Decreto nº 7.824/2012). Além disso, há o Programa Bolsa Permanência do MEC (portaria n. 389 de 9 de maio de 2013) que garante cerca de R$ 900,00 ao mês para que esses estudantes possam se afastar das atividades laborais das tribos e continuarem em sala de aula.
Superação
Shirlene Sampaio, indígena e estudante do curso de Gestão Pública no Instituto Federal de Brasília (IFB), deseja finalizar o curso e retornar à sua tribo Tukano para utilizar o conhecimento adquirido para ajudar seu povo que vive a 100 km do município de São Gabriel da Cachoeira, na fronteira entre Venezuela e Colômbia.
Segundo a estudante, não há muito interesse em ter os direitos indígenas efetivados uma vez que não há estrutura e as escolas são precárias. “Eu não tive escolha, já que na minha aldeia só tinha até a 4ª série e a Lei de Diretrizes e Bases ainda não existia. Tive que ir para o centro-oeste estudar”, conta.
Shirlene ressalta que é importante que índios tenham a consciência de preservar e perpetuar a própria cultura mesmo com o contato com os não-indígenas.
“A maioria das crianças já nasce falando português para poder buscar uma chance de estudo ou de trabalho nas cidades próximas. Mas é importante praticar a língua materna, por mais difícil que seja”, diz.
Além das vagas para cotistas, há ainda a possibilidade de ingresso nas universidades por meio do vestibular indígena que ocorre, além da capital federal, em 4 estados do Brasil: Paraná, Amazonas, Pará, Roraima.
“Se observa que, para o indígena que vem da aldeia, é muito mais justo o vestibular específico do que o sistema do ENEM. O índio concorre de igual para igual. Mas são pouquíssimas as oportunidades pelo país”, afirma André Ramos.
Como não deve funcionar
No início do ano, na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMT), foi discutida a “Qualidade da Educação Escolar no Território Xavante” durante o III Fórum Tsihorirã, espaço autônomo e permanente de discussão e articulação para o fortalecimento da educação escolar indígena no território Xavante.
Os pontos focais foram, ironicamente, os garantidos nos tais documentos oficiais: efetivação do currículo escolar diferenciado, aprendizado da língua materna e escolas de qualidade para que o estudante possa permanecer na aldeia, sem ter que ir para as cidades para estudar.
Especialistas acreditam que as propostas oficiais para a educação indígena são, sem dúvida, bons documentos de proteção e manutenção da cultura dos índios. Outras minorias não têm suas raízes históricas respaldadas tão claramente na Constituição. Mas de nada adianta sancionar sem efetivar.
O que, de fato, os índios têm hoje são falta de infraestrutura e ausência de representação indígena nos Conselhos de Educação, além de discriminação e preconceito dos órgãos públicos.
“O índio tem consciência de que necessita preservar suas tradições. Isso se vê nas reuniões. Como também tem consciência das dificuldades do enfrentamento”, afirma Ramos.
Para ele, não se estrutura um sistema de educação diferenciado e específico, como o indígena, de fora para dentro: esse método foi imposto há 500 anos e já teve sua ineficiência provada.
Para os índios, é preciso que haja sinergia entre educação oficial e tradição, onde uma complementa a outra, uma interage permanentemente com a outra, com troca de conhecimentos e perpetuação de aprendizados constantes.
Colaborou: Andressa Muniz