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Quem paga a conta da gordura do Estado é o povo

No Brasil, estão dadas todas as condições de caráter econômico e social para a diminuição do Estado. O Brasil tem cerca de 10 milhões de servidores públicos, o que gerou um gasto de R$ 241,7 bilhões em 2014, uma alta de R$ 11,8 bilhões em relação a 2013. Na União houve um acréscimo de 33.148 servidores neste mesmo período. As pensões civis e militares chegam a custar à União cerca de R$ 25,4 bilhões.

Em 2010, o sistema geral de seguridade social para trabalhadores do setor privado proporcionava pensões para 24 milhões de pessoas que custam o equivalente a 6,8 % do PIB. O sistema para trabalhadores do setor público custa 2,1% PIB, mas só cobre menos de 3 milhões de pessoas, um número oito vezes menor que no setor privado. O gasto com pensões no Brasil é muito alto em relação ao padrão internacional, ainda mais considerando a força de trabalho relativamente jovem.

Enormes gastos do governo com pensões e folhas de pagamento e sua falta de poupança têm grande influência no crescimento. O grande gasto com o funcionalismo restringe o dinheiro que o governo tem disponível para investimento em infraestrutura, educação e outras áreas, contribuindo para a inflação ao restringir a capacidade da economia de fornecer bens e mão de obra qualificada. A inflação mais alta leva a maiores taxas de juros, hoje em 14,25%, e mais pedidos de aumento de salário pelos servidores públicos. O alto gasto público com o funcionalismo cria também uma necessidade de impostos elevados, elevando o custo de fazer negócios no Brasil e colocando mais pressão ascendente sobre os preços.

A remuneração deveria aumentar proporcionalmente ao crescimento da produtividade, mas ocorre justamente o contrário

Infelizmente, o regime estatutário dos servidores públicos não permite que sejam despedidos ou tenham seus salários cortados. Pensões também não podem ser reduzidas. Assim, o machado cai sobre os investimentos e os assalariados, como o que está claramente ocorrendo.

Na contramão do Brasil, no auge da crise Portugal adotou reduções remuneratórias de 3,5% a 10% nos vencimentos acima de 1,5 mil euros em 2014. Em 2015, os funcionários públicos recuperaram 20% do corte salarial num horizonte de cinco anos, mas isso foi condicionado à redução do número de trabalhadores e outros ganhos de eficiência, como a contribuição extraordinária de solidariedade (CES). Em busca de uma medida duradoura para reformar o sistema, o governo trocou o CES pela contribuição de sustentabilidade e aumentou o desconto dos trabalhadores para o sistema de pensões (receita de 100 milhões de euros) e aumentou o IVA (receita de 150 milhões).

Desde 2010, quando o governo de coalizão iniciou seu programa de nove anos para fechar o déficit orçamentário, a Grã-Bretanha reduziu o número de funcionários públicos por quase um quinto, enquanto os freios de pagamento do setor público reduziram a diferença salarial com o setor privado. A meta é demitir mais de 1 milhão de funcionários públicos. Um relatório do Instituto de Estudos Fiscais destaca que a remuneração entre os trabalhadores do setor público e privado são equivalentes. A distância se expandiu na recessão porque o setor público foi relativamente isolado da crise, mas havia retornado ao seu tamanho pré-crise, incentivando o crescimento da economia. Segundo Dave Penman, secretário-geral da The Association of First Division Civil Servants (FDA), o governo britânico está retornando aos anos 30 em nível de gasto com o funcionalismo a partir do investimento na formação e consequente aumento da produtividade dos servidores públicos.

Pesquisa realizada pela Conference Board identificou que a média de treinamento que um americano recebe varia de 120 a 140 horas por ano. No Brasil, são somente 30 horas. Em 1980, um brasileiro tinha produtividade equivalente a 40% da de um americano. Hoje ela está em 24%. Se tivéssemos maior produtividade, isso obviamente reduziria o número de servidores e os gastos com o funcionalismo. A remuneração deveria aumentar proporcionalmente ao crescimento da produtividade, mas ocorre justamente o contrário: o salário aumenta nos momentos de aumento de protestos contra serviços públicos de baixa qualidade. Isso ocorre em grande medida pela baixa competitividade dentro do setor público, inclusive nas universidades.

Além da baixa participação de estrangeiros no mercado de trabalho e do baixo nível de inglês da população e do próprio Estado isolado, os pesquisadores brasileiros em geral têm baixo número de publicações em inglês, o que tranca a circulação de conhecimento relevante. Esses foram exatamente os fatores que fizeram com que, dentro da América do Sul, a melhor universidade brasileira, a USP, perdesse posição para Universidade Católica do Chile no ranking QS das melhores universidades em 2014.

Segundo Paulo Sotero, diretor do Brazil Institute em Washington, o Brasil tem uma das economias mais fechadas do planeta e tem de se arejar para se tornar mais competitivo. O acesso ao mundo competitivo é restrito a uma pequena camada da população brasileira, devido à barreira da língua e ao preço das passagens. Ao não ser exposto à competição, o setor privado fica muito dependente do dinheiro público, o que abre espaço para a corrupção. A economia brasileira vai se acomodando e os índices todos mostram isso, afirma o diretor.

A partir do aprendizado por comparação com experiências internacionais o Brasil poderia evitar um colapso, já no curto prazo, das finanças públicas a partir da redução do número de secretárias e de ministérios. Com relação aos ministérios, eu sugeriria a junção do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento com o Ministério do Desenvolvimento Agrário. O Ministério da Pesca e Aquicultura poderia ser integrado ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, aproveitando a imensidão de peixes nos lagos, rios e praias do país.

No caso de secretarias com estrutura de ministérios, uma ideia seria a junção da Secretaria de Políticas para Mulheres e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial à Secretaria de Direitos Humanos, evitando a duplicidade de esforços, a baixa eficiência pela falta de compartilhamento de conhecimentos e o baixo apoio político das propostas. A Secretaria da Micro e Pequena Empresa ganharia mais força política e conhecimento técnico se estivesse junto ao Ministério das Cidades. A perda de foco é comum quando há estruturas fragmentadas tratando de temas comuns.

Com relação a secretarias dentro de ministérios, no caso do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, sugeriria a junção da Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos com a Secretária de Orçamento Federal, finalmente integrando planejamento e orçamento e daria mais espaço para a Secretaria de Assuntos Internacionais, que cuida da captação de recursos externos e cooperação internacional, dois temas fundamentais no momento atual do país. Na contramão do que rege o artigo 3.º da Constituição, de reduzir as desigualdades sociais e regionais, o Brasil é o país que mais cresceu e mais gerou desigualdade no nível internacional (70% de grande parte dos territórios do Maranhão têm populações que vivem abaixo da linha da pobreza). Infelizmente o desenvolvimento regional no Brasil fica muito condicionado à aprovação de emendas parlamentares ao orçamento, e que normalmente não estão articuladas a um projeto de desenvolvimento e nem mesmo ao PPA.

A consequência financeira inicial da junção de ministérios e secretarias é a redução do número de cargos comissionados, hoje em aproximadamente 23 mil só no governo federal. Para tanto é preciso uma melhora substancial na formação dos servidores concursados através de uma mudança: do modelo burocrático francês adotado pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap) para o modelo da Escola da Austrália-Nova Zelândia, a melhor escola de governo do mundo. Diretora da Enap por oito anos, a pesquisadora Regina Viotto Pacheco afirma que “a transposição do modelo de escola de governo francês para o Brasil não faz o menor sentido hoje, nem para a França, nem para o Brasil. É um modelo de elite, baseado em monopólios e não em competências. O mundo não convive bem com isso hoje”. O ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, o pesquisador Mangabeira Unger, corrobora com a pesquisadora Regina Pacheco quando afirma, em seu discurso de posse: “Qual é o nosso ensino? É uma imitação degenerada do ensino francês do século 19, um enciclopedismo raso vidrado em decoreba, em informação, em memória, e é a negação de nossa natureza. O que é o Brasil? É uma grande anarquia criadora. E qual é o método de ensino que adotamos no nosso país? É uma camisa de força dogmática, que faz guerra contra o que somos”.

Nesta “fase de limpeza” não podemos permitir atos de improbidade administrativa. Apesar de a Constituição não permitir ingresso em cargo público sem concurso, o que já havia sido feito por Getúlio Vargas, a diretora de Administração do Ministério do Planejamento, Ana Clécia, conseguiu uma forma de aprovar ela mesma (com a posição 3.967) sete secretários e 33 diretores de ministérios no concurso para Gestor de Políticas Públicas 2013. O TCU conseguiu anular o certame por unanimidade devido à ausência de parâmetros claros que possam definir o que é “atividade gerencial”, a pontuação excessiva conferida pelo edital à experiência em “atividade gerencial” e a forma de contratação da Escola Superior de Administração Fazendária por Ana Clécia, que transferiu R$ 1,2 milhão para a referida instituição elaborar o concurso. A baixa exigência na prova objetiva acabou por aprovar 5,8 mil candidatos, cerca de 90% dos participantes. O site da Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (Anesp) destaca que, apesar do pedido, a servidora não foi afastada pelo TCU. O Planejamento decidiu manter a diretora, que faz tortura psicológica com quem não aceita atos ilícitos e já lançou o concurso para analista. Há uma enorme capacidade ociosa dentro do ministério, que trabalha de forma sazonal. Como o sistema de planejamento e orçamento está desassistido, os períodos de falta de demanda poderiam ser utilizados para capacitação e também apoio técnico (ou até mesmo cessão de servidores) para ajudar outros ministérios, estados e municípios na formulação, monitoramento e avaliação de políticas públicas.

As medidas iniciais propostas neste artigo ajudariam na retomada do crescimento de três maneiras: maior produtividade e efetividade do setor público; menor necessidade de criar novas taxas a todo instante; e diminuição de impostos a partir da eliminação gradativa da gordura da máquina pública. O governo está sendo forçado a mudar o setor público e logo não vai ter outra saída se não introduzir cortes e maior competividade. A discussão sobre carreiras no funcionalismo (estatutário vs. não estatutário) transforma-se na discussão sobre a forma mais adequada de prestar determinado serviço e retoma-se o debate sobre a importância do ensino, pesquisa e aprendizagem dentro do Estado brasileiro.

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