Os resultados decepcionantes dos testes em seres humanos da chamada “fosfoetanolamina sintética” – também chamada de “fosfo” ou “pílula do câncer” –, patrocinados pelo Estado de São Paulo, foram apresentados oficialmente no fim de outubro, durante o 20º Congresso Brasileiro de Oncologia Clínica, realizado no Rio de Janeiro. De 73 testes com pacientes, apenas um teve resultado positivo parcial. Em debate no mesmo evento, o diretor-geral do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), Paulo Hoff, sugeriu que o Icesp não pretende mais conduzir pesquisas com esse produto.
Os testes, de fato, só ocorreram por determinação do governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB), que no fim do ano passado havia prometido ao criador da “fosfo”, o professor aposentado da USP-São Carlos Gilberto Orivaldo Chierice, colocar “à disposição toda a estrutura do estado, como hospitais, institutos de pesquisa (...) para ajudar na conclusão das etapas para aprovação final da substância”.
No fim de março, Hoff já havia concedido entrevista coletiva anunciando o fim da inclusão de novos pacientes no estudo, por conta da ineficácia constatada até então. Na coletiva, no entanto, Hoff havia acenado com a possibilidade de o estudo ser retomado após ajustes metodológicos – na dosagem ou na distribuição da droga, por exemplo.
Agora, de acordo com o relato do site especializado em notícias médicas Medscape, nem mesmo essas alternativas animam mais os pesquisadores do Icesp. Hoff teria se referido ao resultado como “extremamente desapontador” e dito que sua equipe “tem muito pouco interesse em continuar” o trabalho com a “fosfo”. A pressão política, no entanto, continua, com uma CPI instaurada na Assembleia Legislativa de são Paulo para apurar supostas “falhas” no trabalho no Icesp.
Política
O interesse pela “fosfo” sempre foi, de qualquer maneira, mais político do que científico: depois que uma reportagem de televisão, veiculada em 2015, deu fama nacional à cápsula, que vinha sendo distribuída informalmente a partir do campus de São Carlos da USP havia duas décadas, a Justiça se viu inundada por pedidos de acesso à droga, promovida, sem apoio em qualquer tipo de evidência científica, como uma panaceia capaz de curar todo tipo de câncer. Chierice chegou a dizer à EPTV, uma afiliada da Rede Globo no interior paulista, que “a fosfoetanolamina está aí, à disposição, para quem quiser curar câncer”.
Políticos logo se mexeram para atender à demanda. O então Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) determinou a realização de testes para avaliar a eficácia da pílula, e os primeiros desses testes determinaram que as cápsulas distribuídas em São Carlos, que supostamente deveriam conter a molécula fosfoetanolamina, na verdade não passavam de agregados de impurezas, onde a “fosfo” era apenas uma pequena parte. Essa conclusão foi contestada, na época, por Chierice, mas o químico de São Carlos não atendeu aos convites da equipe da Unicamp, responsável pelas análises, para acompanhar seus trabalhos.
No que o químico, professor e pesquisador da Unicamp Luiz Carlos Dias – líder dos estudos que apontaram o conteúdo inesperado das cápsulas – classificou de “um caso que envergonhou a ciência brasileira”, o Congresso Nacional ignorou os resultados do MCTI e aprovou, e a então presidente Dilma Rousseff sancionou, no primeiro semestre de 2016, uma lei que passava por cima de todo o sistema brasileiro de regulação de medicamentos e autorizava a produção e distribuição da “fosfo”. Essa lei acabou suspensa pelo STF.
A decisão de Alckmin de fazer o Icesp testar a substância se insere nesse contexto de reações políticas ao clamor popular, e o resultado negativo – “decepcionante” – desses testes, de certa forma, espelha o resultado inicial de Dias sobre a natureza das cápsulas, além de confirmar o ceticismo predominante na comunidade científica brasileira desde o início do caso.
Esse ceticismo foi provocado, primeiro, pelo modo com que o produto se popularizou, sem qualquer tipo de controle clínico ou acompanhamento científico; segundo, pela alegação de que a “fosfo” seria eficaz contra todo tipo de câncer, o que é bem pouco plausível, dadas as complexidades e especificidades dos diferentes tipos de tumor; e, em terceiro lugar, pelo suposto mecanismo de ação descrito por Chierice, baseado em ideias erradas ou ultrapassadas sobre a biologia humana e a natureza da doença.
O veio político da questão parece longe de se esgotar: nesta terça-feira (7), a CPI da Fosfoetanolamina teve sua segunda reunião e decidiu convocar para depor, entre outros, o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira, e Chierice.
Resultados
De acordo com os dados apresentados pelo Icesp no 20º Congresso Brasileiro de Oncologia Clínica, de 73 pacientes com tumores avançados, tratados exclusivamente com fosfoetanolamina entre julho de 2016 e março de 2017, apenas um apresentou resposta positiva parcial.
O protocolo adotado requeria que pelo menos 20% dos pacientes arrolados tivessem uma redução mínima de 30% em seus tumores. O resultado apurado foi de progressão da doença em 70% dos pacientes, e estabilidade em 29%.
A substância usada nos testes havia sido produzida no laboratório PDT Pharma, sob supervisão do grupo ligado a Chierice.
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â Ideias (@ideias_gp) November 5, 2017