O diretor do museu de arte de Münster teme a ideia de perder algumas das atrações culturais de sua cidade.
Ele se preocupa com uma escultura de Henry Moore exposta há quase 40 anos, ciente de que ela pode desaparecer, juntamente com painéis renascentistas e bancos de Eduardo Chillida, em um leilão para levantar recursos para zerar dívidas do museu com o governo.
“Há uma expressão em alemão: ‘Não venda a prataria da família’”, comentou Hermann Arnhold, diretor do Museu de Arte e História Cultural do Estado da Vestfália. “Você venderia a história de sua família? Se você vende obras importantes, se desfaz de parte de sua história.”
No entanto, algo que antes parecia impensável de repente começa a ser visto como aceitável na Europa. Os tesouros artísticos do continente estão perdendo seu status de legado da população.
Com os cortes feitos nos subsídios governamentais de instituições públicas, museus no Reino Unido, Holanda, França e Alemanha passaram a precisar da receita de vendas de arte para fechar rombos em seus orçamentos, fazer reparos ou financiar ampliações.
Esse fato está levando ao receio de que obras-primas desapareçam de locais públicos, passando a enfeitar a casa de um príncipe saudita ou de um dono de um hedge fund.
“Se você quer salvaguardar a identidade cultural, não pode vender as melhores obras de seu acervo”, afirmou Marilena Vecco, professora assistente de economia cultural na Universidade Erasmus, em Roterdã.
Na França, os cortes nos subsídios culturais levaram legisladores a propor a venda de obras das imensas reservas nacionais de arte para pagar por novas aquisições.
Alguns museus britânicos já se desfizeram de obras importantes, incluindo uma estátua egípcia de 4.500 anos, ou organizam a venda de objetos para criar um fundo a fim de contrabalançar os cortes nos gastos do governo.
Em Devon, na Inglaterra, o museu de Torquay perdeu US$ 114 mil (R$ 342 mil) de seu subsídio —uma queda de 43%. Para criar um fundo, o museu pretende leiloar alguns itens, incluindo uma carta da escritora Jane Austen que a casa Christie’s estima que possa ser arrematada por US$ 300 mil (R$ 900 mil).
Na Alemanha, a venda por US$ 152 milhões (R$ 456 milhões) de retratos em silk screen de Elvis Presley e Marlon Brando criados por Andy Warhol financia parcialmente a construção de um novo cassino do governo. E as obras do museu de Münster podem saldar as dívidas de um banco estatal falido.
A demanda por arte é grande, alimentada pelos bolsos fundos dos muito ricos, e a venda de uma única obra pode render milhões.
A estátua egípcia do escriba Sekhemka, levada a leilão no Reino Unido, foi arrematada por US$ 27 milhões (R$ 81 milhões) por um comprador anônimo. O valor foi dividido entre o museu de Northampton e um descendente do doador, o marquês de Northampton.
As associações profissionais de museus se queixam da pressão constante exercida por políticos locais sobre os administradores de museus para que entreguem listas de obras de arte de alto valor que possam ser incluídas em seus orçamentos como ativos.
“Eles tratam as obras como se fossem uma reserva de ouro”, queixou-se Eckart Köhne, da Associação Alemã de Museus, que representa mais de 800 museus.
A oportunidade de angariar recursos volumosos é uma tentação também para governos e instituições nos Estados Unidos. No ano passado o Museu de Arte de Delaware vendeu uma tela para ajudar a saldar US$ 19,8 milhões (R$ 59,4 milhões) em dívidas.
Mas a iniciativa não deixou de ter repercussões. A Associação de Diretores de Museus de Arte exortou seus membros a não ceder obras à instituição.
Para a presidente da associação, Susan Taylor, iniciativas desse tipo “comprometem fundamentalmente um museu e não resolvem com eficiência as causas subjacentes das dificuldades financeiras”.
No Reino Unido, depois da venda da estátua egípcia para pagar por uma reforma, o museu de Northampton perdeu suas credenciais e o direito a receber verbas do governo nacional.
No mês passado a Associação de Museus e outras instituições anunciaram que repudiarão museus cujas vendas ignoraram diretrizes éticas, descrevendo-as como “quebra da confiança entre o museu e o público”. A iniciativa afetará dotações e impedirá a cessão de obras de arte aos museus descredenciados.
Os defensores das vendas argumentam que elas se justificam porque os museus normalmente expõem só cerca de 10% das obras de arte que possuem.
Alguns parlamentares franceses, por exemplo, discutem a possibilidade de vender alguns dos 500 mil objetos dos depósitos do Museu do Louvre.
Em Münster, autoridades locais e especialistas em arte se esforçam para encontrar uma maneira de evitar a venda proposta de cerca de 400 obras do acervo do banco West LB, pertencente ao governo.
Enquanto isso, grande número de visitantes tem ido ao Museu do Estado da Vestfália para ver as obras, possivelmente pela última vez.
“Dizem que estão querendo vender nosso acervo de arte”, comentou o diretor do museu, Hermann Arnhold. “Então as pessoas vieram ver nossos astros e tocar a escultura de Henry Moore.”