A Constituição é a expressão maior da vontade de uma nação. É onde suas aspirações e desejos se projetam sobre as gerações futuras, consolidando assim a ideia de nacionalidade, conforme expôs Emmanuel Sieyès em sua obra Qu’est-ce que le Tiers-État?. Contudo, se um povo, em nome das demais gerações, constituiu um Estado democrático sob a proteção de Deus, há de ser perguntado: as religiões, essas hermeneutas das escrituras divinas, possuem espaço para arguir a inconstitucionalidade de uma lei, com base na sua própria interpretação constitucional, conforme pretende a PEC 99/11?
Uma norma, seja ela uma lei ou um texto constitucional, tem por finalidade a garantia do indivíduo inserido na coletividade, ou seja, a chamada “pessoa humana”. Miguel Reale afirmava que a norma existe porque precede de um fato que demanda a inclusão de valores, de comportamentos determinados na sociedade. Sendo assim, são nos resultados gerados por essa norma que ensejam-se, minimamente, condições para atingir o bem que a cada um é devido, na medida desigual em que é devido.
Se existe no Brasil uma moral que precedeu tanto a Constituição vigente como suas predecessoras, foi a moral ocidental judaico-cristã
Por um outro lado, se existe no Brasil uma moral que precedeu tanto a Constituição Federal vigente como suas predecessoras, emprestando-lhes cor, foi a moral ocidental judaico-cristã – ou seja, aquela que durante mais de 2 mil anos inspirou suas sociedades na medida em que a própria pessoa humana foi demandando a existência de um Estado que garantisse suas liberdades individuais.
Advindo a modernidade, as filosofias relativistas se tornaram hegemônicas entre as elites tupiniquins, assim como as teorias jurídicas positivistas – abandonadas até mesmo pelo seu precursor, Hans Kelsen – e o marxismo cultural, que juntas contribuíram para dissociar a moral e os costumes da religião, valendo-se de uma crença ingênua em um “contrato social” independente dessa moral. Ora, se nos unimos de forma autônoma e independente em torno de um contrato social, como assegurar que os maus desejos e desvios de alguns homens não venham a violá-lo a qualquer momento?
Aí entra em cena o princípio de liberdade religiosa ampla e irrestrita previsto pelo art. 5.º da CF/88, que assegura o culto, a liberdade de consciência e crença (VI), e, por fim, veda a privação de direitos em razão de crença religiosa (VIII). Sendo assim, negar às entidades judaico-cristãs o direito de arguir inconstitucionalidade sob a ótica de seus princípios é pavimentar o caminho dos maus. Ainda, levantar o argumento laicista contrário a essa faculdade, num país onde mais de 80% da população é declaradamente cristã, é utilizar dos poderes de Estado para limitar a liberdade religiosa que deveria ser amplamente garantida por este ente. Mais do que isso, é tornar o Estado refém de filosofias marxistas e de meras vontades individuais, minimizando-o a mera antessala do totalitarismo, em nome de progressos utópicos e fictícios.