A Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) escolheu, nesta sexta-feira (15), dois novos professores titulares de Direito Penal. Janaina Paschoal, uma das autoras do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, não é um deles. Os vencedores, anunciados no início da noite, foram Alamiro Velludo Salvador Netto, em primeiro lugar, e Ana Elisa Liberatore Silva Bechara, em segundo, por unanimidade da banca. Mariângela Gama de Magalhães Gomes ficou em terceiro lugar e Janaina, em último.
A prova de arguição da tese de cada candidato tem peso quatro. O Justiça & Direito acompanhou a defesa da tese de Janaina Paschoal, que ocorreu nesta segunda-feira (11). A análise dos memoriais - espécie de currículo de toda a vida do candidato - e a prova de erudição têm peso três cada uma. No cômputo geral, a maior nota de Janaina foi a de Sérgio Salomão Shecaira, que atribuiu 7.2 a seu desafeto político. Outro dos colegas de departamento da professora, o já titular Renato Jorge de Mello Silveira, atribuiu 7.15 à candidata. Os outros três professores da banca, convidados, atribuíram 6.92, 6.44 e 6.98 a Janaina; a rigor, ela foi reprovada no concurso pela maioria da banca. Os demais candidatos ficaram bem à frente, com notas que variaram entre 8.85 e 9.64.
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Alamiro Velludo, indicado em primeiro lugar pela banca, é ex-presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e renunciou ao cargo em janeiro deste ano, juntamente a outros seis conselheiros, em protesto contra Alexandre de Moraes, então Ministro da Justiça e hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Moraes também é professor da USP.
Prova de erudição
Nesta sexta-feira, antes do resultado final, os candidatos passaram pela última fase do concurso, uma prova de erudição. Cada candidato tinha até uma hora para discorrer sobre o tema a sua escolha. Mariângela Magalhães elegeu o tema “O Direito Penal no Estado Democrático de Direito: missão, função e princípios constitucionais”; Alamiro Velludo, o tema “A evolução da execução penal”; Ana Elisa Bechara, o tema “Penas: teorias, individualização, consequências acessórias”. Janaina, não sem atentar para o momento que vive o país, escolheu para sua aula o tema “Crimes organizados e sociedade moderna. A legislação brasileira”. Falando por quase todo o tempo disponível, a candidata discorreu sobre a diferença entre corrupção e cooptação de funcionários públicos, lavagem de dinheiro e o crime organizado como ameaça aos direitos fundamentais.
A prova foi quase um comentário sobre a situação que vive o Brasil e os desafios para o direito penal. De início, ressaltando a importância do “direito penal mínimo”, as ponderações de Janaina poderiam até agradar os críticos da Lava Jato. A candidata disse que a colaboração premiada é um instrumento “precioso”, mas que deve ser usado com “cautela”, criticou fortemente o instituto da infiltração de policiais em organizações criminosas e defendeu uma interpretação restritiva dos crimes de organização criminosa e obstrução da Justiça.
Conforme avançou, porém, sua posição foi se matizando. “Quando se promulgou a lei 12.850/2013 [Lei das Organizações Criminosas], os políticos pensavam no tráfico de drogas. Eles não imaginavam que a lei os alcançaria, porque o direito penal é feito para o outro, não é feito para o cidadão, todos nós; quem legisla neste país não se pensa um cidadão como outro qualquer, se pensa membro de uma elite”, afirmou a candidata. “Não pensavam em seus conluios”, completou.
“A expansão do direito penal seria necessariamente ruim?”, questionou-se. “Há alguns anos, eu responderia que sim. Hoje, a maturidade me faz responder que não. Essa expansão, desde que limitada por todos os princípios do direito penal mínimo, acaba por se revelar um mal necessário [...] Mas é claro que não se pode trocar liberdade por segurança”, ponderou.
Se há crime organizado de massa, se há jovens diuturnamente cooptados pelo e para o crime, existem também organizações criminosas de matiz econômico, não só no âmbito das empresas, mas também, sobretudo, no âmbito dos poderes políticos – Legislativo, Executivo e, sinto dizer, também no Ministério Público e no Poder Judiciário, Janaina Paschoal, em prova de erudição na tarde desta sexta-feira, 15.
“Os fatos mostram que os agentes públicos, enquanto respondem a inquéritos e processos por desvio de dinheiro público, estão a desviar mais para pagar suas multas e penas pecuniárias. O que fazer com um cidadão que está em prisão domiciliar e guarda 51 milhões de reais, inclusive com suas próprias digitais?”, questionou, fazendo alusão ao caso de Geddel Vieira Lima. “É para estes casos que existe direito e que existe a punição mais severa do direito penal, que é a pena de prisão”, disse.
Janaina aventou também um futuro para o sistema carcerário brasileiro a partir da Lava Jato. “Se os poderosos, não por perseguição, mas por merecerem, forem presos e ficarem presos, na medida da sua culpabilidade, eu tenho certeza de que a qualidade das prisões fatalmente melhorará, como melhorariam os hospitais públicos e escolas públicas caso os políticos precisassem utilizá-los como ocorre, por exemplo, no Canadá”.
Se o direito é a arte do bom e do justo, não é possível que sua realização esteja sempre voltada para um dos lados. O verdadeiro professor do bom e do justo não forma apenas célebres defensores, ou pior, célebres acusadores; o verdadeiro professor do bom e do justo forma pessoas que precisam ter o preparo e a capacidade de identificar as situações em que a arma mais pesada do Estado precisa, infelizmente, ser manejada, porque todos os outros instrumentos se tornaram insuficientes. Janaina Paschoal, em prova de erudição na tarde desta sexta-feira, 15.
Janaina encerrou sua prova de erudição no mesmo espírito conciliatório que adotou na defesa de sua tese, nesta segunda-feira (11). “Mais importante do que qualquer título, o mais importante é que este espaço seja sempre um espaço do diálogo, de troca de ideias, da revisão de posicionamentos e isso só é possível se nós tivermos a liberdade de falar a verdade”, encerrou.
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