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análise

Quais são os desafios da Argentina e o que o Brasil ganha e perde com a eleição de Macri

Mauricio Macri celebra a vitória nas eleições argentinas  deste domingo (22) | IVAN ALVARADO/REUTERS
Mauricio Macri celebra a vitória nas eleições argentinas deste domingo (22) (Foto: IVAN ALVARADO/REUTERS)

Se por um lado a eleição de Mauricio Macri representa um alento aos exportadores brasileiros, que verão o fim de medidas protecionistas argentinas abraçadas pelos governos Kirchner; por outro, o Brasil corre o risco de se ver relegado à posição de “patinho feio” para investidores interessados na América Latina.

A avaliação é de especialistas que participaram de uma conferência organizada pela GO Associados para debater o impacto da vitória do candidato oposicionista na acirrada eleição argentina realizada neste domingo (22). Macri bateu Daniel Scioli, candidato de Cristina Kirchner, por pouco menos de 3% no inédito segundo turno no pleito do país.

Mas os desafios do presidente eleito não são fáceis e, curiosamente, bem conhecidos por nós -- constituem uma espécie de “agenda velha” para os brasileiros, define Fabio Giambiagi, professor da UFRJ e chefe do Departamento de Gestão de Risco de Mercado do BNDES.

Confira alguns destes desafios e o que esperar do novo governo argentino:

Macri deverá ajustar o câmbio

“O novo governo promete tirar as restrições de compra de dólar e importação. Isso gerará uma pressão cambial, pois o Banco Central não tem reservas para a demanda que isso causará”, avalia Juan Jensen, mestre e doutor em Teoria Econômica pela USP e professor do Insper (antigo Ibmec-SP).

Com dólares insuficientes em circulação e mais gente querendo comprá-los livremente, a moeda local, o peso, se desvaloriza. Segundo a perspectiva do economista, a taxa de câmbio tenderá a ir dos atuais 9,60 pesos por dólar para perto de 15 (que é a taxa paralela atual).

“O que o governo deve fazer para limitar a desvalorização é estimular a oferta de dólares. Para isso, acordos estão sendo desenhados com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e há um estoque agrícola que está esperando justamente esta mudança para ser exportado com câmbio mais favorável [estoque avaliado em US$ 10 bilhões]”, define.

Essa medida certamente terá impacto na inflação do país, que avançará dos já preocupantes 25% .

Tesoura nos subsídios

Para Jensen, o quadro fiscal argentino é muito mais preocupante do que o brasileiro. É que na Argentina, o déficit primário (despesa maior que arrecadação) esperado nas contas para 2015 é de 4% do PIB (superior aos 3,15% do Brasil, apontado por alguns analistas).

Mas a solução lá deverá ser diferente da brasileira, já que Jensen aponta que dificilmente o governo acertará as contas com impostos -- a carga tributária no país é alta, de 34%. “Lá, tem o que cortar. Subsídios representam hoje cinco pontos do PIB”, diz. Mas a tesoura não será passada totalmente neles. Uma solução seria “cortar subsídios de famílias mais ricas e manter o das mais pobres”, aponta.

O problema é que, embora a retirada de subsídios não dependa do congresso (que tem maioria peronista, agora oposição de Macri), o aumento das tarifas públicas defasadas dependem. E Macri terá dificuldades neste segundo quesito.

As rédeas da inflação

Para colocar o câmbio no lugar e as contas em dia, é provável que a inflação sofra um impacto relevante. Hoje ela é estimada em 25% pelas consultorias -- um número não oficial, já que os oficiais não são confiáveis --, e poderá chegar a 40% nos próximos anos (em função dos ajustes). “O governo precisará criar um plano anti-inflacionário crível. E este é um imenso desafio, pois a inércia na Argentina é muito grande”, Juan Jensen destaca.

Argentina na moda; Brasil um patinho feio

Boa parte das medidas que precisarão ser adotadas pelos argentinos constituem uma espécie de”agenda velha” no Brasil, define Fabio Giambiagi. “Estamos falando de negociação da dívida pública com os credores internacionais (holdouts), inflação na casa de 20% a 30% há muitos anos, controle generalizado de preços, dúvidas sobre veracidade das estatísticas e agenda de atração de capitais”, diz.

“Apesar de uma inflação mais elevada neste ano e de experiências desastrosas com controle de preços de energia e petróleo, o Brasil já superou essas questões nos anos 1990”, afirma.

Se fizerem a lição de casa, o momento será melhor para os argentinos. “Diferentemente daqui, lá você tem um mesmo direcionamento de toda a equipe econômica. O conjunto de medidas é mais harmônico, e isso faz com que o impacto em confiança, que é o que falta no Brasil, seja mais rápido na Argentina”, compara Juan Jensen.

“Como a questão de confiabilidade é muito importante, há uma possibilidade que a economia argentina se torne a queridinha do mercado internacional; enquanto o Brasil ficará como ’patinho feio’ especialmente se permanecer nesta situação horrorosa de inflação elevada”, define Giambiagi. “A Argentina poderá entrar na moda com um potencial de atração de capitais internacionais. O elemento crucial será a capacidade de negociação do Macri [com oposicionistas]”, aponta.

Comércio bilateral com o Brasil

Apesar de dividir interesses com os vizinhos de Mercosul, o governo Kirchner colocou uma série de restrições no comércio entre os países, sobretudo o Brasil – as medidas protecionistas chamadas de barreiras não-alfandegarias.

Essas restrições devem desaparecer e isso obviamente é bom para exportadores brasileiros. O Brasil é um importante parceiro comercial da Argentina. Estima-se que 20% de tudo que a Argentina importa saia do Brasil e que o país vizinho represente 6% do total de nossas importações e exportações. A troca, porém, vem em queda -- de 2011 até outubro, acumulada em 30%.

“Com atitude mais pragmática de Macri, essas barreiras cairão”, diz Regis Arslanian, advogado sócio da GO Associados e ex-embaixador do Itamaraty na Alemanha e Venezuela.

Mercosul mais forte

A eleição de Macri pode ser um marco para o Mercosul, já que a Argentina deve mudar sua postura e ser menos resistente a acordos com a União Europeia. O bloco possivelmente avançará em relacionamento com os Estados Unidos e com a Aliança do Pacífico (Chile, Colômbia, México e Peru).

E mais do que isso, a relação entre os membros deve ser beneficiada. “No mundo, nossos parceiros principais estão trabalhando pelo seu crescimento econômico, para criar parcerias com objetivo de aumentar a competitividade. O que a gente assiste é uma apatia por parte de Brasil e Argentina no Mercosul”, diz Regis Arslanian.

Para ele, as cúpulas do bloco têm sido ambientes de muita discussão política e pouca econômica. “É um desperdício que a reuniões de cúpula não sejam aproveitadas para resolver problemas estruturais, como as barreiras não alfandegárias. Somos uma zona aduaneira em que a circulação de mercadorias deveria ser livre. Não faz sentido que nossas mercadorias sejam substituídas por chinesas”, complementa.

Arslanian aposta em uma postura mais produtiva de Macri.

Política externa

A eleição do opositor a Cristina Kirchner certamente não agradou Nicolás Maduro, presidente venezuelano, que enfrentará uma campanha argentina pela suspensão da Venezuela do Mercosul.

Como disse durante toda sua campanha, Macri reafirmou nesta segunda-feira (23) a decisão de pedir ao Mercosul a aplicação da cláusula democrática para suspender o país do bloco em consequência das violações dos direitos humanos e perseguições a políticos da oposição -- um deles é Leopoldo López, preso em Caracas e cuja esposa subiu ao palanque na comemoração da vitória de Macri.

Para isso, no entanto, o governo argentino precisará de apoio dos parceiros de bloco. E o Brasil não parece ser um destes aliados. Uruguai e Paraguai, no entanto, podem apoiar Macri e isolar Dilma nesta delicada relação com o governo bolivariano, indica Arslanian.

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