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análise

Será Xi Jinping um novo Mao Tsé-tung?

O presidente chinês Xi Jinping: resistência a dar autonomia à sociedade civil | Chris Ratcliffe/Bloomberg
O presidente chinês Xi Jinping: resistência a dar autonomia à sociedade civil (Foto: Chris Ratcliffe/Bloomberg)

Tudo caminha para que o presidente chinês Xi Jinping permaneça muitos anos no poder. O Partido Comunista Chinês divulgou no último domingo (25) o que já estava sendo alinhavado nos bastidores: uma estratégia para que Xi possa ser reeleito quantas vezes quiser. 

O partido propôs ao Parlamento que seja retirada da Constituição a expressão que diz que o presidente e seu vice “não irão servir mais do que dois mandatos consecutivos”. Na prática, como a Casa é controlada pelo governo, a “sugestão” deve ser aprovada rapidamente, sem problemas. Mas o que significa isso? Será Xi Jinping um novo Mao Tsé-tung?

Indícios

Em 25 outubro de 2017, quando foi reafirmado como líder do Partido Comunista, grupo que lidera a China desde 1949, o novo Comitê Central do partido não apresentou um sucessor claro para Xi, ao contrário do que se esperava.

Essa ausência de indicação fez crescer as especulações sobre a possibilidade de o presidente seguir para um terceiro mandato de cinco anos. Hoje, do grupo de sete membros mais os do Partido Comunista Chinês, apenas o próprio Xi e Li Keqiang, primeiro-ministro da China, permanecem no comitê. 

Todos os homens escolhidos para o comitê estão na casa dos 60 anos e nasceram após a revolução comunista de 1949. Nenhum deles é considerado jovem o bastante para assumir o poder e comandar o país por uma década, como é costumeiro na política chinesa. A ascensão de Xi, no entanto, foi confirmada ainda em 2007, num plano de sucessão, quando ele passou a integrar o Comitê Permanente e adquirir experiência para um primeiro mandato. Naquela época, um sucessor deveria ser apontado pelo órgão e ser jovem o bastante para servir por pelo menos 15 anos. 

O Partido Comunista Chinês tem cerca de 88 milhões de membros, o equivalente a 6% da população do país. A porta de entrada para o partido é a Juventude Comunista, que aceita membros a partir dos 14 anos de idade. Dos atuais membros do partido, 75% são homens e 30% atuam na agropecuária. 

Novo Mao Tsé-tung 

Xi é considerado hoje mais do que nunca na China, ofuscando, inclusive, a figura de seu primeiro-ministro. A demonstração de força e prestígio mais recente envolvendo-o foi a inclusão de suas ideias na Constituição do país. A medida coloca Xi ao lado do fundador da China moderna, Mao Tsé-tung e de Den Xiaoping. As ideias de ambos desencadearam profundas reformas no país, no final dos anos 1970. 

O partido aprovou por unanimidade uma emenda para incluir o “Pensamento de Xi Jinping sobre o Socialismo com Características Chinesas para uma Nova Era” como um de seus princípios. As novas emendas à Constituição determinam que a luta contra a corrupção que caracteriza o governo Xi, e que já puniu mais de 1,3 milhão de funcionários, continuará. 

Uma surpresa foi a inclusão da iniciativa “Cinturão e Estrada”, de autoria de Xi. Também chamada de Nova Rota da Seda, trata-se de um ambicioso plano de construção de infraestrutura para ligar a China a mais de 60 países. 

Além disso, entrou para a Carta um compromisso com reformas industriais voltadas à cadeia de suprimentos e a menção ao “papel decisivo” das forças de mercado na alocação de recursos, promessa feita por Xi no início de seu primeiro mandato. 

Segundo Zhang Lifan, um historiador do Partido Comunsita, Xi pode ser considerado a maior autoridade da China. “O status quo da coexistência entre aliados Xi e várias facções no nível superior permanecerá no lugar. No entanto, podemos ver que as facções estão enfraquecendo e não há figuras em nenhuma delas. Xi assumiu autoridade absoluta", diz.  

Especialistas alertam que essa concentração de poder representa um risco para a China, tornando mais difícil para o Partido Comunista mudar de curso quando necessário, como diante da possibilidade de um vácuo de poder se Xi, de repente, ficasse doente ou morresse. 

Na prática, Xi sustenta uma filosofia política diretamente contrária ao Ocidente, principalmente em relação à democracia e à liberdade de expressão. As ideias dele, que unem marxismo e leninismo, se tornarão aprendizagem obrigatória para estudantes chineses de escolas primárias. 

O pensamento do líder chinês controla todos os aspectos da vida na China, da economia à internet, da política à cultura e à religião. O partido deve ser mais disciplinado e mais receptivo às necessidades das pessoas, mas sua liderança não deve ser questionada. Xi destacou o que ele chamou de "contradição principal" na China moderna, entre desenvolvimento desequilibrado e desigual e "necessidades das pessoas para uma vida melhor". Não deve haver mais perseguição cega do crescimento econômico a todo custo, ele implicou, mas um foco nas questões que mais preocupam as pessoas, incluindo a necessidade de reduzir a poluição e proporcionar uma melhor educação e cuidados de saúde. 

Enquanto isso, o mercado continuará a desempenhar um papel importante na economia, mas o papel do partido e das principais empresas estatais permanecerá supremo. 

Quem é Xi Jinping?

Chamado de "O homem mais poderoso do mundo" pela revista britânica "The Economist", o dirigente chinês, Xi Jinping tem 64 anos e já tinha dito a que veio em uma viagem ao México, em 2009, quando era vice-presidente."Há alguns estrangeiros entediados, mas com o estômago cheio, que adoram apontar o dedo acusador para a China", disse. "A China não exporta a sua revolução, nem exporta fome e miséria, e nem causa dores de cabeça. Evitar que 1,3 bilhão de chineses passassem fome foi nossa grande contribuição para a humanidade." 

No poder desde 2012, ainda sob o impacto do desafio a ditaduras longevas da Primavera Árabe, Xi continuou a ser mais assertivo que seus dois antecessores, os engenheiros e tecnocratas Hu Jintao e Jiang Zemin. Ao contrário de Mao Tsé-tung, que mergulhou o país em uma sucessão de crises e fome, Xi quis provar que um político puro sangue sabe governar e promover crescimento econômico. 

Em editorial em inglês, a agência estatal de notícias Xinhua escreveu que "a democracia iluminista chinesa ofusca o Ocidente". Xi discursou por três horas e meia na abertura do evento de cúpula da ditadura. 

Ao mesmo tempo, em cinco anos de Xi, foram escanteadas as modestas iniciativas para se permitir mais autonomia à sociedade civil. Uma nova lei para organizações não governamentais virtualmente impediu doações estrangeiras; aumentou censura à internet e à mídia, e vários advogados que defendiam os direitos humanos foram para a prisão. Poucos líderes mundiais se atrevem a sequer mencionar o aumento da repressão na nova superpotência. 

Uma campanha contra a corrupção generalizada no país é vista como um sucesso. Cerca de 10 mil políticos e funcionários públicos foram presos por ano - alguns tinham roubado até helicópteros oficiais. Esses expurgos no país, porém, já serviram diversas vezes para um líder se livrar de seus adversários. 

No mundo, Xi faz sucesso, por contrastar com o colega americano, Donald Trump. No encontro empresarial de Davos, em janeiro deste ano, Xi defendeu a globalização, o livre comércio e o acordo de Paris para reduzir os efeitos da mudança climática - todos tabus na cartilha de Trump. Segundo o jornal "Washington Post", Trump teria dito a assessores que Xi era "provavelmente o líder chinês mais o da história". O que é bastante certo. 

Ao contrário da China devastada de Mao, a de Xi se tornou a segunda economia do planeta, com a segunda mais a força militar, e investe bilhões de dólares em parcerias econômico-políticas por Ásia, Africa, América Latina e Europa, algo que os americanos fizeram durante o Plano Marshall (e em escala menor). 

Quanta diferença para o país de 1953, quando Xi nasceu. Filho de um dos revolucionários da geração de Mao, Xi pertence à geração dos "príncipes", herdeiros políticos em um país onde nepotismo e meritocracia convivem harmoniosamente. 

Durante a Revolução Cultural maoísta, seu pai foi para um campo de trabalhos forçados, as escolas secundaristas foram fechadas, inclusive a de Xi, e ele também teve que pegar na enxada. 

Xi desertou, foi preso e enviado a cavar poços no interior, nos anos 1970. Fez engenharia química em uma das poucas universidades abertas à época, a Tsinghua, e voltou a estudar direito e filosofia nos anos 1990, em intensivos destinados aos grandes nomes do partido. Ao contrário de colegas de geração, que foram testados governando províncias muito pobres ou separatistas, Xi administrou províncias ricas, do leste chinês. 

O presidente se casou duas vezes, a última delas com Peng Liyuan, cantora popular que gravou canções-exaltação para os militares, essa relação que dura 30 anos. 

Como o congresso chinês afeta a geopolítica 

 Ao longo das três horas e 23 minutos de discurso na abertura do Congresso do Partido Comunista da China, em outubro do ano passado, Xi Jinping descreveu a China como "grande potência" 26 vezes. Previu que, em 2050, o país "se tornará potência global líder" e "terá posição de destaque entre as nações". Teriam ficado para trás os tempos em que a ditadura chinesa pregava a modéstia e seguia a máxima do líder Deng Xiaoping (1904-97): "Esconda sua força e espere pacientemente pela oportunidade". 

A China perdeu os pudores e vem preenchendo o vácuo de liderança mundial deixado pelo presidente americano, Donald Trump, alérgico a concertações multilaterais. Enquanto Trump defende os "EUA em primeiro lugar" e rasga acordos comerciais como a Parceria Transpacífico e o Acordo de Paris sobre o clima, a China reforça seu financiamento a instituições como a ONU e seu compromisso com a mitigação do aquecimento global. Chineses assumiram postos de liderança no Banco Mundial, na Interpol e em outras organizações.  

O projeto de Xi é oferecer a "solução chinesa", expressão lançada em julho do ano passado, para o mundo. "O Partido Comunista da China e o povo chinês têm confiança em poderem oferecer uma solução chinesa para a busca da humanidade por instituições sociais melhores", disse Xi no aniversário do partido. 

 No Fórum Econômico Mundial em Davos, em janeiro deste ano, Xi foi mais assertivo. Apresentando-se como defensor do livre comércio, disse que a China deveria "guiar a globalização econômica". No mês seguinte, em Pequim, subiu a aposta afirmando que o país deveria "guiar a sociedade internacional" para "uma ordem mundial mais justa e racional." 

Para ganhar influência, os chineses apostam na arma que já vêm usando há algum tempo, o financiamento. Eles criaram o Banco de Investimento em Infraestrutura da Ásia e do Novo Banco de Desenvolvimento (ou Banco dos Brics). A iniciativa da Nova Rota da Seda (também chamada de "Belt and Road Initiative") prevê mais de US$ 100 bilhões para bancos de desenvolvimento na China financiarem pontes, estradas, portos e projetos energéticos em mais de 60 países. 

Mas Xi sabe que não basta comprar aliados. Para ganhar peso mundial, a China precisa assumir o papel de fornecedor mundial dos chamados bens públicos como educação, saúde e iniciativas de combate à pobreza, avalia David Kelly, diretor de pesquisa da consultoria China Policy. 

Não que se espere uma liderança nos moldes ocidentais. "Xi não está preparado para fazer nada que envolva promoção de democracia no mundo ou respeito a direitos humanos do ponto de vista ocidental", diz Kelly. “A 'solução chinesa' não envolve exportação desses valores, sua liderança global se dará por meio da promoção do desenvolvimento, incluindo saúde e educação, e não Estado de direito." 

Para os analistas, conforme a China assumir de forma mais aberta posição de liderança, problemas surgirão. Um dos princípios da política externa chinesa é a não intervenção. O governo chinês chegou a fazer negócios com o ex-ditador do Zimbábue, Robert Mugabe (1987-), sem impor condições de respeito a direitos humanos. Negocia com iranianos e sauditas, com palestinos e israelenses. Mas é impossível manter-se assim tão neutra ao longo do tempo.

Com informações e trechos da Folhapress, Washington Post e Associated Press.

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