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religião e política

Por que os evangélicos brancos americanos se aliaram a Donald Trump?

A retórica usada por Trump em sua campanha ressoa com o movimento que jurou guerra ao pluralismo cultural, à diversidade religiosa e à ameaça islâmica | Jim Watson/AFP
A retórica usada por Trump em sua campanha ressoa com o movimento que jurou guerra ao pluralismo cultural, à diversidade religiosa e à ameaça islâmica (Foto: Jim Watson/AFP)

Um dos maiores paradoxos da eleição presidencial norte-americana de 2016 foi o apoio que cristãos evangélicos brancos deram a Donald Trump, um homem vulgar, casado três vezes, que se gabou de escândalos sexuais e cuja familiaridade com as escrituras sagradas parece ser brevíssima. Pesquisas em boca de urna indicaram que 80% desse recorte demográfico apoiou Trump, dois pontos percentuais a mais do que os que apoiaram Mitt Romney em 2012 ou George W. Bush em 2004. Considerando que eles são 26% do eleitorado, pode-se dizer que eles tiveram um papel decisivo. Mas o que os levou a ter tanto entusiasmo?

A historiadora vencedora do prêmio Pulitzer Frances Fitzgerald traz uma nova narrativa sobre o movimento evangélico entre os brancos e o esforço que fazem para moldar os EUA — e o livro é um ótimo ponto de partida para começar a procurar por respostas.

Ainda que o livro “The Evangelicals” já estivesse pronto antes das eleições, ele conduz os leitores desde o Primeiro Grande Despertamento, em 1730, até a convenção republicana do ano passado, quando já estava claro que essa comunidade apoiava o homem com a torre de Gothan dourada. A história revelada mostra que a retórica usada por Trump em sua campanha ressoa com o movimento que jurou guerra ao pluralismo cultural, à diversidade religiosa, à ameaça islâmica e à insistência do Iluminismo de dizer que fatos verificáveis sobrepõem as crenças que eles contradizem.

Diferentes visões de mundo

Fitzgerald mostrou como um movimento que começou como uma reação ao Calvinismo estabelecido na Nova Inglaterra e no interior da Pensilvânia moldou profundamente a vida e identidade americanas nas primeiras décadas do século XIX. Ela escreve que o movimento criou um mercado para a religião em que muitos líderes pregavam a liberdade individual, a separação entre igreja e estado, o voluntariado como o primeiro objetivo das organizações sociais e o republicanismo como a melhor forma de governo.

Mas o mundo evangélico foi dividido pela escravidão e pela Guerra Civil Americana, com os sulistas apoiando a dominação escravocrata. No norte, houve ainda mais uma separação, quando a visão tradicional do mundo - em que a Bíblia era inequívoca e literalmente verdadeira e que a salvação individual resolveria todos os problemas sociais - foi questionada pela industrialização, pela revolução científica, por Charles Darwin e uma escola alemã de pensamento bíblico, que mostrou como a Bíblia tinha evoluído até aquele momento. Houve então um grande debate entre os modernistas ou liberais que aceitavam e até acomodavam essas descobertas e os conservadores ou fundamentalistas que as rejeitavam.

Guetos urbanos

Os detratores fundamentalistas se juntariam mais tarde com os sulistas do interior, formando um novo movimento que, por questões políticas, teve seu nascimento associado com as cidades do norte durante a década de 50. “Toda a evidência mostra que eles eram constituídos por protestantes de cidades pequenas que vinham trabalhar em indústrias e moinhos nos centros urbanos”, escreve Fitzgerald. “Eles se encontraram em uma sociedade plural, onde suas crenças eram consideradas ultrapassadas e até bizarras”. A reação foi a construção de guetos urbanos: “comunidades das igrejas que se separavam do que eles consideravam as corrupções do mundo”.

Se vendo como o “resto que se salvou e herdeiros legítimos da civilização americana”, eles não buscavam uma separação tão definitiva como os Amish, mas sim a salvação e a reconquista de uma nação corrompida.

Até os anos 60, não havia um pensamento assim no sul, onde os evangélicos dominavam e não eram desafiados. Mas o movimento por direitos civis, desagregação e a revolução cultural dos anos 60 mudaram isso. Durante as duas décadas seguintes, surgiu uma nova provocação ao liberalismo americano, um novo movimento fundamentalista liderado por pastores televisivos como Jerry Falwell e Pat Robertson.

Guerra cultural

Os dois homens se aliaram a presidentes e congressistas republicanos para alterar a economia e combater a ateia União Soviética. Mas a relação que estabeleciam com a política partidária era controversa entre a comunidade evangélica, principalmente porque essas alianças não entregaram as mudanças sociais e culturais que prometiam.

Depois da reeleição de Bill Clinton em 1996, o movimento se desesperou. Eles tinham controle sobre o comitê republicado e selecionaram os candidatos a vice-presidente. Mesmo assim, “depois de duas décadas de atividade política do direito cristão, o público não era mais conservador quanto ao aborto do que era antes e era até mais liberal quanto aos direitos homossexuais e o papel da mulher”, escreve Fitzgerald. O estrategista Paul Weyrich chegou a declarar: “acho que provavelmente perdemos a guerra cultural”.

Mas essa não foi a derrota final. Os evangélicos acharam um grande aliado no Presidente George W. Bush, que conseguia falar a língua deles e contava com o apoio para ganhar a reeleição. Motivados pela questão do casamento homossexual, eles votaram massivamente no Bush em 2004.

“A Direita Cristã era considerada morta, mas ressuscitaram em dois anos”, narra Fitzgerald. “Os Democratas não poderiam ter imaginado isso”. Mas o esforço se tornou novamente decepção: o segundo mandato de Bush foi marcado por retiradas de tropas no Iraque e desastre econômico em solo americano, enquanto o casamento homossexual se tornaria lei.

“Segunda reforma”

Se o Trump tivesse perdido, essa história terminaria com o nascimento dos “novos evangélicos”, uma reação à direita cristã e a politização da igreja. Rick Warren, um dos líderes desse movimento, pede por uma “segunda reforma”, que faria com que evangélicos voltassem às suas raízes de “conservadorismo com compaixão”, voltado para o cuidado com os pobres e doentes. Para Fitzgerald, o retorno das ideias reformistas marca um ciclo completo do movimento.

Mas Trump ganhou e é possível reconhecer várias falas dele nas facções cristãs fundamentalistas: uma desconfiança com a diversidade, imigração e islamismo e uma forte crença na centralização do poder e no estado de crise do mundo atual.

Uma pesquisa de 2007 mostra que 63% dos evangélicos veem imigrantes como uma ameaça aos costumes e valores dos EUA e 90% defende a deportação para todos aqueles que não têm os documentos necessários. Alegações dos pastores televisivos também são impactantes: em 2002, Falwell disse que o profeta Muhammad era um terrorista e Robertson disse que os muçulmanos são “piores que os nazistas”. O diretor da Associação Evangélica Nacional, tido como um grupo moderado, afirmou que os muçulmanos são os equivalentes contemporâneos ao Império do Mal.

Fitzgerald, escrevendo depois da confirmação da nomeação de Trump como candidato republicano, mas antes da eleição presidencial, argumenta que essas vozes estão em declínio, já que os evangélicos mais jovens são mais simpáticos aos progressistas e aceitam mais o pluralismo cultural e rejeitam a intolerância. “Os millennials que frequentam igrejas estão bem mais preparados para aceitar gays, lésbicas e transgêneros, assim como minorias étnicas, do que seus pais”. escreve. “Eles podem até continuar votando para republicanos, mas essas mudanças já alteram as organizações evangélicas, que estão se preocupando mais com questões de justiça social”. Se continuar assim, o Trumpismo vai decrescer conforme o tempo passa.

* Woodard é autor de cinco livros, incluindo “American Character: A History of the Epic Struggle Between Individual Liberty and the Common Good.” Ele também é editor-colaborador no site Politico e escreve para o Maine’s Portland Press Herald.

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