Principal indicador das condições de vida dos países, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), criado em 1990 pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq dentro do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), é adotado como parâmetro para investimentos, da indústria farmacêutica à sustentabilidade. Mas seus fatores para medir o desenvolvimento das nações são, na melhor das hipóteses, limitados – na pior, repletos de erros de cálculo e mensuração e incapazes de refletir as condições de vida e de desenvolvimento de um país de modo realista.
Com IDH de 0,754, o Brasil ocupa a 79ª posição entre os 188 países participantes do ranking de desenvolvimento humano. A Venezuela ocupa o 71º lugar com índice de 0,767, apesar de o país ser assolado por uma das maiores inflações da história recente, altos índices de criminalidade e ser governado por uma ditadura sem perspectiva de chegar ao fim. Do mesmo modo, Cuba está na 68ª posição, com IDH de 0,769. Já a Arábia Saudita, com uma ditadura que impede direitos civis a mulheres, ocupa o 39º lugar no ranking de desenvolvimento humano com IDH de 0,837, graças ao alto PIB per capita garantido pelo comércio de petróleo.
“Desde a constituição do IDH, há visões críticas em relação à capacidade do indicador constituído a partir de três fatores ser de fato uma boa avaliação do desenvolvimento econômico e social”, diz o economista Marcio Pochmann, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor da Unicamp. “Mas apesar de todas essas críticas, ele é um índice que se constituiu em importância mundial e tem sido adotado inclusive pelas próprias Nações Unidas”.
Escopo limitado
O IDH é parte de uma análise do desenvolvimento humano realizada pelo Pnud. Segundo a entidade, o desenvolvimento é mensurado de acordo com dois tipos de medidas: uma mais ampla, que inclui os indicadores relacionados a avaliações de desenvolvimento humano, e outra mais estrita, baseada em índices compostos que mensuram dimensões básicas do desenvolvimento humano.
“Ambos os tipos de medidas têm as suas limitações”, aponta Selim Jahan, diretor do Escritório para o Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU. Segundo ele, a primeira medida oferece uma compreensão mais ampla das condições de desenvolvimento, mas não sintetiza as situações; já a segunda, sintetiza o desenvolvimento em um número, mas não oferece um retrato do desenvolvimento humano. “O IDH tem um escopo limitado. Ele não pode oferecer um retrato completo do desenvolvimento humano em qualquer situação”.
O IDH mensura o desenvolvimento humano por meio de uma nota de 0 a 1 composta atribuindo pesos a três fatores de desenvolvimento: PIB per capita, expectativa de vida e educação. O uso de apenas três medidas, além de não englobar todos os aspectos da vida em uma sociedade, pode distorcer a nota final do índice.
Os três fatores podem ter pesos diferentes de acordo com o desenvolvimento do país: uma nação com alto desenvolvimento perde mais pontos se não tiver uma população alfabetizada e que frequenta a escola, por exemplo.
A mensuração da educação no cálculo do IDH gera controvérsia: segundo especialistas, a inclusão da educação no índice faz com que os fatores analisados – taxa de alfabetização e permanência na escola – sejam um objetivo por si só, quando deveria ser um meio para levar ao objetivo final de melhoria das condições de vida.
“As medidas de educação no cálculo do IDH podem nos informar sobre a quantidade de educação de um país, a média de quanto tempo as pessoas recebem educação formal, mas não nos falar sobre a qualidade da educação de um país: se as pessoas conseguem, durante a sua educação, aprender coisas que lhes dão habilidades que as tornem mais produtivas no mercado de trabalho”, explica Ryan Davey, economista e diretor da sea3consulting, consultoria de pesquisa e análise econômica voltada para o terceiro setor.
Distorções
O objetivo dos pesos atribuídos a cada fator é priorizar um desenvolvimento equilibrado, mas pode levar a distorções no índice em se tratando de países subdesenvolvidos. Um país como o Zimbábue, que tem o menor PIB do mundo e expectativa de vida de 59 anos, não verá grandes melhorias no seu IDH se aumentar a expectativa de vida da sua população em um ano – e será menos penalizado na pontuação se tiver, além de baixo desenvolvimento, desigualdade em dos três fatores de desenvolvimento.
“Tenho preocupações éticas sobre as avaliações implícitas de expectativa de vida e escolaridade incorporadas no índice. Por exemplo, o índice agrega um valor monetário muito maior a um ano a mais de vida nos países ricos do que nos países pobres”, aponta o economista Martin Ravallion.
Para Ravallion, é possível argumentar que uma pessoa rica pode gastar mais para viver mais do que uma pessoa mais pobre, mas isso não justifica incorporar tais desigualdades à nossa avaliação de progresso em “desenvolvimento humano”.
“No interesse de promover o desenvolvimento humano – ou, pelo menos, melhorar o IDH – o governo de um país pobre não deveria estar disposto a investir mais do que uma quantia muito pequena (em dinheiro e em percentual do PIB nacional) por um ano a mais na expectativa de vida dos seus cidadãos, enquanto o governo de um país rico seria incentivado a gastar muito mais pelo menos ganho em longevidade”, diz.
Além disso, a expectativa de vida não pode ser um fator de mensuração da qualidade de vida, pois mede apenas os anos em vida e não considera o bem estar. Para Pochmann, ela pode ser um fator de desenvolvimento se levar em conta os avanços da medicina, mas não pode mensurar a qualidade de vida dos indivíduos.
“Um dos questionamentos em relação à temporalidade da vida é não considerar os efeitos da qualidade das pessoas que vivem mais, o que não necessariamente indica bem estar”, diz Pochmann. “Por exemplo, alguém que está sobrevivendo com a ajuda de aparelhos. Ela está com a longevidade maior, dada a sofisticação da medicina. Mas isso não significa necessariamente qualidade de vida adequada”, completa.
Classificação
Mensurar o desenvolvimento humano com base em um número exato traz consequências para os países e o mercado. Na classificação da ONU, os países são divididos em três categorias de acordo com o seu IDH – baixo, médio e alto. Mas uma pesquisa realizada pela Agência Nacional de Pesquisa Econômica dos Estados Unidos indica que erros mínimos no cálculo do IDH podem colocar um país em uma classificação diferente daquela a que ele realmente pertence.
Esses erros são considerados na margem de erro do cálculo do IDH, mas essa margem é desconsiderada no comércio exterior. Empresas que oferecem serviços relacionados ao desenvolvimento humano, como a indústria farmacêutica, podem praticar preços diferentes para países em cada faixa de IDH – e, para fins comerciais, podem utilizar o ranking como uma medida precisa de desenvolvimento.
“Cada vez mais as pessoas querem ter relações comerciais com países que tenham alto nível de desenvolvimento humano”, diz Andrea Bolzon, coordenadora do Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU no Brasil. Segundo ela, os consumidores estão cada vez mais preocupados em saber da origem dos produtos e, assim, optam por consumir produtos com origem em países com alto IDH, o que pode ter repercussão em termos de balança comercial.
Segundo Andrea, essa influência na balança comercial não é afetada por erros de cálculo. “A forma de calcular é muito transparente. O Índice de Desenvolvimento Humano sai uma vez por ano. A gente sempre busca dados em bases de dados internacionais, onde os números já foram tratados para que fossem comparáveis. A chance de erro é nula”, garante.
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