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E se eles fossem vistos como vencedores o ano todo? Durante as últimas semanas, dez nomes ganharam espaço na mídia e nas conversas corriqueiras: Rami, Yusra, Yiech, James, Yonas, Angelina, Rose, Paulo, Yolande e Popole. O Time de Refugiados – o primeiro da história das Olimpíadas – pode não ter conquistado nenhuma medalha, mas conquistou a admiração e o respeito de milhares no mundo. (Dois atletas do Kuwait, país suspenso dos Jogos, conquistaram um ouro e um bronze competindo sob a bandeira de “atletas olímpicos individuais”, a mesma categoria dos dez refugiados.)

No começo deste ano, estive na Jordânia servindo em uma base humanitária de apoio a refugiados sírios e iraquianos. Lá, conheci a Naz. Ela é iraquiana, tem 19 anos, ama ver séries. Uma menina comum, como tantas outras, tirando o fato de que teve que interromper os estudos de Medicina na Universidade de Mosul, devido ao aumento dos conflitos na região, e há dois anos é considerada refugiada na Jordânia. A primeira vez que conversei com ela, não houve esboço de simpatia. Houve um desabafo e um pedido: “Estou cansada de ser vista como a coitada. Eu não quero que tenham pena de mim, nem ser lembrada como uma pobre menina refugiada”.

Ao ver Yusra nadar, Popole lutar, o mundo viu vida! Foi como se cada movimento, cada gota de suor nos conduzisse para a trajetória individual desses atletas.

No período da Olímpiada do Rio, cada um dos refugiados competidores foi visto para além desse rótulo. Eles foram vistos como indivíduos, com rostos, histórias, aptidões únicas.

Já virou costume se referir a essa população no plural: os refugiados. Mas, é preciso cuidar. Nesse caso, o tratamento constante no coletivo não gera unidade, identidade. Pelo contrário, anula. Cada homem, mulher que se encontra nessa condição possui uma identidade ligada a seu território de origem, ao ambiente familiar em que cresceu, à língua em que se expressa. Há particularidades “nos refugiados” e elas precisam ser vistas.

A verdade é que esse título reflete uma condição de estar e não de ser. Estar refugiado é apenas uma parte pequena e mutável de um todo, que foi imposta pela circunstância da nação onde eles nasceram e estavam vivendo.

Tratá-los como números potencializa essa massificação. São 65 milhões de deslocados no mundo, entre refugiados, solicitantes de refúgio e deslocados internos, como mostra recente relatório da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR). As estatísticas são, sim, críticas e devem ser analisadas. Mas, só enxergar números nos distancia de cada um dos milhões, não há um olhar humano para essa realidade. Pessoas não se conectam com números. Pessoas se conectam com pessoas. Por isso, é preciso olhar para os seres humanos que correspondem a essas estatísticas, para, então, decodificar os numerais, refletir sobre eles e pensar em ações que irão transformar a realidade.

Ao ver Yusra nadar, Popole lutar, o mundo viu vida! Foi como se cada movimento, cada gota de suor nos conduzisse para a trajetória individual desses atletas. Lado a lado ou no embate cara a cara com outros competidores, o time de refugiados conseguiu fazer com que o olhar do público transcendesse os estereótipos. Tenho certeza que você não olhou para Yusra como uma “pobre menina” ao vê-la dando braçadas com garra naquela piscina. Nem tampouco ralhou que lugar de preto estrangeiro não era ali, quando Popole venceu sua luta de estreia. Tenho certeza que você vibrou com eles. O mundo os viu como vencedores, independente do pódio ou da condição de refúgio.

Quando a Naz pede para que não tenhamos pena dela, ela está nos convocando para não termos pena de nenhum refugiado. É porque, de fato, pena não move o mundo, não revela mais humanidade, não afirma identidade, não promove dignidade e igualdade. É preciso mais nobreza de coração para dar passos em direção ao outro, na busca por uma aproximação que gere identificação e possibilidades de novas percepções e atitudes. Opto pelo amor! Pelas lentes desse sentimento, encontra-se o valor do outro.

Da mesma forma que a chama olímpica não se apaga e não se apagará com o fim dos Jogos de 2016, que o olhar despertado no grande público, pelos dez atletas refugiados, sobre as pessoas que se encontram nessa condição, perdure. É possível olhar para as pessoas refugiadas e ver vencedores.

Ainda esses dias, recebi a notícia de que a Naz conseguiu a cidadania canadense e já migrou para lá, onde dará continuidade aos estudos. Sim, Naz, você não precisa da nossa pena. Você merece nossos aplausos.

Michele Bravos é jornalista e fotógrafa, com produções focadas na valorização do ser humano e na promoção dos seus direitos. Atualmente é mestranda em Direitos Humanos e Políticas Públicas, pela PUCPR.
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