Os presidentes americanos gostam de descrever sua nação como “uma cidade no alto de uma colina” – um exemplo reluzente a ser seguido por outros países. Mas a China agora está oficialmente se designando como outro exemplo a ser seguido pelo mundo, um exemplo de um molde político, econômico e cultural muito diferente.
“A bandeira do socialismo com características chinesas tremula ao alto para todos verem”, disse o presidente chinês, Xi Jinping, em um discurso do tipo maratona que fez na quarta-feira diante da elite do Partido Comunista.
“Ela indica que o caminho, a teoria, o sistema e a cultura do socialismo com características chinesas continuam a se desenvolver, abrindo um caminho novo para outros países em desenvolvimento alcançarem a modernização”, disse Xi no Grande Auditório do Grande Salão do Povo em Pequim.
“Ela oferece uma nova opção a outros países e nações que querem acelerar seu desenvolvimento, ao mesmo tempo preservando sua independência. Oferece sabedoria chinesa e uma abordagem chinesa à resolução dos problemas que se colocam para a humanidade.”
É claro que é muito questionável até que ponto o modelo chinês é bem-sucedido ou sequer aplicável a outros países. (Embora também seja fato que muitas pessoas fora dos Estados Unidos não veem a política externa de Washington como algo que inquestionavelmente beneficia o mundo, nem enxergam o sistema social dos EUA como exemplo a ser seguido.)
Desde que a China passou do comunismo para o capitalismo dirigido pelo Estado, o crescimento econômico do país vem sendo espantoso. Mas sua renda per capita ainda é minúscula, comparada à de lugares como Taiwan, Cingapura ou Hong Kong, controlada pela China. A China pode possuir a segunda maior economia do mundo em valor total, mas em termos per capita está entre o 70º e o 80º lugar no ranking de países.
O aumento da riqueza vem sendo acompanhado por disparidade crescente, poluição ambiental em escala maciça, corrupção desenfreada e um dos regimes mais repressores do planeta.
Para gerar capital barato para a indústria, a China conserva os juros reais negativos e impede a saída de dinheiro do país, na prática cobrando um imposto de seus cidadãos que não seria possível em muitos outros países. Mas ela também se beneficia da diligência incrível de sua população, somada às enormes dimensões de seu próprio mercado interno.
Mesmo assim, o Partido Comunista chinês vê os acontecimentos no Ocidente – desde a crise financeira de 2008 até a eleição de Donald Trump e até mesmo o Brexit – como fatos que vêm reiterar o valor de seu próprio sistema político e econômico. Na terça-feira a agência estatal de notícias Xinhua explicitou essa ideia, dizendo que a democracia ocidental é divisora, induz aos confrontos e é assolada por crises e caos.
Influência na África e na Ásia
É uma mensagem que encontra eco em outros Estados autoritários, como a Etiópia. Não há dúvida que o histórico econômico chinês atrai a inveja das pessoas em muitos países mais pobres, especialmente, talvez, na África, onde o histórico passado de influência ocidental e o tipo de prescrição econômica frequentemente defendida pelo FMI e o Banco Mundial nem sempre são vistos com bons olhos.
Uma pesquisa conduzida pelo Centro Pew de Pesquisas em 37 países indicou uma queda acentuada nos índices de visão positiva dos EUA este ano, com mais pessoas confiando em Xi Jinping para fazer a coisa certa no palco mundial que no presidente Trump (uma diferença de 28% a 22%), embora a maioria não tenha expressado confiança em nenhum dos dois líderes.
Ao mesmo tempo em que rejeita o sistema ocidental, a autoconfiante China também vem usando seu peso financeiro crescente para ampliar sua influência pela Ásia e o mundo – através de projetos como o plano de desenvolvimento global conhecido como “Belt and Road”, ou a Nova Rota da Seda, e o Banco Asiático de Investimentos Infraestruturais – e reivindicar uma participação maior na governança global.
“Será uma nova era”, declarou Xi com confiança na quarta-feira, “em que a China chegará mais perto do palco central e fará contribuições maiores para a humanidade.”
Política externa contraditória
Em seu discurso de três horas e meia de duração, Xi adotou postura intransigente em relação ao que o Partido Comunista vê como sendo seus interesses fundamentais — a questão da independência de Taiwan, por exemplo —, mas fez questão de enfatizar que a China não constitui uma ameaça ao resto do mundo e segue o que ele descreveu como uma política externa de paz.
“Ninguém deve imaginar que a China vá tolerar qualquer coisa que prejudique seus interesses”, disse Xi. Mas ele acrescentou: “O desenvolvimento da China não representa uma ameaça a nenhum outro país. Não importa o estágio de desenvolvimento que alcance, a China nunca buscará a hegemonia nem procurará a expansão.”
Muitos tibetanos, que contestam o direito de Pequim a governar o imenso platô do Himalaia, poderiam contestar fortemente essa afirmação. Vários países vizinhos também já devem ter notado que Xi citou “a construção de ilhas e recifes no Mar da China Meridional” como parte das realizações de seu governo – contestando as reivindicações desses países e uma decisão de arbitragem internacional que contrariou as reivindicações chinesas.
Os democratas em Hong Kong, alguns dos quais foram encarcerados recentemente por sua participação no Movimento dos Guarda-Chuvas, de 2014, terão tomado nota da declaração de Xi de que a população desse território deve ter autonomia — mas com “patriotas exercendo o papel de liderança”.
O governo de Taiwan também assinalou objeções na quarta-feira, dizendo que é direito de sua população determinar seu próprio futuro — depois de Xi ter avisado explicitamente que Pequim jamais permitirá qualquer tentativa de Taipé de declarar independência.
Xi disse também que quer modernizar e fortalecer as Forças Armadas chinesas, deixando-as preparadas para um conflito, em caso de necessidade. Mas a mensagem principal da parte de seu discurso que tratou da política externa foi uma de parceria, paz, cooperação e mais assistência a países em desenvolvimento.
A China, ele disse, vai continuar a exercer seu papel nos assuntos internacionais “como país importante e responsável, tomando parte ativa na reforma e no desenvolvimento do sistema global de governança e continuando a contribuir para a governança global com a sabedoria e força chinesas”.
Sem democracia, com paranoia
Mas, e a democracia em estilo ocidental? Não, obrigado. Não há lugar para ideologias “errôneas”, disse Xi.
“A democracia socialista da China é a democracia mais ampla, mais genuína e mais eficaz para proteger os interesses fundamentais do povo”, ele disse.
“A própria finalidade de desenvolver a democracia socialista é dar plena expressão à vontade do povo, proteger seus direitos e interesses, acender sua criatividade e dar garantias sistêmicas e institucionais que assegurem que o povo comande o país”, ele prosseguiu.
No entanto, a aparente autoconfiança da China não oculta uma paranoia profunda que está à raiz de seu sistema político. Tampouco oculta o medo profundo de permitir que os cidadãos chineses possam realmente manifestar suas opiniões.
Antes do Congresso do Partido, dissidentes foram detidos ou obrigados a deixar Pequim, a censura da internet foi intensificada ao extremo e reuniões públicas comuns foram canceladas ou adiadas.
Depois do Congresso do Partido Comunista, a China quer dominar o mundo //bit.ly/2haaYTa
Publicado por Ideias em Quinta-feira, 26 de outubro de 2017