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opinião

Universidades públicas produzem quase todo conhecimento científico do Brasil

 | Ana Gabriella AmorimGazeta do Povo
(Foto: Ana Gabriella AmorimGazeta do Povo)

Em 25 de janeiro, a Gazeta do Povo publicou a matéria intitulada “De primeiro mundo: salário pago a professores estrangula contas de universidades públicas”, que induz o leitor a interpretar que a remuneração dos professores universitários é responsável pela delicada situação financeira do ensino superior público no país. A Associação dos Professores da Universidade Federal do Paraná Seção Sindical do ANDES-SN (APUFPR-SSind) vem a público para contrapor alguns pontos equivocados da matéria. 

A matéria da Gazeta do Povo equivocadamente compara a folha de pagamento dos docentes das universidades públicas com a dos que atuam na iniciativa privada. No entanto, talvez pela falta de apuro jornalístico, essa análise se baseia em argumentos questionáveis, já que não é metodologicamente viável comparar elementos distintos. 

A matéria dá a entender que as atribuições dos professores do ensino público e do privado são as mesmas. Além de ser um pensamento simplista, isso não corresponde à realidade. Ser docente em uma instituição pública vai muito além de lecionar em sala de aula e aplicar provas. Os professores das universidades estaduais e federais se dedicam intensamente a pesquisas de profundo impacto econômico e social, função que a dinâmica da iniciativa privada não prioriza por sua própria essência. 

Ao ignorar essa característica, a matéria incentiva um entendimento que não diferencia a transmissão de conhecimento da produção de conhecimento. Tais ações são distintas e, em geral, podem se complementar apenas nas instituições públicas de ensino superior. 

A matéria também ignora, talvez por falta de conhecimento, que os docentes das instituições públicas de ensino superior desenvolvem projetos de extensão, responsáveis por colocar a comunidade acadêmica em contato direto com a sociedade, aplicando na prática o conhecimento adquirido e, simultaneamente, adquirindo novos conhecimentos. Essas trocas de experiências dão retorno imediato à comunidade ao mesmo tempo em que formam indivíduos pela prática cidadã. 

Salários 

A matéria apresenta ainda outra grave distorção ao comparar o salário dos professores titulares – os que estão no topo da carreira, em geral após 20 a 30 anos de trabalho e depois de ter comprovado extensa produção em ensino, pesquisa e extensão, bem como conhecimentos de alto nível – com o salário médio de docentes de outros países. Essa falha metodológica leva a compreensões equivocadas e injustas. Na Universidade Federal do Paraná (UFPR), por exemplo, os professores titulares correspondem a apenas 7% do quadro de docentes. 

Dados 

De acordo com o relatório Research in Brazil, disponibilizado pela Clarivate Analytics à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e divulgado em 17 de janeiro, não há produção de conhecimento científico relevante nas instituições particulares do país. Praticamente todo o conhecimento científico produzido no Brasil vem das universidades públicas. 

O levantamento se baseou no trabalho científico realizado entre 2011 e 2016. As 10 universidades mais produtivas e bem-conceituadas do país são públicas e gratuitas. A UFPR aparece em oitavo lugar entre as universidades com melhor desempenho em pesquisa no Brasil. O relatório do Banco Mundial, que foi divulgado em 21 de novembro de 2017 e propõe o fim do ensino superior gratuito no Brasil, não levou em conta essa produção. 

A Clarivate Analytics revelou também que o investimento de empresas privadas em Ciência e Tecnologia nos últimos anos foi quase nulo, com exceção do setor farmacêutico, que depende economicamente de suas próprias inovações. 

Novamente, a única empresa que investe de forma relevante em desenvolvimento tecnológico no Brasil é uma estatal: a Petrobrás. 

Realidade 

Vale ressaltar, ainda, que o que estrangula as contas das universidades são os sucessivos cortes do governo. Apesar de a matéria não citar, o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) vêm sofrendo severos cortes no orçamento. Em 2017, o MEC teve contingenciamento de R$ 4,3 bilhões. Em 2018, o MCTIC receberá uma verba 19% menor que a do ano anterior. 

Uma conclusão óbvia, mas que escapa à matéria, é que o problema do financiamento das universidades públicas não é o gasto com a folha de pagamento, mas o estrangulamento do orçamento global das instituições. Ao reduzir o orçamento, achata-se a proporção entre a folha de pagamento e o orçamento total. É uma obviedade quase pueril: se o governo reduz o orçamento ao valor da folha de pagamento, não sobra mais recursos para outras despesas. 

Ao sugerir a privatização das universidades públicas, o texto ignora as outras atribuições que vão além da prática do ensino – a pesquisa e a extensão – que são diferenciais nessas instituições por seu inestimável retorno social. 

O texto também ignora o alto índice de inadimplência do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) no Brasil, que supera 50% e custa mais do que todo o gasto com salários nas universidades federais. 

A matéria da Gazeta do Povo sugere ainda uma saída baseada no modelo chileno – vouchers para ajudar a custear as mensalidades –, sem levar em consideração que o país aprovou neste ano a gratuidade universal no ensino superior. Essa solução não se aplica nem mais no próprio país de origem. 

Em vez de se espelhar na visão predominante no continente europeu, onde a gratuidade do ensino é a regra e investimentos por estudante no sistema público são muito superiores, seus articulistas costumam sugerir saídas como o modelo norte-americano. Talvez queiram importar para o Brasil um sistema educacional que criou 45 milhões de cidadãos altamente endividados, que devem cerca de US$ 1,3 trilhão, um pouco menos do que todo o PIB brasileiro.

* Presidente da Associação dos Professores da Universidade Federal do Paraná (APUFPR).

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