No sexto andar de um shopping center pouco movimentado nesta cidade do sudoeste chinês, um mestre de cerimônias musculoso e hiperagitado, cujo apelido é "Train", andava pelo novo ringue de luta, animando a plateia para uma noitada de sexta-feira cheia de socos, jabs e chutes.
Após ficar fechado por um mês, o "clube da luta" voltou a funcionar.
O volume do funk foi diminuindo, as luzes aumentaram e dois pugilistas amadores ficaram frente a frente: Yan Nan, de 33 anos, ágil funcionário de uma empresa estatal de máquinas, ia enfrentar Li Guowei, professor de educação física musculoso, 10 centímetros mais baixo e sete anos mais jovem.
"Espero que os alunos dele sejam comportados", brincou o mestre de cerimônias, cujo verdadeiro nome é Wang Zijing, falando sobre Li para as centenas de fãs em volta do ringue.
O clube da luta em Chengdu, cidade com aproximadamente oito milhões de residentes, famosa por sua comida picante e vida descontraída, é uma prova do jovem empreendedorismo chinês que tenta algo novo, mesmo quando inúmeros obstáculos, licenças e o nervosismo das autoridades tentam atrapalhar.
Iniciativa
Shi Jian, o gerente do clube, e Wang disseram que tinham se inspirado para abrir seu empreendimento no final de 2015, depois de assistirem à "Clube da Luta", o filme cult de 1999 com Brad Pitt e Edward Norton como dois parceiros improváveis que começam um clube da luta clandestino.
"Antes de tudo isso, eu não tinha nada a ver com luta, mas gosto de me divertir, queria fazer algo significativo e aí vi esse filme", disse Shi, com um corte de cabelo no estilo tigela e óculos pesados.
Shi, de 35 anos, homem de poucas palavras, e Wang, de 29, homem de poucos silêncios, também parecem aliados improváveis.
Mas eles e outro investidor descobriram compartilhar a mesma causa de entretenimento que achavam que faria sucesso com os chineses de 20 e poucos anos meio entediados dos bares e karaokês. O clube, com um nome em inglês, "Monster Private War Club", tem boxe, kickboxe e lutas de artes marciais mistas (MMA) semanalmente. E buscam atrair uma audiência radical, com paredes grafitadas e uma sala de recreação pouco iluminada.
Falta de entretenimento
"O que falta aos chineses é o espírito de diversão. É disso que mais necessitam. Precisam se soltar", disse Wang, ex-soldado que quando fala mistura mandarim com um forte sotaque de Sichuan e inglês inspirado em rap, temperados com muitos palavrões em ambas as línguas.
"Aqui, tudo é um pouco mais comercial, mas estamos tentando encontrar uma vibe underground", disse ele sobre seu novo espaço dentro de um clube de karaokê.
Um ditado chinês diz que é mais fácil conseguir as coisas nas províncias distantes, "onde o éu fica nas alturas e o imperador, longe". E seria difícil imaginar que esse tipo de entretenimento sobreviveria em Pequim.
Mas o boxe, o MMA e outras formas de luta cheias de energia vivem um pequeno boom na China nos últimos anos; as academias e o público se multiplicam por todo o país. É difícil encontrar números precisos, mas um grupo de fãs estima que, em 2016, havia 8,3 mil clubes (eram apenas 2,7 mil em 2008).
Mesmo assim, são raros os locais para apresentar lutas comerciais que atraiam um público mais amplo. E Chengdu, com sua vida noturna animada e cena hipster, parecia um bom lugar. Porém, mesmo aqui o clube sofreu para encontrar o equilíbrio entre ser descolado a ponto de atrair clientes e respeitável para manter os inspetores à distância.
Obstáculos
Em um local que já chegaram a usar, o clube teve que se defender de reclamações da polícia, que considerava os eventos semanais indesejáveis, até mesmo ilegais. As autoridades interromperam o fornecimento de energia e água no ano passado, contam Shi e Wang. As tensões também cresceram quando surgiu uma polêmica nacional em abril passado, depois que o lutador de MMA Xu Xiaodong desafiou alguns mestres de uma arte marcial chinesa tradicional, mais suave, e acabou derrotando um deles em cerca de 10 segundos.
Xu pode ter ganhado essa luta, mas o episódio trouxe uma publicidade ruim para as novas artes marciais.
O clube em Chengdu fechou em novembro por causa de problemas com a polícia, e foi reaberto no final de janeiro, depois que os sócios convenceram as autoridades desportivas da cidade a apoiá-los. Eles encontraram um novo espaço no shopping meio vazio, que alguns moradores dizem ser amaldiçoado por fantasmas de um antigo cemitério nas proximidades.
Mesmo com esse apoio e a aprovação a contragosto da polícia, o clube precisa tomar vários cuidados para permanecer respeitável. Não há apostas, nem drogas, nem brigas entre os fãs. "Nada que possa despertar a ira das autoridades", disse Shi.
"Se houvesse aposta, você acha que estaríamos tão pobres quanto estamos agora? Em um ano, eu conseguiria comprar um Rolls-Royce", comentou Wang.
Toda sexta-feira à noite são apresentadas quatro lutas de boxe, kickboxing ou MMA entre homens, e às vezes mulheres.
"Acho que é um cenário ótimo, com uma atmosfera boa", disse Liao Yanyun, 22 anos, boxeadora profissional que lutou no clube recentemente, quando ela e a adversária empataram. "Se você atrai uma grande multidão para este tipo de luta, ajuda o boxe a se desenvolver", disse ela, acrescentando: "Há muito menos mulheres lutando do que homens, e é difícil encontrar lutas e oponentes".
Este ano os sócios planejam expandir trazendo lutadores de toda a China e talvez astros da Tailândia. Por enquanto, os lutadores do clube são profissionais recrutados em academias locais ou amadores.
Antes da luta de Yan, ele e vários amigos se aqueceram com um jantar de tofu picante, e Yan parecia alegremente indiferente em relação às suas chances no clube. "Ainda não pensei sobre o que vai acontecer hoje, só quero me divertir", disse ele.
A primeira famosa regra no filme "Clube da Luta" era "não fale sobre o clube da luta", e Yan tinha sua própria versão: não conte a seus pais. Ele herdou o amor ao boxe de seu avô, mas disse que os pais ficariam assustados se descobrissem que ele estava praticando.
"Eles acham que na minha idade é preciso ser mais estável", disse ele.
No primeiro dos três assaltos contra Li, Yan parecia estar levando vantagem. Quando Li começou a se defender, Yan o acertou com socos enquanto dezenas de torcedores o encorajavam aos gritos.
Mas Li tinha uma estratégia: mais jovem e menor, achou que primeiro deveria cansar o adversário. No segundo assalto, Yan começou a dar os primeiros sinais. No terceiro, Li atacou e começou a bater – e no final do terceiro assalto, seu adversário havia apanhado bastante.
Wang, o mestre de cerimônias, fez os dois lutadores deixarem o ringue para abrir caminho para a próxima luta, kickboxing entre dois profissionais de clubes nas proximidades.
Na última disputa da noite, os competidores e a multidão gritavam pedindo mais. E Wang e Shi disseram que queriam criar um público ainda mais apaixonado, trazendo de volta o ringue em forma de octógono com gaiola, para deixar os espectadores mais perto do combate.
No camarim, Yan estava chateado; perder era mais difícil do que esperava. Mas jurou voltar ao ringue do clube. "Depois de mais tempo treinando."