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Anular o exame acarretaria um prejuízo muito maior à quase totalidade dos candidatos que prestaram a prova sem problemas

Ante as acaloradas discussões em torno dos problemas surgidos durante a aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), há alguns fatos que são incontestáveis. A partir dos fatos, entretanto, têm surgido opiniões muito diferentes que merecem análise. Vamos aos fatos: alguns cadernos de prova do modelo amarelo apresentaram problemas; o gabarito tinha os cabeçalhos das provas trocados; em algumas salas, foi proibido o uso de lápis, borracha e relógio, enquanto em outras não; apesar da proibição do uso de celulares, alguns candidatos comprovadamente conseguiram utilizar seus telefones móveis durante a aplicação da prova; os cadernos de prova do segundo dia não tinham espaços suficientes para os cálculos necessários para a resolução de várias questões.

Com base nesses fatos, muitas vozes se levantaram pedindo a anulação do exame, o que inclusive levou a Justiça Federal do Ceará a ordenar liminarmente sua suspensão. Não há, entretanto, razão para anulação do Enem. A juíza cearense considerou o Enem como um concurso público, mas, na verdade, o exame tem outras características. Trata-se de uma avaliação do ensino médio que tem diversas finalidades. Os estudantes que fazem o Enem não são concorrentes diretos a determinado cargo ou vaga. São 3,5 milhões de pessoas que poderão fazer diferentes usos da nota. Essa nota tem o objetivo de dar a quem presta o exame um padrão nacional de avaliação quanto a seus conhecimentos relativos às disciplinas do ensino médio. Por isso é um instrumento importantíssimo, e sua aplicação em nível nacional é um grande avanço na avaliação do ensino no Brasil.

Uma das funções do exame é conceder o certificado de conclusão do ensino médio a qualquer pessoa de mais de 18 anos que consiga uma nota mínima previamente definida – esse é o único caso em que se pode falar em "aprovação" de um candidato no Enem (a alegação da juíza que vetou a divulgação do gabarito era que isso poderia "acarretar acirrados ânimos entre os candidatos eventualmente aprovados).

As características técnicas do exame o tornam confiável como avaliação de conhecimento. Com a nota obtida, o estudante que desejar poderá tentar ingresso em diversas instituições de ensino superior, públicas e privadas. Cabe a cada instituição definir se e como vai utilizar a nota do Enem. Portanto, a prova em si não é uma competição de um candidato contra outro que busca a mesma vaga – o Enem apenas faz uma avaliação oficial dos conhecimentos do aluno em relação aos conteúdos repassados em aula. Essa avaliação é expressa numericamente por uma nota que poderá ser utilizada pelo estudante como comprovação de seu grau de conhecimento, para diversos efeitos.

Anular o Enem seria prejudicar os quase 3,5 milhões de estudantes que fizeram a prova sem enfrentar qualquer problema ou irregularidade. Aos que se sentiram prejudicados, deve ser garantido o direito de prestar um novo exame o quanto antes, assim como aos que fizeram o exame regularmente não pode ser negado o direito de receberem sua nota.

O Ministério da Educação estima em cerca de 2 mil o número de estudantes prejudicados pelos problemas no caderno de provas amarelo utilizado no sábado. Anular o exame acarretaria um prejuízo muito maior a quase totalidade dos candidatos que prestaram a prova sem problemas.

Quanto às falhas de orientação dos fiscais, cabe ao Ministério da Educação corrigi-las para os próximos exames, garantindo uma melhor preparação, o que é imprescindível ante a magnitude que tomou o Enem. Já os casos de violação às normas de segurança (como a proibição do uso de aparelhos eletrônicos) são caso de polícia – os fraudadores é que devem ser punidos e não os milhões de alunos que não cometeram qualquer irregularidade. Para isso, cabe também aos promotores do exame adotar normas mais rígidas de segurança na aplicação da prova.

Erros de impressão são praticamente inevitáveis em se tratando de tal quantidade de impressos. Para corrigir o problema, é preciso que, antes da prova, os fiscais orientem os alunos a conferirem os cadernos, providenciando a troca antes do início do exame. É assim que geralmente acontece nos exames de vestibular, havendo cadernos excedentes em todas as salas para a eventual necessidade de uma troca.

Portanto, houve sim falhas na aplicação do Enem, mas a pior solução seria punir a esmagadora maioria dos estudantes que não foi afetada por elas e empenhou-se para fazer uma boa prova durante as dez horas de esforço intelectual intenso e concentrado que o exame exige. Anular a prova seria penalizar quem não fez nada de errado. A solução justa dever ser possibilitar a quem foi prejudicado a participação numa nova prova. E aperfeiçoar o sistema de aplicação do exame, para que as falhas não se repitam, de modo que a lisura e a perfeição do Enem estejam em consonância com a enorme importância que ele tem hoje na avaliação do ensino no Brasil. O Enem é um instrumento democrático de avaliação, muito bem estruturado, que não pode ser descartado. Ao contrário, deve ser aperfeiçoado e valorizado cada vez mais.

Tomás Eon Barreiros é jornalista, professor universitário, mestre em Comunicação e Linguagens (UTP) e doutorando em Ciências da Educação (UTIC).

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