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Líder norte-coreano Kim Jong-un assiste a lançamento de míssil: prática tem criado tensão junto aos Estados Unidos  | STR/AFP
Líder norte-coreano Kim Jong-un assiste a lançamento de míssil: prática tem criado tensão junto aos Estados Unidos | Foto: STR/AFP

A ameaça norte-coreana ganha novos capítulos a cada semana, com a escalada veloz dos testes balísticos e nucleares provocando alerta na Coreia do Sul e no Japão. Ao mesmo tempo, no Leste Europeu, a Rússia anuncia um treinamento militar em parceria com Belarus: mais de 12 mil soldados, 250 tanques e cerca de 70 caças e helicópteros de ataque poderão ser vistos em uma área muito próxima à fronteira com a Polônia. No Oriente Médio, os conflitos envolvendo organizações extremistas continuam. 

Ecos da Guerra Fria e da devastação atômica em Hiroshima e Nagasaki fazem uma antiga questão voltar à tona: estaríamos nos aproximando de um contexto em que uma Terceira Guerra Mundial poderá se tornar realidade? 

Ameaça nuclear norte-coreana 

Ao longo dos últimos meses, o programa nuclear de Kim Jong-un passou por uma rápida escalada, tanto na frequência com que os novos testes ocorrem quanto em relação à intensidade das explosões. Desde o final de agosto, os norte-coreanos já lançaram dois mísseis balísticos que sobrevoaram o Japão e realizaram um violento teste atômico subterrâneo – o tremor registrado pelos sismógrafos sugeria uma força equivalente a uma bomba termonuclear, de hidrogênio, muitas vezes mais potente que uma bomba nuclear comum

Um conflito na península coreana é visto como catastrófico para os dois lados. Se o Norte atacasse primeiro, disse o especialista em segurança internacional e professor da ESPM Gunther Rudzit à Gazeta do Povo, a Coreia do Sul seria devastada. “Seul deixaria de existir como conhecemos. E, por isso mesmo, eles são os maiores interessados em resolver a questão pacificamente”, afirmou. Por outro lado, Pyongyang não tardaria a receber a resposta: ao ver seus aliados sofrerem um ataque, os Estados Unidos reagiriam imediatamente, fazendo jus à recente ameaça de Donald Trump de rebater o programa nuclear norte-coreano com “fogo e fúria”

A tentativa de conciliação com o regime dos Kim é uma política antiga de Seul, e o atual presidente Moon Jae-in foi eleito com uma plataforma considerada progressista para os padrões sul-coreanos, sugerindo que buscaria finalmente formalizar a paz com os vizinhos – oficialmente, a Guerra da Coreia jamais terminou, embora os últimos ataques de peso datem de 1953. A persistência de Pyongyang em perseguir seu programa nuclear e as repetidas mostras de hostilidade fizeram até mesmo o conciliador presidente Moon dar duras declarações nesta sexta-feira (15), segundo informa a agência de notícias sul-coreana Yonhap. O diálogo “é impossível em uma situação como esta”, disse Moon, acrescentando que, se for necessário, o Sul é capaz de destruir o Norte “de forma irrecuperável”

Especialistas consideram que, apesar da escalada das ameaças, o projeto norte-coreano não mudou: trata-se de afirmar o país como uma potência nuclear para garantir a sobrevivência do regime, mas não de ser o primeiro a atacar, dando início a uma guerra sem possibilidades de vitória

“Kim Jong-un não vai aceitar abrir mão de seu arsenal nuclear. Ele aprendeu a lição com Saddam Hussein e Muamar Kadafi, que não levaram seus projetos nuclear em frente e acabaram derrubados e mortos. Ele não vai voltar atrás. A principal variável em termos de iniciar uma guerra, hoje, é a Casa Branca: se ela está disposta a aceitar essa realidade”, argumenta Gunther Rudzit. 

 

A Guerra Fria ficou para trás 

Desde a queda do Muro de Berlim em 1989, identificar quem estaria de cada lado em caso de um novo conflito global é uma tarefa muito mais árdua. “Do fim da Segunda Guerra Mundial ao desmantelamento da URSS, o mundo era caracterizado pela bipolaridade entre os Estados Unidos e a União Soviética. Hoje, as relações internacionais são marcadas pela multipolaridade: existem diversos centros de poder”, comenta Bernardo Wahl, professor de relações internacionais da FESPSP e da FMU-SP.  

Os eventuais alinhamentos, desta forma, seriam bem menos previsíveis na eventualidade de uma Terceira Guerra Mundial. “Embora as relações entre EUA e Rússia hoje tenham algumas características que podem lembrar a Guerra Fria, ela não é a União Soviética”, assinala Wahl, recordando que as esferas de influência são diferenciadas. Se até os anos 80 os países do Leste Europeu poderiam ser considerados estados-satélite de Moscou, hoje antigas nações soviéticas guardam grande oposição em relação ao Kremlin: os povos do Báltico repudiam o passado socialista, a Polônia é parte da União Europeia, e a Ucrânia segue envolvida em um conflito direto contra a Rússia pela posse da Crimeia. 

Mesmo sem exercer a influência de antes, a Rússia continua dona de um temível contingente militar, bem como de um arsenal nuclear considerado o maior do mundo, em números absolutos. As demonstrações de força se repetem em episódios como a invasão da Crimeia e, nesta semana, as manobras militares na fronteira entre Belarus e Polônia. “Durante crises internacionais, as elites do Kremlin lembram o mundo de que a Rússia é uma grande potência. O objetivo é arregimentar apoio público para suas políticas e melhorar a posição internacional de Moscou como um contrapeso à hegemonia norte-americana”, escreveu o especialista em política russa Samuel Ramani, em artigo no Washington Post. 

Por outro lado, a China é uma nação muito mais poderosa do que há trinta anos, e independente de qualquer influência direta das superpotências tradicionais. Com capacidades nucleares, os chineses mantêm desde 1961 um acordo de defesa mútua com a Coreia do Norte, no qual estariam legalmente obrigados a se envolver em um conflito ao lado de Pyongyang. “Entretanto, nos últimos tempos, esse tratado sofreu uma reinterpretação pela China. Caso a Coreia do Norte ataque a Coreia do Sul primeiro, a China não sairia em defesa dos norte-coreanos: ficaria neutra”, explica Wahl. 

Para Gunther Rudzit, “decifrar hoje o que o governo chinês realmente quer está mais difícil”. O especialista aponta que o objetivo histórico da China era garantir que a Coreia do Norte continuasse existindo, através de apoio financeiro e militar.

“Se essa existência precisava da arma atômica, o governo chinês fazia vista grossa para isso acontecer. Ele só não quer que esse país nuclearizado provoque um conflito, porque sabe que a Coreia do Norte seria devastada e o que viria depois seria uma unificação com a prevalência do Sul”, entende Rudzit. 

 

Outro aspecto distinto em relação à Guerra Fria é a proeminência do Oriente Médio nesse mundo multipolar. Embora os programas nucleares de nações hostis aos EUA na região tenham sido quase todos abandonados, as novas capacidades atômicas da Coreia do Norte acrescentam um elemento novo. “A Coreia do Norte é extremamente perigosa porque ela deve vender seus produtos nucleares a qualquer estado que pague por eles. A cooperação norte-coreana com o Irã, fora dos meios convencionais, é uma grande preocupação”, disse Emily Landau, especialista em proliferação nuclear do Instituto para Estudos de Segurança Nacional (INSS, na sigla em inglês), em entrevista à Gazeta do Povo. 

Uma guerra “limpa” 

Pouco tempo depois da Segunda Guerra Mundial, em uma entrevista, Albert Einstein declarou famosamente, referindo-se à ameaça nuclear: “não sei como a Terceira Guerra será lutada, mas a Quarta será com paus e pedras”. Ao longo da Guerra Fria, a tese da Destruição Mútua Assegurada (MAD, na sugestiva sigla em inglês) ajudou a evitar que bombas do tipo voltassem a ser usadas em conflitos reais – tanto norte-americanos quanto soviéticos sabiam que o arsenal alheio era tão poderoso que, em caso de ataque de um lado, a resposta viria com força igual ou maior. 

Antes de se chegar no nível nuclear, porém, é provável que um novo conflito global tivesse características muito diferentes daquelas popularizadas nos filmes de guerra. “A tecnologia militar deixou o ambiente de guerra mais complicado”, alerta Bernardo Wahl. 

“O uso de drones pode reduzir os custos de ir à guerra, pois são operados à distância e seus operadores ficam menos vulneráveis. Isso eventualmente atenua a percepção da realidade letal da guerra e diminui os constrangimentos de seu uso como um instrumento de política”, analisa o especialista.  

Outro fator que entra na equação é a guerra cibernética. Em 2010, veio a público a notícia de que o programa nuclear iraniano teria sofrido graves atrasos após a infecção do vírus Stuxnet, que teria sido desenvolvido em parceria por EUA e Israel. Também se acredita que as falhas em lançamentos de mísseis norte-coreanos poderiam ser resultado de sabotagens cibernéticas por parte dos americanos. 

No entanto, esse é um cenário imprevisível, argumenta Wahl, e nem sempre o lado mais rico e poderoso leva a melhor. “O espaço cibernético dá mais poder àqueles mais fracos no mundo real”, destaca. “O uso da tecnologia não necessariamente define a vitória na guerra: existe um paradoxo estratégico no qual potências avançadas com vantagem tecnológica são derrotadas por oponentes assimétricos”.

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