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Mãe amamenta em Haryana, na Índia, onde quase todos os bebês nascidos em hospitais nos últimos anos receberam injeções de antibióticos | Kuni Takahashi/ The New York Times
Mãe amamenta em Haryana, na Índia, onde quase todos os bebês nascidos em hospitais nos últimos anos receberam injeções de antibióticos| Foto: Kuni Takahashi/ The New York Times
  • Mães e bebês dividem leito em hospital de Haryana, na Índia; superlotação ajuda a disseminar bactérias resistentes a antibióticos

Uma epidemia que pode ter consequências globais assola a Índia, matando milhares de bebês que nascem com infecções bacterianas resistentes à maioria dos antibióticos conhecidos. Mais de 58 mil crianças morreram no ano passado.

As infecções resistentes a bactérias já começaram a migrar da Índia para outros países. Pesquisadores encontraram em todo o mundo —incluindo França, Japão, Omã e Estados Unidos— "superbactérias" com um código genético identificado inicialmente na Índia —a NDM1 (ou "New Delhi metallo-beta lactamase 1").

As autoridades sanitárias vêm há anos avisando que o uso exagerado de antibióticos acabaria levando as bactérias a evoluir de maneira a inutilizar os medicamentos. Porém, a Índia e outros países em desenvolvimento não são os únicos culpados.

O uso excessivo de antibióticos em criações de gado e de outros animais nos Estados Unidos levou à multiplicação de variedades resistentes, e pesquisas revelam que até metade dos antibióticos receitados nos EUA são desnecessários.

A cada ano nos EUA, 2 milhões de pessoas adoecem com bactérias resistentes, e 23 mil morrem em consequência disso. O número de mortos na União Europeia é semelhante: 25 mil pessoas por ano.

Mas os esforços para combater o uso inapropriado de antibióticos nos EUA e em boa parte da Europa vêm tendo sucesso; o número de casos em que foram receitados antibióticos diminuiu entre 2000 e 2010. Essa queda, porém, foi mais que contrabalançada pelo aumento do uso no mundo em desenvolvimento. As vendas globais de antibióticos para consumo humano subiram 36% entre 2000 e 2000. Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul foram responsáveis por 76% desse aumento.

Um coro crescente de pesquisadores diz que hoje são fortíssimas as evidências de que uma parte importante das bactérias presentes na Índia — na água, nos esgotos, nos animais, no solo e até nas mães— é imune a quase todos os antibióticos.

Os afetados por isso não são apenas recém-nascidos. Uppalapu Shrinivas, um dos músicos mais famosos do país, morreu em 19 de setembro, aos 45 anos, de uma infecção que os médicos não puderam curar.

"A situação deplorável do saneamento básico no país, o consumo descontrolado de antibióticos e a superlotação dos espaços, somados a uma falta absoluta de monitoramento do problema, criaram um tsunami de resistência a antibióticos, e esse tsunami está chegando a todos os países do mundo", disse Timothy R. Walsh, professor de microbiologia na Universidade de Cardiff, no País de Gales.

Pediatras indianos dizem que a multiplicação de infecções poderá derrotar os esforços para reduzir o abismal índice de mortalidade infantil no país. Quase um terço das mortes de recém-nascidos no mundo ocorre na Índia.

Em visitas a UTIs neonatais em cinco Estados indianos, médicos descreveram uma situação fora de controle.

"Cinco anos atrás, quase nunca víamos infecções desse tipo", comentou Neelam Kler, diretora do departamento de neonatologia do hospital particular Sir Ganga Ram, em Nova Déli, um dos mais respeitados do país. "Hoje, quase 100% dos bebês que nos são encaminhados apresentam infecções resistentes a múltiplas drogas. "

Os recém-nascidos são especialmente vulneráveis porque seu sistema imunológico é frágil, dando pouco tempo aos médicos para encontrar um medicamento que tenha efeito.

A filha de Anju Thakur nasceu de parto prematuro um ano atrás e foi uma das vítimas da epidemia em Amravati, cidade na Índia central. Os médicos asseguraram a Thakur que sua filha ficaria bem, apesar de ela ter nascido com apenas 1,8 kg. Mas três dias depois, a barriga de sua filhinha inchou, seus braços e pernas ficaram rígidos e sua pele ficou espessa —todos sinais clássicos de uma infecção do sangue. Como precaução, os médicos já tinham dado dois antibióticos potentes ao bebê logo depois do parto.

Os médicos trocaram os primeiros antibióticos por outros e depois ainda outros. Nada funcionou. A menina morreu com sete dias de idade.

Um exame posterior revelou que a infecção dela era imune a praticamente qualquer antibiótico. O fato de a criança ter morrido em tão pouco tempo significa que as bactérias provavelmente vieram de sua mãe, disseram os médicos.

Especialistas dizem que as bactérias se alastram rapidamente na Índia porque metade da população defeca ao ar livre e boa parte do esgoto gerado pelas pessoas que usam privadas não é tratado.

Com isso, a Índia tem um dos mais altos índices mundiais de infecções bacterianas, e sua população toma mais antibióticos —vendidos sem receita médica— que a de qualquer outro país.

"Na ausência de saneamento e higiene melhores, somos forçados a fazer uso intensivo de antibióticos para reduzir infecções", disse Ramanan Laxminarayan, da Fundação de Saúde Pública da Índia. "O resultado é que estamos perdendo os antibióticos, e nossos recém-nascidos já enfrentam as consequências disso."

Alguns especialistas em saúde e autoridades indianas dizem que as superbactérias estão praticamente restritas aos hospitais.

Mas os maiores neonatologistas do país desconfiam que o grande número de infecções resistentes em recém-nascidos mostra que essas bactérias estão se multiplicando nas comunidades e até mesmo no corpo de mulheres grávidas.

Um estudo realizado em vários hospitais públicos de Déli revelou que 70% das infecções de 12 mil bebês eram imunes a múltiplos antibióticos potentes.

Embora as bactérias resistentes estejam presentes em todo o país, os hospitais se converteram em fábricas de "superbactérias" não tratáveis. Um programa governamental que paga mulheres para dar à luz em hospitais levou o número de bebês nascidos em hospitais a mais que dobrar em dez anos, mas o governo fez pouco para aumentar a capacidade dos hospitais. Em muitas maternidades, se veem duas ou três mulheres em cada leito, o que propicia a transmissão rápida de infecções.

Muitos hospitais são pouco higiênicos, outro fator que facilita a propagação de bactérias.

O médico Suresh Dalpat, vice-diretor de saúde infantil no Estado de Haryana, disse que quase todos os bebês nascidos em hospitais nos últimos anos levaram injeções de antibióticos. "Agora, com treinamento adequado, estamos reduzindo esse índice."

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