Não há sinais que dizem "somente brancos". Há, porém, homens em uniformes militares com carros habilitados por placas específicas para entrar em Kleinfontein, um enclave rural, lar de cerca de mil brancos africâneres (grupo étnico de africanos descendentes de europeus, principalmente de holandeses). Lá há um busto de Hendrik Verwoerd, ex-líder sul-africano que liderou o movimento racista branco.
Este caso isolado, perto da capital da África do Sul, Pretória, é mais do que um retrocesso dos tempos de apartheid, que terminou com as primeiras eleições para todas as raças em 1994. Nos últimos dias, Kleinfontein e sua campanha para ser reconhecida oficialmente como um município se tornou um marco no debate moderno sobre a legislação, a liberdade e uma espécie de "nação arco-íris" que a África do Sul está tentando ser.
Kleinfontein, uma propriedade privada em sua totalidade, exige que seus moradores sejam africâneres e falem africâner, língua baseada no holandês. O que leva a acusações de racismo em um país cuja população de mais de 50 milhões é de maioria negra, mas a comunidade faz distinções em seu manifesto. Descendentes de colonos britânicos, por exemplo, não são bem-vindos.
A comunidade não é organizada "com base na raça", explica Jan Groenewald, presidente do conselho de administração de Kleinfontein, que significa fonte pequena em africâner. O objetivo, segundo ele, é preservar um alicerce cultural que remonta à tradição dos colonizadores.
Os moradores não pagam impostos de serviços municipais, simplesmente porque não os recebem. Eles tiram água de uma nascente e estão construindo um sistema de esgoto. Há um café, uma escola primária e um centro de cuidados para os idosos. Zebras, antílopes e gnus percorrem parte dos 721 hectares da propriedade cercada. Muitos dos habitantes compram bens do lado de fora da cerca.
Se eu fosse racista, não iria falar com negros. Nós não fazemos negócios com eles - disse Annatjie Oncke, faxineira de 49 anos que vive em um campo para trailers. Ela e outros moradores pobres fazem o trabalho servil que antes somente negros faziam, na época em que os brancos estavam no comando. Kleinfontein também tem engenheiros e outros trabalhadores especializados, bem como aposentados.
No passado, pequenos grupos de africâneres procuraram estabelecer enclaves em outros lugares na África do Sul, como a comunidade de Orania, fundada em 1990. Nelson Mandela, primeiro presidente negro da África do Sul, viajou para Orania em 1995 e tomou café com a viúva de Verwoerd, numa demonstração de reconciliação racial. Verwoerd foi assassinado em 1966.
Kleinfontein tem durado quase tanto quanto Orania, mas agora está sob votação, em parte porque quer que as autoridades locais a reconheçam como uma entidade com o direito de executar seus próprios assuntos. O jornal sul-africano "The Times" noticiou que os legisladores estaduais foram informados que, no ano passado, policiais negros foram impedidos de entrar no enclave.
Na semana passada, membros do partido político Aliança Democrática protestaram na entrada de Kleinfontein.
Com a criação de uma área "só para brancos", esta comunidade está dizendo que não tem respeito pelas pessoas que são diferentes dela. Estão dizendo que temem pessoas porque são diferentes - disse Mbali Ntuli, líder da juventude do partido.
Na quarta-feira, Kgosientso Ramokgopa, prefeito de Pretória, visitou Kleinfontein. Delegações dos dois lados se reuniram em uma sala com um telhado de ferro e um sino de igreja montado do lado de fora, em um andaime. Ramokgopa reforçou o direito de cada cidadão de "residir em qualquer parte do país", enquanto Groenewald, presidente da Kleinfontein, falou sobre "autodeterminação".
O clima era diplomático e, às vezes, informal. Ramokgopa brincou sobre os "koeksusters", um alimento frito e açucarado, da época dos colonos. Groenewald citou a liderança de Mandela, mas também sugeriu sua solução com uma menção a Koos de la Rey, um general na Guerra Anglo-Boer (1899-1902), que também não queria conflito, mas lutou muito quando a guerra começou.]
A bandeira nacional da África do Sul não é hasteada em Kleinfontein, mas alguns moradores foram vistos recentemente com a "Vierkleur", bandeira da república de Transvaal, que no século XIX fez parte do que é hoje a África do Sul. Um membro da comunidade entregou uma declaração que falava de traição e perseguição aos africâneres e descreveu a democracia sul-africana como uma farsa.
Nós nos encontramos exilados em nossa própria pátria. Nós experimentamos esta nova configuração não como uma democracia, mas como a ditadura da maioria alienígena - dizia parte do comunicado.
Para alguns observadores, qualquer alvoroço sobre Kleinfontein esconde maiores desafios sobre a integração racial na África do Sul, onde os níveis de renda média dos brancos ainda superam os dos negros. O desemprego é alto e moradores de alguns bairros têm protestado violentamente contra o fracasso do governo em fornecer serviços básicos, um fato que os líderes de Kleinfontein não deixaram escapar em suas discussões com as autoridades de Pretória.
O escritor Eusebius McKaiser disse que o país ainda está lutando contra o legado geográfico do apartheid, e que alguns distritos originalmente projetados para diferentes raças ainda permanecem segregados.
Precisamos parar de alimentar a raiva em relação a pessoas como as que vivem em Kleinfontein. Eles são honestos e cruéis em relação à repulsa que sentem. E nós não somos tão diferentes. Somos apenas menos sinceros, o que é mais sutil - escreveu McKaiser no jornal "The Star".
Ramokgopa visitou Kleinfontein em um comboio de veículos que fez com que os moradores fossem às janelas para acompanhar o tumulto. Ele disse que as "contradições" de Kleinfontein poderiam surgir em qualquer outro lugar.
A natureza do conflito na África do Sul é definida por raça e isso é algo que precisamos tratar. As próximas gerações lutarão mais ainda com essas questões - afirmou o prefeito.
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