A insulina, essencial para manter o equilíbrio do açúcar no sangue e usada para tratar o diabetes, também pode se revelar uma arma importante contra o mal de Alzheimer, doença letal que ataca o cérebro de idosos e ainda não tem cura. A suspeita já existia, mas um trabalho capitaneado por pesquisadores brasileiros demonstrou em detalhes a capacidade protetora da insulina. Quando ela chega até os neurônios (células nervosas), consegue proteger as conexões entre eles dos efeitos nocivos da molécula que causa o mal de Alzheimer.
"Já se conhecia a correlação clínica entre a deficiência de insulina, comum no diabetes, e a doença de Alzheimer", explicou ao G1 a neurocientista Fernanda De Felice, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Começaram os testes clínicos para tentar tratar a doença com insulina. Mas ficou um buraco no conhecimento - não se sabia qual era o efeito positivo dela sobre os neurônios. Esse nosso trabalho preenche a lacuna", afirma De Felice, que assina a pesquisa na edição desta semana da revista científica "PNAS", ao lado dos brasileiros Sergio Ferreira, Marcelo Vieira, Theresa Bomfim e Helena Decker, além de colegas dos Estados Unidos.
Usando neurônios cultivados em laboratório, os pesquisadores foram à raiz molecular do mal de Alzheimer, os agregados de um peptídeo (fragmento de proteína) conhecido como beta-amilóide. Essa molécula se junta em pequenos conjuntos, com algo entre três e 20 peptídios idênticos, e interfere, entre outras coisas, com as conexões que se formam entre as células nervosas. Com tais ligações neuronais bagunçadas, a formação de memórias se torna impossível, o que explica a amnésia típica dos pacientes de Alzheimer.
Por outro lado, pesquisas recentes demonstram que a insulina, hormônio famoso por controlar o nível de açúcar no sangue, faz muito mais do que isso no organismo. "Ela é importante na formação de memórias, conceito que ainda não foi bem assimilado nem mesmo nas faculdades", diz De Felice. Esperar que ela tivesse efeito protetor contra o mal de Alzheimer é até um passo lógico, portanto, mas o problema era o "como".
Os experimentos com a cultura de neurônios mataram essa dúvida. O que acontece é que a insulina protege as conexões entre as células fazendo com que sumam os receptores dos conjuntos de beta-amilóide. Receptores são como fechaduras químicas, que permitem a interação entre a célula e determinada molécula - dessa forma, deixava de ser possível a ligação entre os grupos de beta-amilóide e os neurônios, preservando as conexões entre eles.
A recíproca também é verdadeira: a molécula-vilã faz desaparecer os receptores de insulina nas células. Os pesquisadores verificaram ainda que a rosiglitazona, um medicamento usado para tratar diabetes que deixa o organismo mais susceptível à ação da insulina, potencializa o efeito protetor do hormônio contra a destruição de neurônios.
Rumo à terapia
Segundo De Felice, os achados em laboratório são um passo importante, embora preliminar, para tentar usar o conceito de forma terapêutica. "O próximo passo é estudar a situação em camundongos transgênicos [geneticamente modificados para desenvolver um problema análogo ao mal de Alzheimer de humanos]", diz ela. A pesquisadora também alerta quanto ao uso indiscriminado da insulina.
"Não adianta a pessoa ir até a farmácia para injetar insulina num parente idoso, por exemplo. O efeito pode até ser o oposto", explica. Um dos problemas possíveis é que a substância precisa atravessar a barreira natural que existe entre o sangue e o cérebro. O excesso de insulina na circulação poderia levar ao fechamento dessa barreira, o que só pioraria a situação.
Os pesquisadores que vão testar a insulina contra a doença no exterior pretendem contornar o problema aplicando o hormônio por via nasal, de forma a atravessar mais facilmente a barreira sangue-cérebro. Outro caminho seria usar a rosiglitazona, que aumentaria a ação de insulina sem manipular a quantidade dela no organismo, afirma Sergio Ferreira, coautor da pesquisa nacional.